Uma das causas da queda de Dilma Rousseff da Presidência da República passa longe das pedaladas. Foi a péssima relação que manteve com o Congresso nos últimos seis anos, ignorando ritos e mantendo uma convivência distante, como se o Legislativo fosse um poder menor. Até a base aliada tinha queixas, pois sua impaciência se revelava ainda mais com os seus, sobretudo quando era contrariada. Não foram poucos os ministros que saíram chorando do gabinete pelas broncas além do normal que recebiam. Deputados e senadores também eram vistos como interesseiros, que só apoiavam o Governo por questões pessoais. Com tantos ingredientes, criou-se um caldo de cultura que culminou na votação de quarta-feira.
Michel Temer, que já presidiu a Câmara, foi deputado a vida inteira e sempre se revelou um bom articulador, tem todos os ingredientes para mudar a agenda do país, aprovando até mesmo temas indigestos, mas necessários, ora retidos nos impasses estabelecidos entre as duas casas. Trata-se de uma chance única de fazer as reformas de que o país precisa para retomar o crescimento. O novo presidente terá que fazer política maiúscula, e não o jogo de toma lá dá cá que tem marcado o presidencialismo de coalizão. É preciso haver reforma na economia e na política, pois só dessa maneira será possível conter a insatisfação das ruas já em curso. Ademais, terá, como Fernando Henrique, a oposição do PT, que foi mais competente desse lado do balcão do que no Governo.
Os primeiros discursos de Temer foram dúbios: na reunião com os ministros, induziu uma postura de quem não leva desaforo para casa. Em cadeia nacional, pregou a conciliação, restando saber qual dos lados irá adotar. Embora haja uma eleição pela frente, ela, por ser municipal, não deve interferir nas ações de seu Governo, e 2017 será um ano sem disputa. Se mantiver a promessa de não buscar a reeleição, deixando o caminho livre para uma disputa sem a intervenção direta da máquina pública, terá maiores chances de ir adiante.