Os números apresentados pelo IBGE na última terça-feira, como parte das “estatísticas experimentais”, devem, como recomenda o próprio instituto, serem usadas com cautela, mas não deixam de ser preocupantes. Em 2022, havia 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no país. Isso representa 4,9% da população nessa faixa etária. O contingente de crianças e adolescentes nessa situação vinha caindo desde 2016 (2,1 milhões), ano inicial do módulo sobre o trabalho de crianças e adolescentes da PNAD Contínua, chegando a 1,8 milhão em 2019. No entanto, em 2022, esse contingente cresceu.
A cautela se justifica pelos próprios fatos. A oscilação ocorreu entre 2019 e 2022, anos mais agudos com o avanço da Covid. A economia global passou por uma grande inflexão e milhões de pessoas foram jogadas ao desemprego ante o fechamento de indústrias e comércio por força do coronavírus. Isto posto, é possível inferir que o desemprego interferiu na dinâmica das famílias, com jovens e adolescentes sendo obrigados a ingressaram no mercado de trabalho, especialmente informal, para fechar as contas do fim do mês.
O trabalho infantil é uma preocupação permanente da ONU, como ficou estabelecido na Conferência Internacional de Estatísticos do Trabalho, realizada em 2018, em Genebra, mas a própria data aponta que ainda não havia indícios do flagelo sanitário que viria no ano seguinte.
A covid também levou ao fechamento de escolas e comprometimento em programas como bolsas de estudo ou aqueles de transferência de renda. O somatório destes eventos certamente refletiu nos números apresentados pelo Instituto, que não devem ser motivo apenas de análise, mas também de tomada de decisões.
Crianças e jovens também são afetados pelos novos tempos. No Brasil, eles estão inseridos na primeira geração na qual os velhos têm mais recursos do que os jovens, o que os faz cada vez mais dependentes, ou com mais tempos para essa virada. Mais ainda, ante um cenário em que a economia caminha apartada da educação, os jovens, especialmente, vivem o dilema da dúvida, sem saber qual profissão adotar. Muitas delas, aliás, estão saturadas.
Para reverter esse cenário são essenciais ações coordenadas que passam, necessariamente por políticas públicas de proteção social, educação e fiscalização. Recentemente, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por iniciativa do deputado Roberto Cupolillo (Betão), do Partido dos Trabalhadores, aprovou ações de combate ao trabalho similar à escravidão, ciente de que, boa parte desse contingente, é composto por menores de 16 anos. O grave desse enredo é o uso de crianças já a partir de 5 anos no trabalho, furtando-lhe o direito universal de simplesmente serem crianças.
De acordo com o IBGE, “crianças e adolescentes do sexo masculino representavam 51,1% da população de 5 a 17 anos do país e 65,1% daqueles que estavam em trabalho infantil. A proporção de pretos ou pardos em situação de trabalho infantil (66,3%) superava o percentual desse grupo no total de crianças e adolescentes do país (58,8%). Já a proporção de brancos no trabalho infantil (33,0%) era inferior à sua participação no total de crianças e adolescentes (40,3%).” É preciso mudar.