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Mulheres lideram pesquisas por prefeitura em Juiz de Fora e são maioria do eleitorado

Montagem margarida e ione
(Fotos: Divulgação)
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As mulheres representam 54% do eleitorado de Juiz de Fora em 2024, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral. Um levantamento do Instituto MDA Pesquisa encomendado pela TV Integração aponta Margarida Salomão, atual prefeita, com 45,8% das intenções de voto, seguida pela delegada Ione Barbosa (Avante), com 15,8%. 

Entre os seis concorrentes ao pleito municipal, as mulheres são metade, já que além das duas, há a representante do PSTU, Victoria Mello. A cidade, que teve pela primeira vez uma prefeita mulher eleita em 2020, está diante de dois possíveis cenários inéditos: a decisão eleitoral em primeiro turno ou um segundo turno totalmente feminino. De espectros políticos diferentes e com trajetórias diversas, esse protagonismo das mulheres na cidade pode sinalizar uma mudança que está longe de ser local, e que também indica quais critérios e propostas podem ser valorizados durante o pleito.

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A Tribuna conversou com a cientista política e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),Marta Rocha, sobre o assunto. Para ela, essa presença marcante, tanto no eleitorado quanto na disputa, reflete um crescente interesse em torno dos direitos e interesses das mulheres, que já tinha começado a aparecer em 2020, quando Margarida Salomão (PT) foi eleita, Ione Barbosa (Avante) ocupou a terceira posição em votos, e Delegada Sheila (PSL) alcançou a quarta posição.

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“A gente tendia a associar o direito das mulheres e essa agenda de políticas públicas para mulheres mais à esquerda, mas estamos vendo mais recentemente, de uma perspectiva mais conservadora, outras candidatas de direita e até de direita radical buscando se afirmar como representantes das mulheres. Elas estão se apresentando em nome das mulheres e atuando em causas que são muito centrais às mulheres, como combate a violência contra mulher e saúde reprodutiva”, afirma. 

Ela destaca que, deste ponto de vista, pode ser bastante interessante analisar como, nas eleições de 2024, essas candidatas se posicionam em relação às questões que preocupam o eleitorado feminino. “Queremos ver como as políticas públicas para as mulheres, as injustiças e opressões que as atingem podem aparecer nesse debate nas eleições municipais, principalmente se tivermos duas mulheres liderando”, diz.

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Para além disso, no entanto, a pesquisadora destaca que, para ocupar uma posição de chefe do poder Executivo, as mulheres devem ser encaradas como capazes de representar a todos, assim como os homens são considerados dessa maneira. Mas, apesar dos esforços para isso, e indo na contramão da tendência de eleitorado e das eleições para prefeitura, a dificuldade em encarar mulheres na política ainda é entrave para a entrada de candidatas na política e reflete em uma sub-representação na Câmara dos Vereadores, na Câmara dos Deputados e no Senado.

Desrespeito às cotas de gênero

A adoção de cotas de gênero na política foi uma das alternativas encontradas para tentar combater a sub-representação de mulheres na política. “A gente vê mulheres em todas as profissões, muitas no mercado de trabalho, à frente de suas famílias, nas universidades e na população de modo geral. Mas na política, destoa muito disso”, explica Marta.

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Apesar dessas cotas terem sido introduzidas pela primeira vez em 1995, e serem algo que outros países já tinham feito com o mesmo objetivo, ainda hoje a realidade está bem distante de uma equiparação de gênero. Em Juiz de Fora, à parte da prefeitura, também é possível ver isso: a Câmara de Vereadores teve o maior número de vereadoras mulheres eleitas em 2020, e mesmo assim foram apenas quatro cadeiras ocupadas por mulheres, entre os 19 vereadores eleitos.

Uma problemática apontada pela especialista, que impede que essa realidade mude, é que a cota não é respeitada da maneira que deveria. Apesar de a lei determinar que nenhum partido pode ter mais de 70% dos candidatos do mesmo sexo (o que não significaria necessariamente mais de 70% dos candidatos homens, mas na prática acaba sendo), quando a obrigatoriedade não é cumprida, os partidos não são punidos. “Na ausência das mulheres na política, vai ser muito difícil que essas pautas (que interessam às mulheres) entrem na agenda. E se entrarem, vão entrar por uma perspectiva que não é a das mulheres, e podem gerar políticas públicas que não sejam efetivas”, defende Marta.

Mulheres ocupam menos de 12% das prefeituras no Brasil

Há, ainda, aqueles casos em que as cotas são preenchidas, mas as mulheres que buscam se eleger, na prática, não possuem recursos e oportunidades para concorrer. “A gente sabe também que as mulheres sofrem muitos problemas no interior dos partidos, como na hora do financiamento e na divisão dos recursos de campanha, que é o que torna uma candidatura realmente competitiva. Não adianta se candidatar se não tiver acesso aos recursos que são fundamentais para se tornar uma candidata competitiva”, destaca Marta. Essa realidade, atualmente, se mostra também na quantidade de prefeituras que as mulheres ocupam: apenas 12% do total, no Brasil. Em toda as 106 cidades da Zona da Mata e do Campo das Vertentes, apenas cinco prefeitas são mulheres, nas cidades de Juiz de Fora, Lima Duarte, Guidoval, Aracitaba e Divinésia.

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Em sua visão, a problemática também está em uma falta de incentivo ao longo de todo o processo, e não deve ser olhada apenas em época de eleição. “Os partidos alegam que as mulheres não têm interesse por política, e que na verdade eles têm que fazer um enorme esforço para recruttá-las, porque  não querem se candidatar. Mas não se trata de fazer um trabalho só na época da eleição, a ideia é que seja um trabalho permanente de formação, recrutamento, mobilização e organização. Se isso fosse feito constantemente, quando chegasse a época das eleições, os partidos não teriam problema para cumprir essa cota”, diz.

Para ela, as dificuldades enfrentadas ocorrem também pelas regras impostas no jogo político e pela dinâmica ainda patriarcal da vida doméstica. “Existe uma divisão sexual do trabalho doméstico. As mulheres doam muito mais horas do seu dia para o cuidado doméstico e cuidados com a família e filhos. Estar na política significa, muitas vezes, ter que sacrificar isso”, diz. 

Violência política de gênero

A especialista ainda destaca que, apesar de o eleitorado de todo o país seguir o padrão da predominância feminina, a política por muito tempo foi olhada como esse espaço que não fazia parte das funções da mulher. “A política é um espaço criado pelos homens, com regras que foram criadas pelos homens e que se adaptam melhor a eles do que a elas. Quando elas desafiam essas regras, isso sempre vai vir com custos”, diz. Os custos, em sua visão, se estendem durante todas as etapas da vida pública – seja antes de se candidatarem, seja quando se candidatam, ou quando enfrentam problemas para conseguir recursos e, ainda, quando são eleitas e precisam lidar com “uma série de dificuldades, violências e opressões ao longo dos mandatos”.

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Os casos de violência política de gênero, em que as mulheres são excluídas, têm o acesso restringido ou são constrangidas a tomarem decisões contra a sua vontade, levaram à construção de uma lei para punir os casos. O projeto já funciona há três anos no Brasil e, como explica a cientista política, inclui as diversas manifestações de violência, como o assédio verbal, físico e psicológico. Mas o problema vai para além disso, como ela destaca. “Também está na desvalorização, em ter   palavra cassada e ter a palavra desrespeitada perante os pares. Ou também de serem confinadas a certos espaços e temáticas”, diz Marta. Muitos dos casos de violência política de gênero, como ela destaca, acontecem nas redes sociais. “Principalmente na presença de grupos radicais de direita. e que muitas vezes se valem das mídias sociais pra atacar, caluniar e assediar. Já vimos inúmeros desses casos com vereadoras, deputadas e prefeitas sendo vítimas desse tipo de ataque”, explica. 

Enfrentamento no cenário local

Apesar de todos os entraves e riscos da entrada de mulheres na política, ela destaca que o aumento das candidaturas em Juiz de Fora apresenta um enfrentamento a esse cenário. No Brasil, no entanto, esse dado está estagnado, já que de acordo com o TSE, as mulheres representam 34% das candidaturas às eleições municipais, sendo a maior parte para as vagas de vereança. O percentual, ainda, é 17% menor que do pleito de 2020.

A quantidade de mulheres eleitas, no entanto, não está sempre relacionado à aprovação de mais projetos ligados a causas femininas. Como Marta opina, cada cenário deve ser analisado com suas particularidades, e as propostas para as eleições também devem ser pensadas de acordo com o posicionamento político e defesas apresentadas. “É difícil dizer que se elegermos mais mulheres teremos mais projetos com temáticas relacionadas às mulheres ou que não. (…) Mas as chances de que essas questões, como a exploração sexual e a violência sexual contra as mulheres, assim como a ausência das creches, venham a entrar em agenda políticas, são muito maiores”, diz.

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