Diante dos constantes anúncios de suspensões temporárias dos serviços de urgência e emergência e falhas nos atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a situação envolvendo os hospitais São Sebastião e São João Batista, de Viçosa, distante cerca de 170 quilômetros de Juiz de Fora, ganhará mais um capítulo. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) irá buscar um acordo para suspender, temporariamente, a administração das unidades de saúde. A ideia é que uma empresa seja contratada para realizar a gestão única dos hospitais, de forma a mitigar os constantes problemas que afetam o município por conta da situação financeira envolvendo as unidades.
Ambos os hospitais que atendem Viçosa são privados e filantrópicos, sendo que 60% de seus serviços devem ser prestados para o SUS, como explica o promotor de Justiça de Defesa da Saúde de Viçosa, Luís Cláudio Fonseca Magalhães. Entre os serviços, está o de pronto-atendimento para urgência e emergência, considerando que o Município não possui equipamento próprio para esse tipo de atendimento.
“Os hospitais prestam muitos serviços, tanto no sistema de saúde como de pronto-atendimento, só que eles vêm de crises financeiras e problemas de gestão já há algum tempo. É uma coisa crônica e histórica. Ao longo do tempo, isso tem piorado sensivelmente”, diz o promotor. “Tem uma situação de insustentabilidade de manutenção do serviço e isso tem depreciado a qualidade da assistência, especialmente no Sistema Único de Saúde.”
No ano passado, o MPMG buscou um acordo com os hospitais para troca de gestão, entretanto, os problemas se mantiveram. “As pessoas que estavam na direção não estavam prestando serviços adequados, condizentes com as responsabilidades que tinham e de maneira resolutiva. Então houve essa primeira intervenção, com um acordo feito com essas duas entidades. Novos gestores surgiram, mas, ao longo do tempo, nós notamos dificuldades de implementação de ações efetivas e concretas que melhorassem o cenário de assistência dos hospitais”, explica Magalhães.
Para além das questões envolvendo a gestão das unidades de saúde, há também outros pontos que interferem nos serviços dos hospitais, como os valores repassados pelo SUS, que, quando não suficientes, tornam o serviço deficitário. Desta forma, além de propor uma nova troca na gestão dos hospitais, o MPMG irá também buscar um aumento de recursos repassados para o Município.
Conforme Magalhães, os dois hospitais teriam dado autorização prévia para a proposta, que será mediada pelo Centro de Autocomposição do MPMG (Compor), de forma que a intervenção ocorra por meio de um acordo, e não por vias judiciais. A ideia é afastar, temporariamente, os poderes da mesa e do conselho das unidades de saúde, em mais uma tentativa de evitar consequências drásticas, como o próprio fechamento das unidades.
“Para o tempo que nós vivemos, essa pode ser a última oportunidade que tenha de se fazer alguma coisa em conjunto com o Estado, o Município e a microrregião atuando e mudando a gestão dos hospitais, no sentido de fazer com que Viçosa saia dessa ‘rabeira’.”
Com o andamento do acordo, haverá a formação de uma comissão para definir a contratação da empresa que irá gerir os hospitais, bem como sua fiscalização.
Busca por mais recursos
Paralelamente à nova troca de gestão, o MPMG também reforça a necessidade de buscar mais recursos para a área de saúde de Viçosa. Conforme o promotor, um levantamento das dívidas dos hospitais foi encaminhado ao Ministério de Saúde para análise técnica, de forma a buscar um aumento no valor repassado ao Município. Além disso, Magalhães reforça também a importância de mais investimentos na região, especialmente por parte do Legislativo, considerando que, no “pano de fundo” de todas as questões envolvendo o cenário da saúde no município, haveria também uma força política “frágil” na região, como observado pelo promotor.
“Nós estamos tentando articular os órgãos e todos que se envolvem no sentido de dar uma esperança para os hospitais. Certamente, ficar como está não vai ser a solução”, diz. “Então, precisamos de alguma coisa mais forte e que também restitua a credibilidade dos hospitais para captar recursos, inclusive de natureza extra-orçamentária, que seriam, por exemplo, as emendas parlamentares e doações.”
Secretaria de Saúde solicita intervenção estadual
Em ofício encaminhado a representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (COSEMS/MG) e do MPMG, o secretário de Saúde de Viçosa, Rainério Fontes, solicita intervenção judicial de ambos os hospitais – São Sebastião e São João Batista. Conforme o documento, ao qual a Tribuna teve acesso, as duas unidades, juntas, declaram hipossuficiência financeira de aproximadamente R$ 100 milhões.
O ofício aponta diversas falhas no atendimento de ambos hospitais, como atrasos nos pagamentos dos honorários médicos, “em razão de más-gestões e máculas nos gastos públicos”, que teriam culminado “em uma enorme crise financeira e em um grave vazio assistencial no Município de Viçosa, em especial, diante da paralisação dos atendimentos médicos aos casos de urgência e emergência nos hospitais do Município, em especial, no São Sebastião”.
No caso do São Sebastião, o documento cita os recorrentes comunicados de fechamento do pronto-atendimento do hospital, que teria se agravado ainda mais nos últimos meses. Conforme a Secretaria de Saúde, há também falta de esclarecimentos por parte da unidade sobre a desassistência, mesmo com os recursos em dia repassados pela pasta. Como consta no ofício, “além da inexistência de resposta formal às notificações da Secretaria Municipal de Saúde, não foi tomada pelo Hospital São Sebastião nenhuma medida para contornar a situação”. O Município de Viçosa acrescenta que há, em tramitação, diversos processos administrativos de inexecução contratual.
Já em relação ao Hospital São João Batista, o ofício da Secretaria de Saúde informa que há “falhas graves e recorrentes na execução dos serviços referenciados ao hospital”. Entre os exemplos citados pelo documento estão o fechamento de leitos de CTI e falta de profissional habilitado para realização dos exames de endoscopia e colonoscopia, cujo vazio assistencial teria aumentado a fila de espera para realização dos procedimentos, bem como congestionado o fluxo de diagnóstico e atendimento à população. A pasta ainda cita que o hospital não responderia suas solicitações.
Município elaborou plano de contingência
De acordo com o secretário de Saúde de Viçosa, Rainério Fontes, a crise financeira dos hospitais do município é histórica, datando de mais de 20 anos. Entretanto, veio se agravando nos últimos anos por uma “má gestão”. Diante do cenário, o titular da pasta aponta que a Prefeitura vem solicitando apoio a outras instituições, como o Governo estadual, para solucionar a situação. “O Município tem feito seu papel junto aos prestadores com pagamento em dia, sem atrasos”, afirma.
Como lembrado por Fontes, a Prefeitura de Viçosa chegou, inclusive, a direcionar recursos extras para as unidades de saúde, mas ainda assim os problemas se mantêm. Diante do cenário, o Executivo elaborou um plano de contingência, dividindo os serviços de urgência e emergência entre os hospitais de acordo com o tipo de atendimento. Além disso, conforme o secretário de Saúde, o Centro de Saúde 24h (antiga policlínica) foi reaberto integralmente no sábado (22). Até a data, a unidade estava funcionando às sextas-feiras, sábados e domingos para demandas básicas, classificadas como fichas verde e azul no protocolo de Manchester.
A Tribuna procurou os hospitais São Sebastião e São João Batista para solicitar um posicionamento, bem como o Governo estadual para questionar sobre os pedidos de intervenção, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
O Conselho Municipal de Saúde de Viçosa também enviou ofício ao promotor Luís Cláudio Fonseca Magalhães solicitando intervenção nos hospitais do Município. A Tribuna não conseguiu contato com o conselho.
Hospitais foram alvos de ações do MPMG
Os hospitais que atendem Viçosa já foram, inclusive, alvos de ações do Ministério Público. Em 2023 e em 2019, o Hospital São João Batista foi alvo de investigações por conta de supostos desvios de dinheiro público. Já em 2022, o MPMG obteve uma liminar determinando a adoção de uma série de medidas para garantir o atendimento adequado na condução dos partos, na maternidade da Casa de Caridade de Viçosa – Hospital São Sebastião, conforme determina a legislação.