A proposta de emenda à Constituição que autoriza o Parlamento a anular julgamentos do Supremo e propõe um novo rito para processos de impeachment de integrantes do Tribunal, cuja admissibilidade foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, é um contrassenso, por significar, sobretudo, um desequilíbrio de poder previsto pela Constituição. A Carta promulgada em 1988 estabelece de forma clara que os poderes são harmônicos e independentes. A PEC em questão subverte essa regra.
Não é de hoje que o STF virou vitrine de setores inconformados com as suas decisões, como ficou claro em 8 de janeiro de 2023, quando foi uma das casas foi depredada por golpistas. Mas, antes disso, já passava por questionamentos, dessa vez da esquerda, quando referendou a prisão do presidente Lula.
Há pontos a serem considerados e que estão embutidos em outra PEC que trata de dar fim às decisões monocráticas no STF. Neste caso, dentro da própria Corte, há juízes que admitem tal mudança por entenderem que não faz sentido um ministro, por conta e risco, revogar uma medida colegiada da Câmara ou do Senado e ainda sancionada pelo Executivo. Seria, também, uma ingerência de poder.
Tal proposta é passível de negociação, mas a segunda, não. Ela é de alto a baixo totalmente inconstitucional e não pode ir adiante na própria Câmara, a quem cabe rejeitá-la, antes mesmo de chegar ao plenário. O texto surgiu como retaliação ao julgamento que chancelou a decisão do ministro Flávio Dino de suspender as emendas parlamentares ao Orçamento. Quando uma casa como o Congresso age pelo fígado, são grandes as possibilidades de erro político e legal.
Por causa de decisões monocráticas, em vez de abrir o diálogo com o Supremo, parlamentares mais açodados foram para uma saída extrema, que teve o respaldo da Mesa Diretora. Ao colocar o tema na ordem do dia, mesmo sabendo das consequências, o presidente da Câmara, Arthur Lira, apontou que também concorda com os termos.
Espera-se que nesta semana o quadro seja revertido, e cabe ao próprio presidente da Câmara jogar água fria na fervura. Afinal, tem razão o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso, quando destaca que instituições que estão funcionando não podem ser reformadas em função de “interesses políticos circunstanciais”. “Não se mexe em instituições que estão funcionando, e cumprindo bem a sua missão, por injunções dos interesses políticos circunstanciais e dos ciclos eleitorais”, se referindo ao processo sucessório na Câmara, que leva os candidatos a prometerem o que podem e o que não podem fazer.
O ministro também está correto ao apontar que “as constituições existem precisamente para que os valores permanentes não sejam afetados pelas paixões de cada momento. Nós aqui seguimos firmes na defesa da democracia, do pluralismo, da independência e da harmonia entre os Poderes”, afirmou.
Quando diz que o STF é “passível de erros e está sujeito a críticas e a medidas de aprimoramento”, ele abre a porta para possível entendimento em torno das decisões monocráticas. Pode estar aí a saída para um impasse, que, acima de tudo, compromete não apenas as instituições, mas dá margem para o surgimento da preocupante insegurança jurídica.