Os poderes são harmônicos e independentes, como estabelece a Constituição, mas não é bem assim quando se trata da eleição das mesas diretoras dos legislativos. Num cenário de coalizão, o Executivo – seja municipal, estadual ou federal – tem interesse direto na formação da Mesa Diretora de câmaras municipais, assembleias legislativas, Câmara Federal e Senado, tudo em razão da necessidade de ter um aliado no seu comando.
A eleição desta quarta-feira está definida na Câmara Federal, com a manutenção, com sobras, do deputado Arthur Lira. Ele é um camaleão. Foi aliado do ex-presidente Bolsonaro enquanto durou o seu mandato. Tão logo a guarda foi trocada, abriu longas conversas com o presidente Lula e desse recebe apoio para ser reeleito.
O Senado é o ponto de maior atenção e tensão, pois o senador Rodrigo Pacheco, ainda favorito, tem como adversário o senador eleito Rogério Marinho, ex-ministro de Jair Bolsonaro e com respaldo do PL. Pelas contas da véspera, Pacheco ganha, mas, como bem lembrava Tancredo Neves, no silêncio das urnas, há sempre a tentação para a traição.
Em 2005, quando disputava a presidência da Câmara, no primeiro mandato de Lula, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) estava praticamente eleito e comemorava a vitória. Na madrugada, o baixo clero se rebelou e elegeu o deputado Severino Cavalcanti (PP), um político inexpressivo que ficou com o cargo. Seis meses depois, por suspeita de corrupção, renunciou ao mandato parlamentar, mas o Governo aprendeu a lição.
O senador Rodrigo Pacheco não conta vantagem, mas sabe que em política tudo é possível, o que faz das últimas horas um tempo crucial de definição. O Governo liberou os ministros-senadores para comparecerem à votação, mas o ex-presidente Bolsonaro foi representado por sua mulher, Michele, num jantar promovido pelo PL, para acerto de votações. A eleição, portanto, não é uma mera disputa entre o atual presidente e seu adversário, é o primeiro teste no embate entre Lula e Bolsonaro após as urnas de outubro de 2022.
Não há surpresa nesse enfrentamento, como também não há novidades no interesse do Executivo pelo que ocorre na casa ao lado. O Executivo tem uma dependência direta do Legislativo para aprovação de suas pautas, e um presidente mais próximo – não necessariamente amigo – é um passo importante, pois é ele quem determina a pauta e sua ordem de votação. Por outro lado, também é o porta-voz de parlamentares nos pleitos pendentes no Governo.
Por conta desse jogo de interesses – desde que republicano -, a eleição torna-se uma demanda obrigatória das instâncias políticas. O governador Romeu Zema, mesmo diante do que ocorreu no primeiro mandato, quando apoiou o deputado Agostinho Patrus e teve nele um duro adversário, articulou mal a discussão do segundo mandato. Seu nome in pectore, Roberto Andrade, está fora do páreo, e o independente Tadeu Leite será o candidato único. Resta, agora, a articulação para a formação dos blocos. Sem maioria, o governador terá os mesmos problemas de antes e terá dificuldade em andar com sua pauta de privatização e de aprovação do plano de recuperação fiscal do Estado.