O Parque Estadual do Ibitipoca tem condições de receber até 700 visitações diárias, conforme pesquisa de capacitação de carga realizada pelo Núcleo de Análise Geo Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Desde maio de 2018, no entanto, em razão de determinação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a visitação está limitada a 600 turistas por dia pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). A indicação, contudo, ainda não é válida para o feriado prolongado de Carnaval no distrito de Conceição de Ibitipoca. Em razão da redução de visitas, os turistas têm enfrentado, em alta temporada, longas filas no fim da madrugada para acessar a unidade de conservação, que abre às 7h.
Em 2017, o Parque Estadual do Ibitipoca recebeu 104.657 visitantes, a maior quantidade registrada. À época, entretanto, a Promotoria de Justiça de Lima Duarte, por meio de inquérito civil, já investigava os impactos ambientais registrados na área de preservação em decorrência de visitas diárias de até 1.200 turistas. “O parque tem uma geologia muito frágil. É uma área muito singular. Se o Parque de Ibitipoca fosse fechado a visitação, por exemplo, somente as intempéries, em razão dos problemas de escoamento e drenagem, desgastariam as trilhas”, explica Cézar Henrique Barra Rocha, coordenador do Curso de Especialização Ambiental e do Núcleo de Análise Geo Ambiental da UFJF. Em nota à reportagem, o MPMG informou que, durante a investigação, foram observados “impactos negativos na qualidade ambiental da unidade de conservação e danos na flora e na fauna, em virtude de pichações, processos erosivos do uso intensivo das trilhas e depósito de resíduos sólidos”.
“O fluxo de turistas potencializa ainda mais a questão, porque as trilhas são compactadas, as raízes ficam expostas, vários indivíduos arbóreos vão às ruínas, a fauna se afugenta, etc.”, pontua Barra. Uma nova readequação do número de visitas diárias do Parque Estadual do Ibitipoca, entretanto, é condicionada a intervenções para melhorar a segurança dos visitantes, controlar o fluxo de turistas nos circuitos e corrigir as más condições de trilhas. “Se as intervenções forem realizadas, o parque poderá receber 700 visitantes, mas com uma divisão (de pessoas) por circuito. Haveria um controle do fluxo de turistas em direção a cada circuito. A gerência do parque deveria ter um controle interno”, analisa o professor.
Parte da comunidade local anseia pelo aumento do número de visitações, uma vez que, conforme Márcio Lucinda Lima, turismólogo e gestor da Associação dos Municípios do Circuito Serras de Ibitipoca, o fluxo de turistas do arraial é gerado, sobretudo, pela unidade de conservação. “O número de visitações deve ser determinado através de um estudo que leve três fatores em consideração: o meio físico, o meio biótico e os aspectos sócio-econômicos do entorno do parque.” Para Márcio, somente aspectos físicos e bióticos do parque são insuficientes para determinar o quantitativo diário de visitas. “Tem que se levar em consideração que existe no entorno da vila toda uma comunidade que depende do turismo para sobreviver. O número adequado tem que gerar o mínimo impacto negativo no parque, porém, também, o mínimo impacto negativo na comunidade.”
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MPMG cauteloso
Em janeiro, o MPMG repassou ao IEF o relatório inicial de capacitação de carga dos circuitos do parque. Prevista no Termo de Acordo celebrado entre ambos, a reavaliação do número de visitação diária foi solicitada em razão da defasagem dos estudos utilizados como argumento pelo MPMG para a limitação de visitantes. Natália Salomão de Pinho, promotora de Justiça da Comarca de Lima Duarte e uma das responsáveis pelo Termo de Acordo, é cautelosa sobre a readequação. “A equipe da UFJF apresentou apenas o primeiro relatório do monitoramento de impactos no parque. Para o MPMG, a proposta de capacidade de suporte das trilhas de 700 pessoas ratifica o número atual de visitas.”
Conforme Barra, novo trabalho de campo será realizado pelo Núcleo de Análise Geo Ambiental. “Até abril, voltaremos. Queremos saber se há alterações em relação ao trabalho de agosto. No ano passado, fomos na estação seca, apesar de termos ido em uma semana em que choveu muito. Voltaremos ao parque em um período chuvoso. Queremos comparar se houve melhora em fatores como erosões, sistemas de drenagem, alagamentos, raízes expostas etc.” O MPMG, conforme Natália, aguardará a implementação das orientações do estudo no Parque Estadual de Ibitipoca. “Após o estudo completo, vamos chegar a uma conclusão: manteremos a quantidade atual ou alteraremos as 600 visitações previstas no termo de acordo. O processo ainda está em andamento.”
Número de visitas divide guias turísticos
“Frequento Ibitipoca há 36 anos e sou guia há 21. A meu ver, o parque hoje está muito mais preservado do que quando eu comecei a frequentá-lo. Cito, ao menos, sete trilhas importantes que foram fechadas. O espaço do visitante foi reduzido. Somando todas as trilhas, são, no máximo, 25 quilômetros. Os atrativos correspondem a menos de 2% da área total do Parque Estadual do Ibitipoca. Como o parque está degradado se 98% dele é inacessível?”, questiona o guia turístico Rodrigo Pompeiano Paranhos, conhecido, popularmente, como Minhoca. O Termo de Acordo celebrado entre o Ministério Público e o IEF contraria interesses em Conceição de Ibitipoca, uma vez que se dá no seio da principal atividade econômica do arraial. “Me preocupo com a preservação do parque, mas também temos que pensar no turista que vem de longe, que, às vezes, em um feriado de três ou quatro dias, não consegue entrar no parque. Temos que pensar na vila em si. A vida da turma só prosperou por causa do turismo”, acrescenta.
Gabriel Célio Fortes, guia turístico, entretanto, concorda com o número atual de visitação diária, uma vez que enxerga a infraestrutura da unidade de conservação insuficiente para receber até 1.200 pessoas, por exemplo. “Sou a favor, no momento, da limitação de 600 pessoas. O número de 1.200 pessoas era exorbitante”, afirma. Nativo de Ibitipoca, Gabriel é condutor no parque há 25 anos. “Entravam 1.200 pessoas, mas não havia infraestrutura para isso. O número de funcionários não aumentou, a estrutura física das trilhas não foi melhorada com a implantação de passarelas e corrimãos, por exemplo, e intervenções em erosões não foram feitas.” À época da celebração do Termo de Acordo, 14 funcionários trabalhavam na unidade de conservação, “número insuficiente para atender a demanda de 1.200 visitantes diários”, conforme o MPMG.
“Eram poucos os dias do ano em que a carga diária de pessoas no parque atingia 1.200”, contrapõe Minhoca. “Somente em feriados nacionais e finais de semana de férias. Mesmo em feriados nacionais, não era todos os dias que entravam 1.200 pessoas.” Conforme o guia turístico, a manutenção do parque é realizada usualmente pelos funcionários. “Vejo constantemente os funcionários fazendo desvio de enxurradas, tirando água das trilhas, endurecimento, contenção de erosões, etc. O que enxergo como importante para a carga máxima voltar a ser 1.200 é ter a participação da gerência do parque, trabalhando o ordenamento da visitação, talvez por setores. Limitar a trilha da Janela do Céu para apenas 300 pessoas, por exemplo; limitar o Circuito das Águas para 600 etc. Isso seria importante.” Minhoca criticou, ainda, a postura do IEF na negociação frente o MPMG. “O IEF fechou várias trilhas, vários atalhos, e estão dando manutenção. O MPMG diminuiu o número de visitas diárias, e o IEF acatou sem discordar de nada. Acho que está faltando boa vontade do instituto na história. O que precisa mesmo de cuidados é o arraial.”
Em contrapartida, Gabriel destaca a fragilidade da área na qual o parque se localiza. “O Parque Estadual do Ibitipoca fica em cima de uma pedra de quartzito, que é uma rocha totalmente frágil. A gerência e os empresários falam que não há impacto algum, mas eles não andam nas trilhas como a gente. A maioria das pessoas hoje em Ibitipoca quer a volta para 1.200 visitantes, porque pretendem sublocar as suas casas e as suas pousadas, mas não estão preocupadas sobre o que a vila tem a oferecer.” Em caso de readequação de visitas para o número anterior, o guia turístico acredita que há possibilidade de fechamento para visitação. “A comunidade científica não pensa em fechar o parque, porque sabe o impacto social. Mas é cautelosa. Fiz parte do Conselho Consultivo do Parque do Ibitipoca durante quatro anos, e os laudos apresentados eram de visitação máxima de 480 pessoas por dia. Então, 800 já era quase o dobro; imagina 1.200?”
A Tribuna tentou contato com a gerência do Parque Estadual do Ibitipoca, através do IEF, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno.
‘IEF está dentro do prazo’
O Termo de Acordo enumera medidas a serem adotadas pelo instituto para a regularização de visitação pública. Dentre as cláusulas do acordo, por exemplo, estão o diagnóstico completo dos danos ambientais e medidas necessárias para a recuperação; plano de reestruturação da forma de visitação; estruturação e manutenção das trilhas já existentes; fechamento de trilhas indevidamente abertas; implantação de trilhas suspensas nos trechos de frequente pisoteio; diminuição do processo erosivo e recuperação das cavidades alvos de pichação. “O IEF está em dia com as suas obrigações”, pontua a promotora de Justiça de Lima Duarte, Natália Salomão de Pinho. “Uma série de medidas que tem que ser adotada paulatinamente está sendo implementada. Em dezembro, o IEF remeteu ao MPMG um estudo de diagnóstico de danos bem elaborado, com fotografias, confirmando que eles estão cumprindo o termo.”
Questionado sobre as recomendações já adotadas, o instituto garantiu a implementação de “medidas de recuperação de áreas, de segurança para acesso de visitantes, recuperação de processos erosivos, implantação do fluxo direcionado de visitantes, implantação de placas informativas em áreas consideradas de maior vulnerabilidade a acidentes e ações de educação ambiental”. O prazo para a adoção do sistema eletrônico de venda de ingressos e de cancela eletrônica integrada ainda está em aberto — 360 dias a partir da celebração do acordo. Para o MPMG, o aumento do número de visitantes, em 2015, de 800 para 1.200, acarretou “impactos negativos na unidade de conservação e danos na flora e na fauna, em virtude de pichações, processos erosivos decorrentes do uso intensivo das trilhas e depósito de resíduos sólidos”. O inquérito civil, instaurado, em 2016, está arquivado em razão do acordo firmado entre as partes.
Em alta temporada, infraestrutura da vila está saturada
“Quando a demanda supera a oferta, problemas vão existir. De acordo com o crescimento da demanda, a oferta tem que se expandir e ser organizada. Não adianta somente expandir a oferta de serviços, produtos e infraestrutura básica. O crescimento precisa ser organizado e regulamentado, porque, senão, cria-se o turismo desordenado, ou seja, a insustentabilidade dentro da atividade turística”, explica o turismólogo Márcio Lucinda Lima sobre a saturação de Conceição de Ibitipoca na alta temporada. Em Ibitipoca, conforme Márcio, a atividade turística supera a pecuária leiteira, principal segmento econômico do município de Lima Duarte.” A população da vila, direta e indiretamente, depende do turismo para tocar seus negócios, para sobreviver.” Entretanto, relatos como o desabastecimento de água, a sobrecarga da rede elétrica e do trânsito são comuns entre visitantes do vilarejo nos últimos feriados.
Entre os líderes da comunidade, o vereador Donizete Martins de Aguiar (Dó, PT), eleito pelo distrito de Ibitipoca, e o presidente da Associação de Moradores e Amigos de Conceição de Ibitipoca (Amai), Nelson Aguiar de Paula, confirmam as queixas dos moradores locais, embora restrinjam os problemas aos feriados prolongados e finais de semana. “O que a gente tem mais reclamações é de falta de luz e de água. A vila enche e acaba não suportando. O problema principal é a água mesmo. Sem luz, a gente até fica, mas, sem água, é complicado”, diz o vereador Dó. Nelson também admite o transtorno na alta temporada. “Acontecem transtornos como piques de energia — o que é normal em épocas de temporais —, aumento do fluxo de veículos e congestionamento de ruas bem estreitas, mas não é nada impossível.” A segurança pública, segundo Nelson, tem sido uma das principais reivindicações dos moradores. “É uma coisa que a gente batalha muito para melhorar. O quadro efetivo dos policiais militares é reduzido. O pessoal trabalha por escala e não pode sobrecarregar a carga horária.”
Para Márcio, a infraestrutura deficitária é agravada com eventos de médio porte, agendados em alta temporada, período em que, naturalmente, o arraial recebe alta carga de turistas. “Juntam as pessoas que vinham com a motivação de visitar o parque e o público que vem para o evento em si. Sobrecarrega a estrutura turística e a infraestrutura básica da vila”, analisa. “Penso que, de repente, os eventos, que são muito bem-vindos, pudessem acontecer fora dos feriados, em baixas temporadas, nas quais o fluxo de pessoas com a motivação de ecoturismo, ou seja, de visitar o parque e conhecer a beleza da região, está baixo.” O turismólogo acredita que integrantes da atividade turística local poderiam se mobilizar e discutir a situação atual por meio do Conselho Municipal de Turismo, fomentado pela Secretaria de Turismo de Lima Duarte. “O conselho contém suas reuniões ordinárias e extraordinárias, porém, não é muito utilizado pelos empresários e pela comunidade. É uma ferramenta, é um fórum de grande importância para a organização do turismo local. Porém, o circuito turístico precisa participar mais desse conselho, assumi-lo, apropriá-lo.”
Prefeitura
“É de saber de todos que a Vila de Ibitipoca está saturada. Os finais de semana são um complicador. Não há policiais militares e, às vezes, falta água”, admite o prefeito de Lima Duarte, Geraldo Gomes de Souza (PMN). “O município, realmente, está sem condições de dar a estrutura que o distrito merece.” Os problemas de desabastecimento de água, segundo Geraldo, são os mais próximos de solução. Atualmente, o arraial tem apenas dois poços artesianos; entretanto, um terceiro está em fase final de construção. Em Lima Duarte, o abastecimento é controlado pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (Demae). “Falta somente um trecho da rede para interligá-lo. Já aumentamos a vazão dos dois poços em funcionamento. Acredito que, com a construção do novo poço, o problema vai ser resolvido.” Geraldo pede aos proprietários de pousadas, contudo, a aquisição de caixas d’água reservas. “Às vezes, as casas têm caixas d’água de mil litros, e, se a vila recebe cinco mil, seis mil pessoas, não tem água que dê. Se os moradores comprarem caixas d’água reservas, nos ajuda. Durante a semana, a água sobra. O problema é no fim de semana, principalmente o prolongado.”
Além disso, o líder do Executivo aponta a construção de um estacionamento próximo à Igreja do Rosário para melhorar o fluxo de veículos. “Depois do Carnaval, vou tentar melhorar o estacionamento para criar, ao menos, 60 vagas. Em parceria com a própria comunidade, inclusive. Também estamos lutando para criar vias únicas para melhorar o trânsito e investir em sinalização.” Ainda segundo o prefeito, uma comissão da Prefeitura já estuda a elaboração de edital para concurso de fiscais de trânsito. “Pretendo contratar oito fiscais para atuação nos finais de semana. Tenho lutado muito para que a Polícia Militar vá, mas é muito difícil. A gente pede, tem um convênio com eles, mas é muito difícil. Os policiais têm ido de vez em quando para amenizar a situação.” Questionada pela reportagem sobre a capacidade da rede elétrica, a Cemig informou o registro de 48 piques de energia nos últimos quatro meses, sendo oito somente em fevereiro. Conforme a companhia, “o circuito está dimensionado para atender o aumento na demanda de cargas durante o Carnaval. Realizamos a limpeza de faixa e poda de árvores em alguns pontos do circuito destes equipamentos até esta sexta-feira (1º)”.