Ao dizer que não vai renunciar, o presidente Michel Temer cumpriu um esperado enredo, mas as consequências do gesto são imprevisíveis por não darem fim a uma crise que, de hora para outra, tornou-se extremamente grave. Se havia avanços na economia e se as reformas estavam em andamento, a divulgação da conversa com o empresário Joesley Batista, do grupo JBS, inverteu o processo: o dólar subiu e as bolsas viveram momentos pendulares em razão das incertezas do mercado.
O grave é que essa incerteza não se fixa apenas na questão econômica – o que já seria um grande dano -, mas se estende para outros setores, a começar pela política. Mesmo que o presidente tendo dito que as gravações são inconclusivas, o teor da conversa é nitroglicerina pura, pois o que se ouviu foi um empresário admitindo toda a sorte de crimes sem o menor constrangimento. Ao primeiro indício, o presidente deveria ter encerrado o diálogo, pois não havia nada de republicano no enredo.
O momento é de reflexão, mas está claro que a situação do presidente se torna insustentável pela sua própria incapacidade de mobilização. Temer pode ter boas intenções, apresenta um claro desejo de entrar para a história, mas sua base é frágil. Os partidos agem de acordo com um timing próprio, mas de olho na opinião pública. Até aliados sólidos estão titubeando, como o PSDB, um dos fiadores da reforma. A legenda também saiu marcada nas gravações por conta do envolvimento de seu presidente, senador Aécio Neves, nas negociatas com o empresário.
Os tucanos foram rápidos em definir seu afastamento, mas o dano já estava feito, restando, agora, colher os cacos e ir à frente. Resta saber se com Temer ou sem ele. Os demais partidos seguem na mesma toada, boa parte deles com forte viés oportunista já pensando nas eleições do ano que vem, enquanto as oposições jogam o seu jogo, numa clara amostragem de que cada dia tem sua angústia. O PT, até então acuado com as denúncias contra o seu principal player, o ex-presidente Lula, tenta reverter o jogo. Será difícil, pois, na agenda da sexta-feira, ele também entra na roda dos beneficiários de Joesley.
O trágico desse enredo é que ficou claro, nas delações, não haver mocinhos nesse filme. Cada um, ao seu modo, usou das relações entre público e privado para tirar vantagens.