Independentemente do resultado da votação no Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira, quando a pauta avaliava se o Judiciário tem ou não competência para suspender mandatos e mandar parlamentares para o recolhimento noturno sem autorização do Legislativo, está claro que as instituições precisam rever seus conceitos. Embora a Constituição seja clara ao definir que os poderes são autônomos e independentes, na prática não é isso que vem ocorrendo: o Judiciário legisla, e o Legislativo interpreta os códigos e carta magna ao seu bel-prazer, num claro indício de sinais trocados.
O impasse recente é fruto dessa série de distorções que ocorre ao curso dos anos. Ante a omissão dos legisladores e da falta de iniciativa do Executivo, que tem o poder de agenda, o Judiciário, especialmente o STF, assumiu o papel de fazer leis ou recusá-las, como a cláusula de barreira, que era para ter entrado em vigor em 2006, mas acabou considerada inconstitucional pela unanimidade dos ministros ante provocação do PCdo B com apoio de PDT, PSB, PV, PSC, PSOL, PRB e PPS. Se tivesse acatado a decisão do Congresso, o país não viveria a farra de tantos partidos, boa parte deles criada por mera conveniência, sem qualquer viés ideológico. Agora, uma década depois, a reforma adota essa medida.
O caso Aécio, matriz da ação que entrou na pauta do STF nessa quarta-feira, foi um típico exemplo da distorção que se estabeleceu no país. Os senadores se sentiram no direito de interpretar a Constituição e o Código de Processo Penal sob uma ótica própria, embora até as cadeiras da Casa saibam que quem interpreta a Constituição é o STF. Mas, como os ministros também assumiram um protagonismo além dos autos, especialmente Gilmar Mendes, as competências foram invertidas, contrariando, especialmente, a harmonia dos poderes, por ora, somente no papel.