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Choque de competências

editorial
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A Constituição Federal estabelece que os poderes são harmônicos e independentes, o que não impede participação em demandas de mútuo interesse. Os poderes devem ter uma postura de contrapesos, a fim de garantir a execução das metas voltadas para a sociedade. E é aí que ocorre o problema. Vira e mexe, há ruídos nas relações sob o argumento da interferência. O caso mais recente envolve a questão das drogas.

Com um perfil conservador, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou na última quinta-feira, por 23 votos a 4, a Proposta de Emenda à Constituição que criminaliza o porte de drogas, endurecendo a legislação atual. O texto define que tanto o consumo quanto a venda de drogas são igualmente crimes – apesar de o tratamento possa ser diferente. A PEC segue agora para o plenário.

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Por sua vez, o STF, de maioria progressista, tem um placar de 5 a 3 na votação de uma ação que considera inconstitucional a criminalização do consumo próprio de maconha. Só não houve um desfecho porque o ministro Dias Tófoli pediu vistas.

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Em ambos os lados há manifestas posições de viés ideológico – o que não é problema – que devem ser consideradas tanto nas discussões no Legislativo quanto no voto dos ministros. A questão das drogas é sempre complexa por envolver diversos aspectos, incluindo saúde pública, segurança, direitos individuais e eficácia das políticas de controle. A disputa entre os dois poderes indica abordagens divergentes no tratamento de usuários e traficantes de drogas.

A postura dos senadores não surpreende, pois, explicita a opinião de uma expressiva parcela da sociedade que, desde 2018, se revelou assertiva a partir do momento em que a instância política adotou a discussão de valores. No entanto, estudos sobre políticas de drogas têm demonstrado uma tendência crescente em direção a abordagens mais orientadas para a saúde pública e a redução de danos. Muitos países europeus adotaram estratégias que priorizam a prevenção, o tratamento de dependentes e a redução dos danos sociais causados pelo consumo.

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As duas casas devem criar canais de comunicação para evitar impasses que, em vez de solução, só aumentam a tensão. Em países com ampla discussão sobre a punibilidade das drogas, a atuação da Justiça pode variar. Em outros é comum que o Judiciário desempenhe um papel ativo na formulação e revisão das políticas relacionadas às drogas, especialmente quando há questionamentos sobre a constitucionalidade e eficácia das leis existentes.

Se o texto ora em tramitação nas comissões do Senado for aprovado pelo plenário e receber aval da Câmara, certamente haverá margem para ações no STF, a quem cabe dirimir dúvidas legais. Em acontecendo, a decisão dos ministros pode contrariar o projeto aprovado no Congresso por ferir a Lei maior.

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Não se trata de confronto, mas sim de interpretação da Constituição, responsabilidade do STF. Este deve equilibrar a proteção dos direitos individuais e a necessidade de políticas públicas eficazes contra o tráfico e para a saúde pública.
Seja qual for a decisão, o dano já estará feito, e só será possível evitá-lo se houver diálogo entre as partes na fase em que ainda é possível fazer mudanças.

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