Uma combinação de fenômenos envolvendo a transição do El Niño para La Niña, que deixa as águas do mar mais quentes, é a explicação mais plausível para o que ora ocorre no Rio Grande Sul, afetado por fortes temporais há pelo menos uma semana. O Rio Guaíba, que corta a capital gaúcha subiu a níveis só vistos em 1941. De acordo com os meteorologistas, o volume de chuvas é resultante da interação entre ventos do Pacífico, umidade da Amazônia, frentes frias da Patagônia, águas quentes do Atlântico e um domo quente no Centro-Oeste e no Sudeste.
Tudo num só momento resulta em uma tragédia que já causou mais de 30 mortes e dezenas de desaparecidos além de prejuízos materiais de grande monta. A partir deste domingo há possibilidade de uma trégua, mas nada garante que tal combinação venha a ocorrer de novo. A instabilidade do clima mudou parâmetros de avaliação e as consequências, com o passar dos anos, têm sido cada vez mais grave.
No Sul são as chuvas, no Sudeste as fortes ondas de calor que ocorrem em pleno mês de maio, quando o outono já deveria estar adquirindo formas de inverno, também são um dado relevante para apontar os riscos que o futuro propõe não apenas para as próximas gerações, mas já nesta contemporaneidade.
E, de novo, a discussão se volta para as causas dessas instabilidades. As mudanças climáticas não são um mero descaso da natureza. Elas são resultantes de ações e inações humanas a despeito de tantos estudos apontando para o que ora se torna realidade. Os muitos fóruns de discussão do clima já indicaram que a emissão de gases e o desmatamento das florestas, entre outros, são causas primárias deste problema.
Feitos os diagnósticos, os líderes mundiais empacaram na implementação de medidas. No crepúsculo do mandato do presidente Fernando Collor, a Organização das Nações Unidas realizou no Brasil a Eco-92, que reuniu chefes de Estado de mais de cem países para discutir, já naquele tempo, medidas de sustentabilidade para o meio ambiente. Antes, outras discussões e estudos já estavam em curso para advertir que o meio ambiente – como se pensava antes – não era uma fonte inesgotável.
Assim foi em Kioto e, no ano passado, em Glasgow, quando vários consensos apontaram para as mesmas causas. Em várias partes do mundo rios de grande potencial sequer chegam ao mar; em outras regiões falta água potável. A implementação de medidas continua aquém das expectativas, ante a intransigência de players da economia global que não renunciam a suas políticas e econômicas, que levam ao consumo exacerbado de combustíveis fósseis mesmo diante do incremento de fontes de energia renovável.
Espaço da maior parte da Amazônia, o Brasil está no meio das discussões, mas também não avança, salvo medidas pontuais. Os desmatamentos continuam na agenda de invasores e as políticas públicas envolvendo a discussão ambiental são tímidas.
O que ora ocorre no Sul, e agora também em Santa Catarina, não é um fato isolado. O país, sobretudo no ciclo das águas, tem sido palco de tragédias que poderiam ser evitadas, o que aponta para a desidratação de políticas públicas, mesmo diante de tragédias anunciadas.