Numa votação rápida para os padrões da Casa, a Câmara aprovou, na noite de quarta-feira, a lei que trata do Abuso de Autoridade, que já passou pelo Senado, estando parada por conta de sua repercussão. Os deputados claramente temiam aprovar um texto temendo a crítica de ser uma retaliação às muitas investigações promovidas por policiais e pelo Ministério Público, com o aval do Judiciário. Coincidentemente, com os vazamentos apontando interligações entre promotores e juízes, especialmente Sérgio Moro, então magistrado no Paraná, e o consequente enfraquecimento de operações como a Lava Jato, o texto passou.
O próprio presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, descartou o viés da retaliação, dizendo que todos estão submetidos à mesma norma, mas não soube apontar em que ponto, por exemplo, ela afeta os parlamentares. O alvo preferencial foram policiais e promotores que, nos últimos anos, levaram suas investigações para o andar de cima. Enquanto os segmentos mais carentes eram os alvos, os congressistas não se manifestaram. Com a mudança do foco, houve a mobilização, que não se restringiu a partidos do Governo, envolvendo, também, a oposição. Neste caso, a Casa se mostrou unida, corporativista, numa defesa de seus próprios interesses.
É fato, porém, que o texto não é uma terra arrasada. Há pontos importantes que devem ser considerados, sobretudo se for levado em conta que muitos agentes públicos, promotores e juízes, de fato, foram além de suas prerrogativas. Houve claras situações de abuso de autoridade, que, no entanto, poderiam ser sanadas em recursos a instâncias superiores. A norma sugere que tais recursos seriam maculados pelo espírito de corpo também nestas instituições.
Resta avaliar o aspecto hermenêutico do texto. Alguns artigos não são claros em sua essência, exigindo interpretação, o que é um dado a ser considerado, mas eivado de preocupação, pois, quando se caminha por essa trilha, há sempre o risco de o olhar ser subjetivo em detrimento do coletivo.
O texto segue agora para o presidente Jair Bolsonaro, que tem o direito de assinar embaixo e sancionar sem mudanças ou vetar a matéria in totum ou em parte, dependendo de sua avaliação. Parte de sua base no Congresso é formada por policiais militares, que, da mesma forma que juízes e promotores, se sentiram incomodados com o projeto. Se vai atendê-los, ou não, é outra história.