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Parque Estadual do Ibitipoca completa 50 anos atravessando histórias de vida

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Há 50 anos, em Ibitipoca não tinha nada. É o que contam os moradores que se lembram daquela época. Uma vila remota, escondida do mundo pela subida tortuosa da serra. Abençoada pela Igreja Matriz e pelos cruzeiros, construídos pelos moradores na então Serra Grande, como era conhecido o local onde hoje fica o Parque Estadual do Ibitipoca. Terra de plantação e criação de gado, mas também rica biodiversidade, cachoeiras de águas acobreadas, grutas e paisagens naturais que não passaram despercebidas.

No dia 4 de julho de 1973, foi assinado o decreto que instituiu no distrito de Conceição de Ibitipoca, em Lima Duarte, o parque estadual. Para celebrar o aniversário de 50 anos, a partir das 13h30, na terça-feira (4), um evento aberto ao público será realizado no parque, com presença de autoridades e homenagens a personalidades que fazem parte de uma história que consolidou o destino como uma das rotas turísticas mais procuradas do estado de Minas Gerais. Passado meio século de sua inauguração, a Tribuna de Minas reúne histórias que contam como a criação do Parque Estadual atravessou a vida dos moradores da região.

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‘Ninguém dava nada em troca’

A Vila de Conceição do Ibitipoca tinha de 15 a 20 casas quando Alvino Carelli era jovem. Hoje, aos 84 anos, essas casas não existem mais, a Serra da Ibitipoca se transformou em parque estadual e o fluxo de pessoas que visitam a região é muito maior. “O parque se chamava Serra Grande ou Serra da Ibitipoca. Era queimado todo ano para criação de gado. Ninguém dava nada em troca.”
Seu Alvino, como é conhecido, foi um dos primeiros funcionários do parque, assim que ele inaugurou. Antes disso, lembra que o povo usava as terras para criação. “Era um lugar que cada um tinha que cuidar das suas coisas, pois havia roubo do gado de quem deixava lá.” De carro de boi, ele ia até a Vila São José dos Lopes, que fica a poucos quilômetros de Conceição do Ibitipoca, para pegar mercadoria e vender na “venda”. Sua avó teve uma das primeiras hospedarias da região. “Ela começou vendendo pão de queijo para as pessoas de Ibitipoca, depois começou a vender também para os turistas.” Seu Alvino conta que, naquele tempo, os turistas que vinham conhecer o local se ajeitavam por ali mesmo em colchões espalhados no chão, todo mundo na mesma casa.

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Na época da inauguração do parque, em 1973, ele estava presente. De acordo com ele, o povo ficou muito alegre e teve até uma missa de inauguração. Por 28 anos, Seu Alvino foi funcionário do parque e lembra com carinho dos anos que cuidou da Unidade de Conservação. “Uma experiência boa. Trabalhei com muitas pessoas importantes, de muitos lugares, e de vários órgãos do meio ambiente.”

Primeiro do ouro, depois do turismo

Para entender o presente da vila de Conceição do Ibitipoca, é preciso olhar para o passado. Quem chega e dá de cara com um casarão colonial e a Igreja da Matriz, típica do período barroco, deve perceber a influência da época da mineração no local. Como aconteceu em muitos municípios mineiros, Lima Duarte também foi rota de exploração e transporte do ouro. No século XVIII, com a retirada do minério do Córrego da Conceição, foi instalada a freguesia. Nessa época, a região chegou a ter aproximadamente 7 mil habitantes.

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Como explica o pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), integrante do Conselho Consultivo do Parque Estadual do Ibitipoca, Cezar Barra, pouco depois foram descobertas pepitas de ouro em Vila Rica, atual município de Ouro Preto, e os mineradores começam o êxodo. “As mulas que traziam alimentos de Parati para Ibitipoca ficaram escassas, ou nem chegavam, seguindo para o novo destino. O arraial se transformou em um local abandonado, restando apenas contrabandistas e pessoas mais pobres.”

‘O lugar mais belo do mundo’

Um visitante notório que viu o parque com o potencial que ele assume hoje foi Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês, que esteve em Conceição do Ibitipoca em 1822. Ele visitou a serra e se hospedou na Fazenda do Tanque. Durante a estadia, coletou diversos espécimes botânicos da flora local. Foi ele o responsável pela frase registrada hoje no Centro de Visitantes do parque: “À vista dos belos campos que se apresentam hoje aos meus olhos, não pude deixar de sentir verdadeiro aperto no coração. Pena que voltarei à Europa e nunca mais passarei num lugar mais belo que este. Este, sem dúvida, é o lugar mais belo do mundo'”.

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Os registros de Saint-Hilaire ficaram marcados na história como os primeiros de uma legião de turistas e pesquisadores que se deslocaram do mundo todo para conhecer os encantos da “Serra que estoura”, significado em tupi-guarani de Ibitipoca. Mesmo com o difícil acesso, visto que a vila fica a 25 km do centro de Lima Duarte e, na época, toda a estrada era de chão, na segunda metade do século XX o interesse turístico pela região começou a aumentar.

“Alguns visitantes de municípios próximos iam para lá como forma de lazer, especialmente em feriados e fim de semana”, afirma Cézar. Com a inauguração do parque, as atividades turísticas começaram a crescer, principalmente entre os anos 80 e 90. Cézar Barra afirma que, hoje em dia, a Vila de Conceição do Ibitipoca é um estimulante universo de observação, onde é possível entender os efeitos do turismo sobre um pequeno povoado que, até então, era voltado para atividades agropecuárias de pequeno porte. “A intensificação das atividades turísticas pode significar, por um lado, um importante fator de revitalização econômica e social. Mas pode também ser o vetor de diversas transformações no território, com impactos positivos e negativos.”

Terras da igreja

Seu Zuzu – na foto, com Dona Maria – foi um verdadeiro guardião da Serra por meio século (Foto: Arquivo pessoal)

De família antiga em Ibitipoca, o guia da Sauá Turismo, Gabriel Fortes, lembra de muitas histórias contadas pelo seu avô, Júlio Fortes, o Seu Zuzu, como era conhecido. Enquanto viveu, Zuzu cuidou da vila como um todo. Em 1930, ajudou a construir a Capela do Pião, um dos pontos mais altos do parque. A construção da igreja consolidou as terras, até então devolutas, como terras pertencentes à Igreja Católica. Fora isso, voluntariamente, por 50 anos, Zuzu manteve em ordem o cemitério da vila e a Igreja Matriz.

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A Capela do Pião não perdurou. Poucos anos depois, devido à forte incidência de raios que caíam na região, a estrutura deteriorou e só sobrou o altar. Mas as histórias sobre o lugar passam de geração para geração. Uma das poucas ocasiões em que o povoado do entorno se reunia era na missa celebrada na capela. “Meu avô contava que a missa reunia a comunidade de Várzea do Santo Antônio, dos Moreiras, Mongol, Bom Jesus do Vermelho. A missa era realizada no domingo e algumas famílias vinham no sábado, pernoitavam na Gruta dos Viajantes e viam o nascer do sol. Dizem que acontecia muita briga também. A missa nem tinha acabado e o pau quebrando do lado de fora. Muita gente jovem, era o que eles tinham na época. Para eles, aquele era um evento.”

O caminho que os fiéis percorriam para celebração da fé, e que hoje é percorrido por milhares de turistas, por muito tempo era utilizado pelos moradores da vila para criação de gado e até plantação. “Até 1930, tem histórias de que a população plantava até feijão no local. O parque era usado como pastejo. Meu bisavô Martiniano tinha um canto lá, onde hoje em dia tem a Gruta do Martiniano”, diz Gabriel. “Outras famílias também tinham seus cantos, como os Moreiras, onde fica a Gruta dos Moreiras. A partir de 1930 esse tipo de uso foi diminuindo, até a criação do parque, em 73.”

Gabriel Fortes, neto do senhor Zuzu, hoje é guia na vila em que o avô cuidou por 50 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Na história da família

Seu Alvino e o neto Jhon Carelli: vidas dedicadas ao turismo na serra (Foto: Arquivo pessoal)

A criação do Parque Estadual do Ibitipoca mudou completamente a dinâmica da família Carelli. Desde a primeira hospedaria a um hotel com 54 quartos, o Alpha Ville, todas as gerações da família hoje vivem direta ou indiretamente do turismo em Ibitipoca. Jhon Carelli , neto do Seu Alvino, um dos primeiros funcionário do parque, afirma: “Ibitipoca é Ibitipoca por causa do parque. O parque mudou a realidade de tudo.” Para ele, uma das coisas que influenciou a maior popularidade do local nos últimos anos foram as redes sociais. “Antes a gente não tinha muita divulgação, mas hoje em dia, na era das redes sociais, as fotos de Ibitipoca alcançaram o mundo. Nós fomos apresentados a outras pessoas através dela. A pessoa vê uma foto da Janela do Céu e já quer pesquisar para saber onde é e conhecer. E é uma coisa exponencial, cada vez mais gente é atraída para o parque.”

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Não apenas Jhon e o avô, mas seu pai Adalto e o tio, Adelvo Carelli, tiveram a vida atravessada pelo turismo na Unidade de Conservação. “A importância do parque é gigante, tudo veio dele. Sem o parque, acredito que Ibitipoca seria só mais um vilarejo comum e não um dos mais importantes de Minas Gerais e do Brasil”, afirma Adalto.

Um lugar para se viver

Vitória Medeiros com grupos de turistas em 1996 (Foto: Arquivo pessoal)

Faz 30 anos que Vitória Medeiros chegou a Ibitipoca com uma tesoura e uma cadeira de cortar cabelo. Hoje em dia, proprietária da Marruá Turismo, ela celebra a conquista de poder viver do parque. Guia credenciada, sua função é levar pessoas para conhecer as paisagens que tanto ama. “Toda vez que eu vou, tenho sempre uma coisa nova para mostrar. Uma árvore que está com flor, o rio que está diferente. É treinar esse olhar de criança mesmo, que se admira com tudo. Isso é uma das coisas que eu aprendi trabalhando no parque.”

Vinda de Santa Rita do Jacutinga, ela só conhecia Ibitipoca pelas histórias da família, que é originária da região. “Minha mãe, o pai dela, bisavô, todos eram de lá. Quando eu cheguei ao parque e vi aquela areia branquinha, as cachoeiras lindas, foi do jeito que eu imaginava, e eu percebi que ali era o meu lugar. Acho que foi uma conexão em função aos meus antepassados também.”

Após 30 anos observando e mostrando as belezas naturais para quem vem de fora, Vitória afirma ver mudanças, tanto no perfil de turistas quanto na própria biodiversidade do local. “As coisas mudaram muito. Antigamente os turistas queriam ouvir o que a gente tinha para falar, contar a história daquela gruta, falar um pouco sobre aquela planta. Hoje em dia, eu sinto que as pessoas estão mais preocupadas em fazer fotos e não apreciar com os próprios olhos o que o parque tem a oferecer.” Uma coisa de que sente falta são as orquídeas vermelhas que enfeitavam a Ponte de Pedra, no Paredão de Santo Antônio. “Essas pequenas coisas também vão mudar. Antigamente a gente via muitas, hoje em dia, se eu vejo uma ou duas, já fico feliz.”

Amor que começou em Ibitipoca

Roberto e Patrícia Saada com o filho Moreno. Casal se conheceu em Ibitipoca, e está junto há 30 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Quando chegou pela primeira vez a Ibitipoca, Patrícia Saada não imaginava que pelos próximos 30 anos permaneceria no local. Muito menos esperava encontrar o amor de sua vida, com quem formaria uma família. Sem acreditar em coincidências, ela conta que estava acampando na Serra do Caparaó quando ouviu falar de Ibitipoca pela primeira vez. “Um amigo me disse que eu tinha que conhecer Ibitipoca, e eu: ‘Ibiti o quê?’. Depois de um tempo, um outro amigo me falou do lugar e eu decidi conhecer.”

Foram, então, ela e uma amiga para a vila. No parque, conheceu um amigo do Roberto, seu esposo. “Nós fomos para a casa e vi uma foto do Roberto. Até comentei com a minha amiga, ‘que cara bonito’. Quando a gente saiu, demos de cara com ele vindo de moto.” Depois dessa primeira interação, Patrícia foi vê-lo tocar gaita em um bar próximo onde estava acampada. “Lá eu fiquei encantada. E ele dedicou uma música para mim. Resumindo, depois disso a gente não se largou mais.”

Dois anos depois, ela largou a vida que tinha em Vitória, no Espírito Santo, e se mudou para Conceição de Ibitipoca. Lá, teve um filho, Moreno, abriu uma loja chamada Vila de Ibitipoca e acorda todos os dias com o “hálito das montanhas.” “Para mim é um privilégio viver em uma vila tão incrível. Um lugar pequeno com tanta beleza reunida. Eu costumo dizer que Deus caprichou no Parque Estadual do Ibitipoca. Realmente, ele é nosso maior presente. O tesouro da montanha.”

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