A crise política e seu derivado econômico, que deixam o povo com os nervos à flor da pele e inseguro sobre o futuro, são questões palpáveis, que merecem ser discutidas e ser alvo de protesto, mas até para este há limites, sobretudo quando a discussão resvala pela trilha da intolerância. Na última segunda-feira, o cantor e compositor Chico Buarque, ao sair de um jantar mensal com os amigos, foi hostilizado por um grupo, em uma movimentada esquina do Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. O artista foi abordado aos gritos de “petista”, “ladrão” e “vai para Paris, vai para Cuba”. Ele ainda tentou conversar, mas não havia espaço para diálogo.
A crítica é um direito, mas, quando ela passa dos limites, se torna algo condenável, sobretudo – para ficar só nesse caso – em se tratando de Chico Buarque. Defensor ou não do Governo, o que é um direito dele, tem no currículo a luta diária contra essa mesma intolerância, quando se explicitava nos anos de chumbo pela violência e pela censura. Chico não é apenas um artista notável, mas um militante das liberdades individuais. Discordar de suas opiniões, questionar a qualidade de seu texto ou de sua música é perfeitamente factível nas relações humanas, mas as cenas do Leblon foram além disso.
O que esses mesmos jovens desconhecem é que o país, por muito tempo, lutou para que hoje eles também pudessem se expressar. Mas as circunstâncias são outras. Se na ditadura havia um cerceamento completo dos direitos, hoje, mesmo com uma crise grave e com deformações morais que são desvendadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, as instituições funcionam. E é por elas que as questões são resolvidas. Pela intolerância, não.