Duas motivações levaram a tecnóloga em gestão ambiental, formada em Recursos Humanos e estudante de Administração, Roberta Vieira Dutra, a se candidatar ao cargo de vereadora no município de Guarani, que dista cerca de 72 quilômetros de Juiz de Fora. O primeiro, foi a origem. Nascida e criada na Zona Rural, onde a família dela permanece e vendo a necessidade de valorização das demandas dessas comunidades, ela decidiu tomar uma atitude. A segunda, foi a necessidade de fazer com que as demandas das pessoas com deficiência sejam vistas e atendidas. Roberta alcançou 362 votos no pleito, sendo a segunda pessoa com maior votação, com uma diferença de apenas dois para o primeiro colocado.
“Devemos ter sim representantes nesses lugares para serem a voz dessas pessoas. Elas carecem muito de políticas públicas para a valorização dos pequenos produtores, que são famílias muito humildes. Esse é o meu intuito, valorizar também as comunidades rurais”, disse Roberta. Ouvindo essas pessoas, ela chegou à conclusão de que poderia colaborar com as suas necessidades. A semente para a candidatura dela veio da inquietação sobre todas as demandas que levantou durante os contatos com a população da região.
O outro ponto central para Roberta foi entender a importância de alcançar a visibilidade nos espaços em que passou, ao longo de sua trajetória. “Exercendo algumas funções na minha vida, com as oportunidades que ela me trouxe, trabalhando tanto em espaços públicos quanto em empresas privadas, eu entendi e passei a enxergar como mulher e como mulher com deficiência o meu papel.” Ela conta que não via outra forma de desenvolver o trabalho dela, de mostrar possibilidades de fazer, sem estar envolvida no dia a dia da cidade. “Sendo vereadora isso me traz um papel muito importante e muitas responsabilidades. É preciso ter outra visão sobre as pessoas com deficiência. Não só uma visão capacitista como hoje existe, mas de representatividade. Que as pessoas podem ser o que quiserem ser”, salienta.
A Tribuna buscou, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, saber se Roberta teria sido a primeira mulher com nanismo a ser eleita vereadora em Minas Gerais. O sistema, no entanto, ainda não compila esse tipo de informação.
Campanha na pandemia
Um dos principais desafios durante a pandemia foi levar suas propostas às pessoas. Para isso, Roberta conta que foi necessário redobrar os cuidados nas visitas, como o uso de máscara constante, álcool em gel sempre ao alcance das mãos e o respeito à distância. “Fiz visitas mais rápidas, sempre contei com as redes sociais. No meu caso, tiveram um alcance muito grande. Contei com a minha família, que também me ajudou muito.”
Outra desafio apontado pela vereadora eleita foi ser avaliada por outras pessoas, de várias formas. “Até então, eu tinha um papel de ficar mais nos bastidores da minha vida. Quando me apresentei às pessoas, foi fazendo não só parte da campanha, mas para parte de mim, também um trabalho interior. Pude expor para as pessoas e falar abertamente para elas, isso quebrou muitos preconceitos que existiam dentro de mim.”
Protagonismo
O ano atípico e as visitas fizeram com que Roberta presenciasse a caminhada de famílias que vivem isoladas, com acesso precário à saúde, especialmente na Zona Rural. “Vi muitas pessoas com deficiência escondidas. Pessoas com deficiência vivem essa realidade há muito tempo. Isso trouxe a tona o meu papel também de ajudar essas pessoas, de não serem só bastidor, mas também protagonistas de suas próprias histórias. E me fez ser uma mulher melhor, com um olhar diferente, de mais humanidade.”
Ela entende que ocupar uma cadeira no Legislativo é uma forma de contribuir de maneira direta com a construção de mais políticas públicas, de acesso à pessoa com deficiência. Reforça que a acessibilidade não é só pensada para a pessoa com deficiência, mas também para idosos e cidadãos que tenham algum tipo de redução na mobilidade, entre outras necessidades. “Falamos de um leque de pessoas e sobre a importância dessa diversidade na Câmara para ter esse olhar.” Assim que recebeu a notícia de que Roberta tinha sido eleita, a Casa a convidou para conhecer o espaço físico, para avaliar se tudo está preparado para recebê-la.
“Muitas vezes, essas pessoas só são lembradas nessas ocasiões. É por isso que o nosso acesso a todas as áreas é importante. A própria história da pessoa com deficiência é bem marcante nesse ponto do nosso esquecimento. Por estarmos escondidos e não participando do dia a dia da cidade, as cidades, os espaços não foram pensados para nós. Uma vez ocupando esse espaço, vou estar ali para lembrar que nós sim precisamos de oportunidades para mostrar o nosso trabalho, para mostrar a nossa capacidade e viabilizar políticas públicas que nos insiram nesse momento.”
Poucos avanços
O Dia Nacional de Combate ao Preconceito com as Pessoas com Nanismo foi instituído em 2015, como a própria Roberta conta, a partir de uma iniciativa de um grupo que se dispôs a ir à Brasília participar de uma plenária, onde foi discutido o preconceito. “As pessoas são, muitas vezes, apontadas na rua, são motivos de deboche, o que não ocorre com outras deficiências.”
Em 2018, foi instituído o Dia Municipal do Combate ao Preconceito com as Pessoas com Nanismo em Juiz de Fora. “É um dia importante, porque ele não só dá maior visibilidade à nossa causa, mas também para podermos cobrar mais acessibilidade.” Outro avanço foi a concentração do atendimento e das demandas, por meio da presença da delegada da Associação Nanismo Brasil (Annabra), Hodânia Muniz, em Juiz de Fora, que colabora com uma série de encaminhamentos e orientações.
Há outras iniciativas, como uma marca de roupas de São Paulo, que lançou peças voltadas para as pessoas com nanismo. Mas os avanços, segundo Roberta, são ainda poucos e iniciais. “As pessoas com deficiência precisam ocupar cargos importantes, não só os públicos, mas em todas as áreas. Eu aposto nisso. Pessoas com nanismo precisam estar presentes. Estudem, se esforcem, não dependam de benefícios da Previdência Social para ficarem em casa, sem se mostrar para a sociedade. Porque sem se mostrar, os olhares nunca vão mudar.”