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Comunidade busca maior representação na concessão de Ibitipoca

Parque Estadual de Ibitipoca
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Um dos temores é quanto a uma possível ampliação de capacidade do parque, que hoje comporta até mil visitantes por dia (Foto: Fernando Priamo)
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A comunidade do distrito de Conceição de Ibitipoca está se articulando para buscar maior representação nas discussões sobre a concessão do Parque Estadual. Uma comissão formulada pela Associação de Moradores e Amigos de Ibitipoca (Amai) está se reunindo com órgãos públicos para assegurar que as questões da vila, bem como os impactos que a mesma possa vir a sofrer, também sejam levados em conta nos estudos que estão sendo realizados para elaboração do edital, que irá transferir os serviços turísticos do parque para a iniciativa privada. Até então, os representantes já debateram as questões com a Prefeitura de Lima Duarte e com a Promotoria de Justiça do município.

De acordo com o secretário da Associação de Moradores e Amigos de Ibitipoca (Amai) e membro do conselho consultivo do Parque, Ronaldo de Moraes Champak, atualmente, uma empresa de consultoria contratada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), que administra o parque, está realizando um levantamento para otimização do funcionamento do local e possíveis melhorias, que serão trabalhados no eventual edital de concessão. A solicitação da comunidade de Ibitipoca é que as demandas envolvendo a vila também sejam consideradas no levantamento, a partir de reuniões setoriais com moradores e comerciantes.

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“A vila está dentro da zona de amortecimento do parque. Ela sofre um impacto direto de qualquer coisa que acontecer dentro do parque”, explica Champak. “A ideia é dizer que a vila tem problemas de esgoto, tem problemas de fornecimento de água e de luz, tem problema de lixo. Esses problemas já existem e alguém tem que resolver isso. Na concessão do parque, eles não estão considerando isso. O nosso pleito é que isso faça parte desse levantamento.” Além dos problemas apontados por Champak, a Tribuna também constatou, em visita ao distrito, no início do mês, que a estrada de acesso ao local possui más condições e apresenta riscos aos visitantes. Na via, foram observados barrancos e encostas com risco iminente de queda, falta de canalização para escoamento de água, pontes sem guarda-corpo, entre outros problemas.

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Como apontado pelo representante da Amai, uma das preocupações é uma possível ampliação de capacidade do parque, que hoje comporta até mil visitantes por dia. “Se passar para dois mil, significa que nós vamos ter mil pessoas a mais visitando e se instalando na vila, consumindo luz, consumindo água, jogando esgoto sem tratamento no rio, vai ter mais lixo para ser arrecadado”, exemplifica.

Amai busca ampliação dos debates

Conforme Ronaldo, as articulações da comissão da Amai visam a ampliar a participação de toda a comunidade, considerando que, atualmente, a única maneira disso ocorrer seria pelo conselho consultivo do parque, que conta com apenas um integrante da organização representativa da vila.

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“Nós entendemos que o conselho do parque não é um órgão representativo da comunidade de Conceição de Ibitipoca, porque a comunidade tem uma associação de moradores. Só que a associação tem um representante no conselho, que sou eu. Se a associação de moradores fizer um levantamento e quiser se manifestar, tem que ser através da minha pessoa em uma reunião do conselho. Nós não queremos isso. Nós gostaríamos que o BNDES, a empresa de consultoria e o IEF estivessem promovendo reuniões com a comunidade.”

Com a ausência de ações junto à comunidade, a comissão da Amai trabalha em projetos para conseguir chamar a atenção para as demandas de Conceição de Ibitipoca. Além de folhetos distribuídos pelo distrito, o grupo planeja realizar consultas não apenas por formulários eletrônicos, mas por reuniões com diferentes setores atuantes na comunidade, como de hospedagem, bar e restaurante, comércio e, inclusive, com os próprios moradores. “Vamos encaminhar tudo isso através do IEF, que foi o canal que foi apresentado para nós, se tivermos sugestões, propostas ou pleitos. Temos que encaminhar através do conselho consultivo”, diz Champak. Na última semana, a Amai promoveu uma Semana Científica on-line sobre o Parque Estadual do Ibitipoca.

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A Tribuna solicitou um posicionamento ao IEF e ao BNDES quanto às solicitações da comunidade de Conceição de Ibitipoca, mas não obteve um retorno até o fechamento desta edição.

Prefeitura de Lima Duarte diz que analisa demandas e busca solucionar pedidos

Paralelamente a estas ações, a Amai também tem procurado diálogos com órgãos públicos que possam auxiliar nas demandas da comunidade. A comissão já se reuniu com a Prefeitura de Lima Duarte e com o MPMG, por meio da Promotor de Justiça do município. Além disso, protocolou pedido de audiência pública junto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e pretende realizar uma ação semelhante com a Câmara Municipal de Lima Duarte.

“Queremos que haja contrapartidas. Alguém vai chegar aqui com a possibilidade de lucro, e a vila vai ter um impacto negativo. Vai ter positivo? Sim, mas vai ter impacto negativo também. Vamos através do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário assegurar esse direito nosso”, explica o secretário da Amai.

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Em nota, a Prefeitura de Lima Duarte informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que a chefe do Executivo, Elenice Delgado (PT), juntamente com uma equipe da Secretaria de Administração, Turismo, Cultura, Esporte e Lazer, se reuniu com representantes do IEF e do BNDES, quando receberam explicações sobre o processo de concessão do parque.

Conforme a Administração Municipal, na ocasião, a prefeita “destacou os impactos que o distrito de Conceição de Ibitipoca enfrenta e que o apoio do Estado de Minas Gerais é muito importante, principalmente na manutenção da estrada que dá acesso ao distrito”. A Prefeitura ressaltou, ainda, a mesma solicitação dos moradores de Conceição de Ibitipoca, de que o Governo conduza a concessão “de uma forma que gere o mínimo possível de impactos negativos para a comunidade”.

Ainda de acordo com a assessoria, a Administração Municipal buscou dialogar com as comunidades rurais e urbanas da cidade, participando de outros encontros relacionados à concessão do parque. Em um dos encontros com a diretoria da Amai, no início do ano, o Executivo teve acesso a uma documentação que indicava os principais problemas da vila, aos quais a Prefeitura de Lima Duarte “se comprometeu a analisar todas as demandas e, de acordo com a disponibilidade financeira, solucioná-las”.

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Maior preocupação é que aumento do número de visitantes não seja acompanhado de melhorias da infraestrutura no local (Foto: Fernando Priamo)

Comunidade ainda têm dúvidas sobre processo de concessão

No início do mês, a Tribuna esteve no distrito de Conceição de Ibitipoca e conversou com moradores e comerciantes locais sobre o processo de licitação do parque. Ainda havia dúvidas, especialmente em relação à forma como a concessão deve ocorrer e aos retornos para a vila, positivos e negativos.

O mecânico Bruno Marçal Uruta é de São Paulo, mas vive há 18 anos em Conceição do Ibitipoca. Ele é um dos moradores que demonstra preocupação quanto ao anúncio da possível concessão. “Antigamente, o pessoal explorou o ouro aqui. Aí veio a agropecuária voltada para o gado, milho, feijão, mas hoje o arraial inteiro depende do ecoturismo. O receio é que tenha uma evolução muito drástica, e a gente não consiga se manter com essa concessão.”
Proprietária de um restaurante local, Marta Aparecida de Paula também tem dúvidas em relação aos efeitos da transferência dos serviços turísticos para a iniciativa privada, especialmente porque há o fato de que a comunidade não teria opinado sobre a nova medida. “Pode ter melhora, mas pode não ter. Estamos um pouco sem base porque não fomos ouvidos.”

“O receio é que tenha uma evolução muito drástica”, afirma Bruno Marçal Uruta (Foto: Fernando Priamo)

Para o proprietário da Ibitipoca Store, Rômulo Augusto, o principal empecilho está relacionado às dúvidas sobre a forma que a concessão será feita, visto que projetos semelhantes no país foram bem-sucedidos, mas outros, não. “A ideia é trazer coisas boas, um fluxo maior, uma estrutura melhor, e um turista de melhor qualidade. Essa é a expectativa. Mas é isso mesmo que vai acontecer? Como vai acontecer? Em que tempo isso vai acontecer? Essas são as dúvidas.”

Desta forma, Rômulo acredita que o momento atual requer união dos moradores, turistas e trabalhadores da vila, independentemente de serem a favor ou não da concessão, a fim de buscar a melhor solução para a questão. “Se dividir e tentar rachar, não vai chegar em lugar nenhum. Agora é hora de unir o máximo de poderes que puder”, diz. “Nós estamos sempre muito inteirados para saber o que aconteceu lá fora para ter uma ideia do que pode acontecer aqui dentro. Se você vê pelo histórico, a ideia é boa, vai funcionar, vai atender, mas de que forma? Quem vai fiscalizar? Porque esse é o grande problema.”

Rômulo Augusto diz que os moradores estão cheios de dúvidas sobre a forma como a concessão será feita (Foto: Fernando Priamo)

Discussões iniciaram em 2019

As discussões sobre a concessão de Ibitipoca já ocorrem desde 2019, quando o Governo de Minas lançou o Programa de Concessão de Parques Estaduais. A iniciativa visava a aprimorar a gestão de 20 unidades de conservação existentes no estado. O Parque Estadual do Ibitipoca foi o primeiro a ter o edital lançado para Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), relativo ao projeto de concessão, no ano passado. Em dezembro, sete unidades de conservação de Minas – incluindo Ibitipoca – passaram a integrar o Programa de Estruturação de Concessões de Parques Estaduais, lançado pelo BNDES. A expectativa é que os leilões tenham início no primeiro trimestre de 2022.

Falta de água e aumento da produção de lixo

Um dos problemas estruturais apontados pelos moradores é a frequente falta de água, por conta de problemas na bomba de abastecimento, devido ao aumento da demanda. O local tem crescido com mais construção de casas, além de muitas incluírem piscinas, o que acaba sobrecarregando o sistema hídrico. Quando há um maior fluxo de pessoas na vila, além das questões já apontadas, outras são evidenciadas.

“Com esse inchaço populacional repentino, há maior fluxo de carros no trânsito, barulhos excessivos pelas festas, pela falta de ordem e pela ausência de um efetivo policial que poderia colaborar para a manutenção da ordem da madrugada”, conta Fred Fonseca, que mora há cinco anos em Conceição de Ibitipoca.

O aumento no lixo produzido e não descartado corretamente também é levantado pelo morador. “O lixo espalhado pela rua gera problemas de saúde pública, e aí nós vamos vendo a interface de Ibitipoca se desfazendo desse turismo ecologicamente sustentável, que, na verdade, já é insustentável.”

Também integrante da Amai, Fred Fonseca reforça a necessidade de a população ser ouvida no processo de concessão do Parque Estadual de Ibitipoca, dado os problemas estruturais observados na vila. “A questão não é ser contra ou a favor da concessão, a questão é informar a comunidade, para que ela possa ter uma opinião em cima do que pode acontecer caso ocorra essa concessão”, explica. “Estamos tentando nos movimentar para que olhem para nós e vejam que por trás dessa coisa maravilhosa que Ibitipoca tem para oferecer, tem também uma estrutura que está podre e pode ceder, fazendo tudo ruir.”

Troca de bomba de abastecimento

Em relação aos problemas destacados pela comunidade de Ibitipoca, a Prefeitura de Lima Duarte informou, em nota, que uma bomba antiga – responsável pelo abastecimento de água – foi trocada e deve ser inaugurada em breve pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto. “Com isso, a capacidade de abastecimento será ampliada”, afirma o Executivo.

Poluição visual e desinformação

Os problemas observados na vila de Ibitipoca também englobam questões de poluição visual, resultantes de um crescimento desordenado do local. De acordo com Roberto Saada, morador de Conceição de Ibitipoca e proprietário de imóveis no local há mais de 40 anos, um ponto que tem chamado a atenção diz respeito aos tambores e placas de propagandas que têm tomado as ruas e passeios na vila.

“Via pública e passeio é lugar para carro e pedestre, mas as vias estão ocupadas quase na metade, e, no final de semana, aumenta ainda mais”, diz. “Eu tenho a perspectiva que os ganhos (com a remoção desses materiais das vias) são para o meio ambiente e para a segurança das pessoas, pois todos ganhamos com uma vila limpa de poluição visual, e mais segura em termos de obstáculos colocados indevidamente na via pública”.

Além disso, conforme relatado pelo morador de Conceição de Ibitipoca, diversos carros abandonados também têm ocupado as vias. “Eu vejo isso como descaso das nossas autoridades e das pessoas também”, diz. “Não é possível que alguém veja isso e não se conscientize para tornar a vila mais limpa, um lugar melhor para todos, e um ambiente mais saudável”.

A questão da poluição visual também foi apontada por Fred Fonseca. Não só na entrada do distrito, mas o interior da vila também foi tomado por placas de propagandas, sendo que muitas são de locais que não existem mais. “É muita placa para informar que acaba desinformando, porque tem placa de coisa que já fechou, placa sobre placa, de todos os jeitos”, relata. “Estamos prestando um desserviço ao turista de tanta desinformação.”

Trabalho de campo

Quanto às questões de poluição visual, a Prefeitura de Lima Duarte explicou que está realizando um trabalho de campo com o intuito de melhorar a sinalização turística da cidade. “Placas foram recolocadas e outras serão instaladas. Bem como as que indicam atividades comerciais e atrativos inexistentes serão retiradas”, informa a nota. “Sobre os tambores de propaganda que estão ocupando vias públicas e calçadas, a fiscalização da Prefeitura cumprirá o Código de Posturas do Município e fará a retirada”.

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