Na primeira etapa de provas, os candidatos ao Enem de 2023 foram convidados a elaborar, entre diversos temas, uma redação tratando dos “desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, que, antes de tudo, tem o viés pedagógico ao levar para a sala de aula uma questão que perpassa o cotidiano sem ganhar a necessária atenção.
Pelo país afora, mulheres exercem no mínimo três turnos de trabalho sem o devido reconhecimento, e aquelas que se dedicam única e exclusivamente ao trabalho de casa não recebem nenhuma contrapartida. Em ambos os casos, são invisíveis não apenas quando se trata de reconhecimento, mas também nas políticas salariais da maioria das empresas. Mesmo em funções diferentes, recebem vencimentos menores do que homens.
Há, além disso, outros fatores como baixo acesso aos postos de liderança. As grandes corporações ainda são administradas sob o olhar masculino, ignorando competências, com raras exceções. Há avanços, é fato, mas ainda prevalece um longo caminho a ser trilhado para igualar o jogo. Nas muitas funções de comando, as mulheres ainda são vistas pelo olhar enviesado, sendo obrigadas a provar sua competência permanentemente.
Ao tratar da invisibilidade, o MEC estabeleceu também o desafio de os jovens terem um olhar diferente, por serem eles o futuro. Além das mulheres, há uma expressiva parcela de pessoas invisíveis, ignoradas cotidianamente e só lembradas quando há algum fator externo. Um caso emblemático são os garis. Percorrem as ruas, e pouco se sabe de suas vidas, mas basta não haver a coleta para sempre lembrados.
No caso das mulheres, a situação se agrava por ranços históricos que ainda permanecem em algumas regiões do planeta, nas quais são tratadas como pessoas de segunda linha, sendo privadas de várias questões, entre elas o direito de votar ou de dirigir.
No Brasil, uma das facetas dessa invisibilidade está na política. É desconhecido algum partido de médio ou grande porte sendo comandado por alguma mulher. No Congresso Nacional, que deveria reverberar o estrato da sociedade, o número de parlamentares do sexo feminino não corresponde à parcela da população, e muito menos dos colégios eleitorais. Em ambos, são maioria; na política, pouco mais de 20%.
A invisibilidade se manifesta sob diversas formas. Quando se discute a violência contra as mulheres, os números são estarrecedores, fruto de uma visão de quem (paradoxalmente ao debate sobre invisibilidade) as vê como um objeto de sua propriedade. Os casos de feminicídio comprovam tal cenário, já que a maioria das ocorrências é resultado de quem não aceita a separação, mesmo tendo sido responsável por tal desenlace, sobretudo depois de um histórico de agressões físicas ou psicológicas.
Os alunos, ao tratarem do tema, têm, ao mesmo tempo, a chance de uma necessária reflexão, que pode servir de pauta para suas vidas. O exame não deve servir apenas para aprovação, mas também para formação de cidadãos e cidadãs, como foi o caso do teste do último domingo.