Dois dias após as eleições de domingo, quando o candidato libertário Javier Milei foi eleito, ainda há ruídos sobre a relação com o Brasil, principalmente por conta das declarações do futuro presidente no período de campanha. Na ocasião, dirigiu ofensas pessoais ao presidente Lula, enquanto sua nova chanceler, em nota publicada no jornal La Nación, disse que vai mudar a relação com o Brasil e com a China.
No entanto, não é hora de esticar a corda, sobretudo por ainda haver muito a ser discutido antes da posse. Milei tem demandas internas a serem resolvidas, como a formação de sua equipe e a transição com o atual governo. As imagens do encontro com o presidente Alberto Fernández foram motivo de avaliação de especialistas gestuais, já que não houve comunicado conjunto. Foi unânime a constatação de tensão.
Ao fim e ao cabo, embora a posse vá ocorrer já no dia 10 de dezembro, é prematuro estabelecer impasse nas relações entre os dois países, os principais parceiros econômicos da América do Sul – algo que vai além do jogo político. O presidente Lula disse que não precisa gostar do presidente argentino e nem ser admirado por ele, mas foi enfático em enumerar a relação de dois país que vão ficar no mesmo lugar e têm forte ligação econômica e afetiva. O fato de Milei ter convidado o ex-presidente Jair Bolsonaro não deveria causar surpresas, embora seja um fator a mais para uma possível ausência de Lula na posse. Apenas isso, bastando lembrar que Bolsonaro também não compareceu à posse de Fernández.
A América do Sul, especialmente, carece de discussões mais intensas sobre suas interrelações, sobretudo por estar apartada das principais decisões internacionais. O jogo paroquial que se desenvolve no Cone Sul apenas afasta investidores que não se sentem seguros em atuar na região.
Por isso, aguçar ainda mais o distanciamento, como esforçam alguns setores, é um jogo de perde-perde, já que não há qualquer dado positivo numa relação tensa entre as duas principais economias da região. Diferenças ideológicas não podem barrar avanços econômicos entre os dois países, sobretudo quando ambos os lados já têm problemas suficientes a serem resolvidos.
No lado brasileiro, a agenda no Congresso está repleta de demandas, a começar pela reforma tributária, que tem o viés de prioridade. Na Argentina, a interminável crise econômica deve ser o foco principal do novo governo, sobretudo por conta da ansiedade da população por dias melhores. Um país que já foi um dos mais ricos do mundo vive um ciclo interminável de crise, que, a despeito de todos os discursos e governos alternados entre a direita (Maurício Macri) e a esquerda (Fernández) ainda não foi debelado.