O projeto aprovado pela Câmara Federal, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), criminalizando atos de discriminação contra parlamentares, tem um forte viés corporativista e é mais um tiro no pé, sobretudo pelo conteúdo e pela forma como passou pela Câmara, votado às pressas, sem discussão adequada e, praticamente, sem conhecimento da população. A parlamentar, filha do ex-deputado Eduardo Cunha, um dos alvos da Lava Jato, entre os vários argumentos, destacou os danos aos políticos em espaços públicos, como praças, aeroportos e locais de evento. Quem ousar a crítica, agora, será punido em lei.
Ela argumenta que a meta também é combater a corrupção, sobretudo quando se fala em pessoas politicamente expostas, que precisam de proteção. A atual legislação estabelece limites; a proposta da parlamentar fluminense amplia as proteções e, ao contrário do que a deputada propõe, está sendo vista como um fator de blindagem dos políticos.
Ao dizer que desconhece a lei aprovada pela Câmara dos Deputados, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, dá pistas de que, na Casa de revisão, a conversa será outra, sobretudo diante da repercussão negativa. Mas, na própria Câmara, há resistência, mesmo após a aprovação definitiva da matéria. De acordo com a “Folha de São Paulo”, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) vai apresentar um projeto estabelecendo que a regulação sobre as Pessoas Políticamente Expostas (no Brasil são quase 99 mil) volte a ser normatizada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Pelo projeto da deputada, a responsabilidade sobre a normatização das PEPs é do Legislativo, o que pode ser interpretado como legislar em causa própria.
A matéria pecou mais pela forma do que pelo conteúdo, já que não foi permitido um debate mais profundo sobre o seu teor. O entendimento da deputada é seguido pelo quórum que aprovou o texto, mas seria importante que outros setores também tivessem sido chamados à discussão. A votação no final da noite soou como algo estranho, próprio de matérias aprovadas sem o conhecimento público.
A discussão no Senado deve ser outra. Somado ao desconhecimento dos senadores – a começar pelo presidente que não conhece o texto -, a reação pública terá forte apelo numa Casa que, por prerrogativa, pode revisar propostas aprovadas pela Câmara. E é o que se espera, pois o texto não reforça em nada o combate à corrupção, como foi sustentado, e ainda reforça a percepção das ruas de que os políticos querem situar-se num universo à parte, embora uma das primeiras considerações da legislação brasileira seja a de que todos são iguais perante a lei.