“Um absurdo”, na visão de Leandro Grôppo, consultor de marketing político que coordenou as duas campanhas vencidas pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Para ele, a tecnologia facilita, dá um caminho, mas o ser humano é quem precisa pensar. “É igual a um avião. Pode ser usado para transportar carga, passageiro, remédio, como pode ser usado para ir para a guerra. Você tem um avião na mão, a questão é saber como usar.”
Essas possibilidades, tanto para o bem quanto para o mal, “ampliam efeitos de curtíssimo prazo”, de acordo com o cientista político e professor da Faculdade de Comunicação da UFJF, Paulo Roberto Figueira Leal. “A velocidade com que alguma coisa se torna viral nas redes é, ao mesmo tempo, uma oportunidade muito interessante para as campanhas e um risco, quando se trata de má-fé e deliberada informação falsa, cujas consequências podem ser dramáticas. Então, é um espaço que precisa de debate público sobre sua regulação.”
Mais um retalho na colcha
Leandro Grôppo afirma que a regulação eleitoral do Brasil é uma “colcha de retalhos e quase ninguém entende nada”, pois “cada juiz interpreta a legislação de um jeito, e aí não tem uma diretriz de definição”. Por isso, ele acredita que, mesmo que haja uma regulação das novas tecnologias, “vai haver uma discricionariedade tão grande, que cada cidade vai ter uma interpretação diferente”, criando, até mesmo, mais obstáculos para quem está dentro da legalidade, que é quem pode ser monitorado. O entendimento, basicamente, é de que o controle será “um verdadeiro desafio, tanto para quem trabalha, quanto para a justiça”.
Hellen Divan, pós-graduada em direito digital e presidente da Comissão de Direito, Inovação, Tecnologia e Empreendedorismo da OAB/MG, subseção Juiz de Fora, confirma que existem trâmites que levam à demora para se chegar a uma solução, “nesse espaço em que tudo acontece em uma velocidade superior à que é possível investigar”, como pedir uma liminar na Justiça para quebra de sigilo e identificar um autor, por exemplo.
Para Hellen, mesmo já havendo um senso de urgência nos tribunais eleitorais e um clamor da sociedade pela regulamentação específica, é possível que ela não seja elaborada a tempo das próximas eleições municipais, por ser um campo muito complexo e, inclusive, para que não se cometam excessos. “A gente pode ter riscos quanto ao jogo democrático, por exemplo. Eu não acredito que se deve proibir totalmente o ‘deepfake’, porque a gente poderia invadir uma questão de liberdade de expressão, uma sátira, uma crítica”, defende a advogada. Uma possível solução seria a obrigação de que um material manipulado seja previamente identificado “ou, até um pouco esdrúxulo, que a gente consiga perceber que é uma montagem”.
Falso, mas realista
Leandro Grôppo também demonstra preocupação com os chamados “deepfakes”, que manipulam vídeos e vozes para simular uma outra pessoa com fidelidade, de modo “facílimo” e “absolutamente crível”, nas palavras de Paulo Roberto Figueira Leal, podendo colocar um adversário político em circunstâncias embaraçosas.
O jornalista e humorista Bruno Sartori trabalha profissionalmente com a tecnologia, desde que os vídeos que produzia para dar mais qualidade ao trabalho de humor viralizaram, em maio de 2018. “Ao longo desses anos, tenho percebido que a população tem desconfiado mais daquilo que consome. Essa mudança de comportamento das pessoas certamente está ligada à capacidade das inteligências artificiais de gerarem conteúdo falso, porém realístico”, acredita Sartori.
Por isso, Paulo Roberto alerta que, além dos marcos regulatórios mais rigorosos, é preciso que, a médio e longo prazo, “as pessoas cultivem um certo ‘letramento tecnológico’ que permita cultivar a desconfiança sobre o que recebem”. “O fato de que pareça verdadeiro não deve ser tratado como tal, até que eu tenha instrumentos de confirmação”, reflete o professor. Ou, nas palavras de Sartori: “só acreditar vendo, hoje, é algo impensável; nem vendo é mais possível acreditar 100% em um conteúdo”.
‘Saudável ceticismo’
Esta cultura de “saudável ceticismo” pode começar a ser construída verificando se o conteúdo condiz com a fala habitual ou as ideias de uma pessoa, atentando para a qualidade de uma imagem ou vídeo, erros gramaticais e títulos chamativos, e checando o site do Tribunal Superior Eleitoral e canais oficiais dos partidos, como orienta Hellen Divan.
Bruno Sartori ainda alerta para a evolução dos códigos, que corrigiu defeitos como olhos que não piscavam ou dentes sem separação um do outro, o que impossibilita que a olho nu se observe alterações. Por isso, recomenda que se observe o contexto do conteúdo. “Que história ele está contando? Parece absurda? Busque o que os grandes veículos de comunicação estão falando sobre ele e verifique.”
Outro consenso entre os dois é de que esse tipo de tecnologia será utilizado durante as eleições de 2024 “e não é específico de um partido ou de um lado”, para Hellen, assim como “não vai ficar limitado ao entorno do candidato”, para Sartori. “Graças às paixões que se criaram em volta da política, os eleitores mais fanatizados também criarão esse tipo de conteúdo para prejudicar outros candidatos”, projeta o especialista em “deepfake”.