Quando defendia o projeto de sua autoria, que levaria à Lei Antimanicomial, de 2001, o então deputado Paulo Delgado participou de vários fóruns de discussão e fez uma série de prospecções ouvindo especialistas sobre a realidade dos hospitais psiquiátricos do país. O que ouviu reforçou sua convicção da necessidade de mudar as regras de acolhimento. O número de pessoas internadas à revelia e tratadas com desumanidade impressionava. Basta ler o premiado livro Holocausto Brasileiro, da escritora e jornalista Daniela Arbex, para se ter uma ideia do que ocorria.
Foram muitos os relatos, sobretudo pelas causas da internação. Uma considerável parcela de pacientes foi levada para estes verdadeiros cárceres pela simples orientação sexual. “Ninguém gosta de estar num manicômio porque, lá, louco não tem voz. Decidem tudo por ti. Te dopam. Te ofendem. Às vezes, te amarram. A comida é precária. Não te tratam com dignidade”, relatou um paciente na ocasião.
Quando a norma completou 20 anos, o Painel da Saúde Mental: 20 anos da Lei 10.216 denunciou um apagão de dados vividos pelo setor desde 2016, quando o Ministério da Saúde deixou de publicar o boletim eletrônico que reunia informações consideradas fundamentais para a implementação de políticas públicas e para o controle social do setor.
Nos últimos anos, a discussão se acentuou, sobretudo por conta de uma mudança de paradigmas. Na semana passada, uma audiência pública tratou do fechamento do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Jorge Vaz, em Barbacena, voltado – como a Tribuna destacou – para o atendimento de pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei. Trata-se de uma exigência do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, em fevereiro deste ano.
Os princípios são os mesmos da lei de 2001, mas faltou, no mínimo, razoabilidade na implementação de uma norma que afeta não os pacientes com distúrbios mentais que podem ser tratados fora dos hospitais. O caso em questão envolve, sim, pessoas com distúrbios, mas com passivo penal, por serem autores de delitos capitulados em lei e que implicava no encarceramento. Ante a condição mental, foram abrigadas no hospital.
Em princípio, são inimputáveis pela condição mental, mas como superar os riscos? O CNJ deveria, no mínimo, estabelecer uma discussão mais ampla – a começar com a participação do Ministério Público – para tomar tal decisão. É fato que a lei passa pelo princípio da impessoalidade, mas há casos e casos. E este é um deles.
Voltar ao velho modelo deve ser de plano rechaçado, mas as regras se confirmam pelas exceções. Daí, o Conselho, antes de consumar a decisão, deveria dar margem ao contraditório. Fechar questão, como ficou claro na nota encaminhada à Tribuna, é um contrassenso.