Nos muitos relatos de motoristas e cobradores colhidos pela Tribuna, alguns foram emblemáticos, por não se situarem apenas no medo dos frequentes assaltos no fim da linha. Diariamente, esses profissionais vivem o dilema de passarem por vários territórios controlados por gangues. Como o transporte é público, um passageiro estranho ao meio pode ser o rastilho para o enfrentamento.
Foi o que ocorreu há cerca de 15 dias, quando um ônibus foi atacado a pedradas por causa desse frequente conflito. O alvo era um passageiro, mas os responsáveis pela ação não se preocuparam com a consequência. O dano maior foi do motorista, até hoje no hospital por conta de sequelas do ataque. O que ele fez foi apenas tentar sair do meio do tumulto. Conseguiu, mas o preço foi alto.
É com esse cenário que esses profissionais convivem diariamente, apontando, portanto, para uma outra face da questão. Os assaltos aumentaram, bastando ver os recentes números, mas o componente da insegurança tem esse novo fator, e lidar com ele não é tão simples, pois não se esgota na repressão. Os assaltantes podem ser mapeados, retirados de cena, mas estes novos atores, não.
As cidades, de modo geral, foram loteadas em nome de um pertencimento somado a uma identidade própria, nos quais não há espaço para estranhos. A saída é iniciar do zero ações que, ao curso do tempo, não foram implementadas. As comunidades ficaram abandonadas, e a ausência do Estado criou o espaço para esses personagens. Equipamentos de lazer, escolas, igrejas e outros benefícios são fundamentais para se forjar uma identidade participativa, que não vê no outro uma ameaça. É hora de começar de novo.