A circulação e o consumo de drogas, em especial do crack, é um problema que se alastra pelos grandes centros e também pelo interior do país. Segundo pesquisa publicada em janeiro pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), tal dilema afeta 97,31% de 1.599 cidades brasileiras que integram o estudo, sendo que a incidência do crack, especificamente, foi apontada por 73,8% das localidades que constituem o levantamento, que também é utilizado para a elaboração do mapa do Observatório do Crack. Dos 143 municípios que constituem a região de planejamento estadual Mata, que, basicamente, engloba a Zona da Mata e tem como cidade polo Juiz de Fora, 47 responderam ao formulário da CNM. Destes, 87,2% acusaram, em menor e maior grau, enfrentarem dificuldades provocadas pela incidência de tais substâncias ilícitas em seus territórios.
Entre as cidades que participaram do levantamento, sete (14,9%) admitiram enfrentar grandes dificuldades ao apontar que o nível dos problemas causados pelo consumo e circulação de drogas é alto. São elas: Dona Eusébia, Ewbank da Câmara, Guarani, Manhumirim, Muriaé, Rio Novo e Visconde do Rio Branco. Vinte e um municípios (44,7%) informaram dificuldades de nível médio e 13 (27,7), baixo. Outras seis localidades (12,8%) disseram que não têm problemas com a circulação e o consumo de drogas: Lamim, Paiva, Porto Firme, Santana de Cataguases, São Sebastião da Vargem Alegre e Volta Grande.
Reformulação em JF
Principal polo do Território Mata, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) não integrou o levantamento feito pela CNM. Instada pela reportagem, a secretária de Desenvolvimento Social do Município, Tammy Claret, afirmou que a política de assistência do município não classifica ou contabiliza os usuários, focando suas ações em critérios para mitigar situações de vulnerabilidade social. Ela reforça que a cidade possui um Plano Municipal de Políticas Integradas Sobre Crack, Álcool e outras Drogas. Conhecido como JF+Vida, o programa atua em quatro eixos centrais focados na prevenção, no cuidado, na autoridade e na geração de emprego e renda. Segundo Tammy, o projeto passa por uma revisão e aprimoramento. “Até o final do ano passado, o programa estava sob os cuidados da Secretaria de Governo e, após a reforma administrativa, passa para a SDS. Estamos em fase de transição e realizamos uma reunião nesta quinta-feira (30). Vamos trabalhar de forma intersetorial. O foco, no entanto, será o mesmo”, pontua a secretária.
Municípios menores ficam reféns de verbas externas
Uma das cidades que declaram enfrentar dificuldades de nível alto com a circulação e o consumo de drogas, a Prefeitura de Visconde do Rio Branco afirmou à Tribuna que tem enfrentado problemas envolvendo todo tipo de droga, lícita e ilícita. “Os casos principais estão relacionados com o uso abusivo de álcool”, informa o secretário municipal de Saúde, Thiago de Castro. Ainda segundo ele, como forma de mitigar as adversidades, o Município tem investido no fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial, principalmente no serviço do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e da Atenção Básica.
“Recentemente, implantamos uma nova Equipe de Saúde da Família num total de 10, correspondendo a mais de 80% da população coberta. Este ano, iremos implantar mais uma equipe. Assim, teremos 100% da Zona Rural coberta pela Estratégia de Saúde da Família. Além disso, temos proporcionado a participação dos nossos servidores, em especial do Caps, em diversos treinamentos e capacitações. Com isto, esperamos ter profissionais preparados para conduzir esses casos, que são complexos, de acordo com a Política de Redução de Danos”, afirma o secretário.
A Prefeitura de Visconde do Rio Branco informou ainda que oferece à população atenção caso a caso, “que passa pelo tratamento do tabagismo na atenção básica à internação para tratamento clínico em leitos específicos de Saúde Mental do Hospital São João Batista”. O secretário de Saúde, todavia, reconhece que o problema das drogas precisa ser enfrentado em parceria com os demais entes federados, Estado e União, e afirma que, recentemente, apresentou ao Ministério da Saúde um projeto para implantação de um centro voltado para Álcool e Drogas (Caps AD).
Segundo a Prefeitura, o pleito foi habilitado em dezembro do ano passado. “Neste passo, estamos avaliando melhor esta questão, para tomada de decisão, uma vez que (o Caps AD) exige do Município a montagem do serviço, com todos os profissionais exigidos custeados com recursos próprios para, posteriormente, sem prazo definido, começar a receber o recurso previsto da União. Infelizmente, não contamos com a participação do Estado no repasse de recursos para manter estes serviços. A mesma situação ocorre em relação aos serviços do Caps atual: é mantido com recursos próprios e da União. Assim, a tarefa fica mais difícil”, pontua Thiago.
Falta de estrutura é empecilho para avanços
Os números observados nas cidades do Território Mata espelham a realidade da capilaridade das drogas nos municípios de menor porte observada em todo o país. De acordo com a pesquisa da CNM, 87,3% das cidades pesquisadas possuem menos de 50 mil habitantes. Presidente da CNM, Glademir Aroldi destaca que o alcance das drogas nos municípios menores esbarra ainda na falta de recursos para enfrentar a temática. “Não é possível ter um Caps em todas as cidades. Por isso, precisamos de serviços regionalizados, com apoio da União e dos Estados também”, opina.
Cras
Todos os sete municípios que informaram nível alto possuem Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Dos 47 municípios do Território Mata que participaram do estudo, Alto Caparaó e Porto Firme disseram não ter Cras e Senhora de Oliveira e Antônio Prado de Minas não informaram a existência ou não do aparelho.
Segurança pública é um dos principais gargalos
Entre os principais reflexos provocados pela circulação e consumo de drogas apontadas na pesquisa feita pela CNM estão os relacionados à segurança pública, que aparece como o segundo problema mais citado pelos municípios que integram o estudo, com 61,48% das indicações – em primeiro lugar aparece a área da saúde, indicada por 67,92% das localidades que responderam ao questionário. Segundo o relatório, “inúmeras formas de criminalidade são citadas, tais como aumento de furtos, roubos, latrocínios, homicídios e assassinatos”. “A violência também é apontada como crescente dentro das residências, com elevação no número de feminicídios e abusos sexuais ligados diretamente ao uso de drogas”, afirma ofício da confederação.
Entre janeiro e setembro de 2019, os sete municípios que informaram problemas de nível “alto” relacionados à circulação e ao consumo de drogas responderam, juntos, por 29 dos homicídios consumados registrados pelo Governo de Minas Gerais no Território Mata, que, no mesmo período, computou 132 crimes deste tipo. Ou seja: as sete cidades representam 22% dos assassinatos registrados em todas as 143 localidades que integram a região. Do grupo, o maior número de crimes foi observado em Muriaé, com 12 ocorrências. Em Manhumirim fora oito registros; em Visconde do Rio branco, cinco; em Guarani, dois; e em Dona Eusébia e Rio Novo, uma em cada. Em Ewbank da Câmara, não houve registro.
Em Minas, 30% das cidades têm complicações de nível alto
Ao todo, 317 cidades mineiras responderam ao questionário feito pela CNM. Destas, 94 (29,7%) admitiram ter problemas de nível alto com a circulação e o consumo de drogas. Em termos percentuais, o número de localidades que acusaram complicação de grau máximo é o dobro do observado na região de planejamento Mata. No estado, outras 145 (45,7%) disseram enfrentar adversidade de nível médio provocadas pelas substância ilícitas; e 52 (16,4%) de nível baixo. Apenas 26 municípios (8,2%) disseram não ter problemas.
Questionada pela Tribuna, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), por meio da Subsecretaria de Políticas sobre Drogas, pontuou que desenvolve estratégias sistemáticas de articulação intersetorial para o planejamento, coordenação e o acompanhamento compartilhado da política sobre drogas, “integrando as redes governamentais e não governamentais e induzindo a estruturação de políticas sobre drogas nos municípios, em consonância com os princípios, diretrizes e objetivos preconizados pela Política Nacional sobre Drogas”.
“As ações são organizadas a partir de eixos que se articulam e se complementam: prevenção ao uso/abuso de álcool e outras drogas; reinserção social e produtiva e cuidado e tratamento. No ano de 2019, em parceria com a Rede Complementar de Suporte Social na Atenção ao Dependente Químico, foram disponibilizadas 4.569 vagas para atendimento às pessoas que usam/abusam e/ou com quadro de dependência química de álcool, tabaco e outras drogas e seus familiares”, afirmou a Sedese.
O Estado diz ainda que, no ano passado, foram realizados 37.322 procedimentos no eixo prevenção, voltados para a população geral com vistas à redução da demanda e dos danos sociais e agravos à saúde relacionados ao uso/abuso de álcool, tabaco e outras drogas. “Ainda em 2019, foram desenvolvidos outros 29.069 procedimentos oferecidos em atividades de Reinserção Social e Produtiva, voltados para as pessoas que usam/abusam de álcool, tabaco e outras drogas e seus familiares”, declara o Estado.
Quase R$ 7 bilhões
O Governo mineiro afirmou ainda que em 2019 investiu R$ 6.794.835,72 em ações de Prevenção e Descentralização da Política sobre Drogas e de apoio à Rede Complementar de Suporte Social na Atenção ao Dependente Químico. “O Estado vem investindo, de forma continuada, em processos de capacitação dos diferentes atores e equipamentos que atuam junto às pessoas que usam/abusam e/ou com quadro de dependência química em álcool, tabaco e outras drogas, de forma a favorecer a qualificação e a potencialização dos atendimentos do público-alvo”, afirma nota enviada à reportagem.
Por fim, o Estado diz ainda que, “no ano de 2019, 1.776 participações foram registradas nas diferentes atividades de capacitação/formação desenvolvidas pelo Cread”. “Também foram realizadas 159 ações junto aos grupos de apoio e orientação, totalizando 1.408 pessoas. Os grupos de mútua ajuda (Alanon, Amor Exigente, Narcóticos Anônimos), realizados por parceiros do Centro de Referência Estadual em Álcool e Outras Drogas (Cread), totalizaram 339 ações, beneficiando 6.591 pessoas.”