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Tudo acontece em Juiz de Fora: quatro presidentes prestaram últimas homenagens a Itamar

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Itamar Franco faleceu no dia 2 de julho de 2011, um sábado. O corpo do ex-presidente, ex-governador de Minas, ex-senador pelo estado e ex-prefeito de Juiz de Fora, retornou de avião à cidade onde começou a carreira política, vindo de São Paulo. Ele foi velado entre os dias 3 e 4, na Câmara Municipal, antes de ir para um segundo velório em Belo Horizonte.

Por ocasião da primeira cerimônia, Juiz de Fora também recebeu, ao mesmo tempo, outros três ex-presidentes – José Sarney (MDB), Fernando Collor (PRD) e Lula (PT) – e um futuro presidente – Michel Temer (MDB), que, na época, ainda era vice de Dilma Rousseff (PT) – além de diversas outras importantes personalidades políticas.

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Para o cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Diogo Tourino de Sousa, isso diz muito sobre quem era Itamar: “É natural que, com a morte de pessoas de proeminência no mundo da política, aqueles que ocupam cargos compareçam, até aí não tem nenhuma excepcionalidade. Mas a figura do Itamar pode ser descrita como essa figura de notoriedade. É possível que a gente diga que ele, sim, foi essa figura do consenso, num momento muito dramático da história brasileira. E, no que se refere a Juiz de Fora, em particular, ele projetou o nome da cidade”.

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José Sarney, Fernando Collor de Mello, Luiz Inácio Lula da Silva, todos ex-presidentes, e Michel Temer, então vice de Dilma e que viria a ser presidente, estiveram no velório de Itamar em Juiz de Fora (Foto: Paula Rivello)

Ex-Tribuna veio em avião da FAB com políticos

Márcio de Freitas foi repórter da Tribuna de 1995 a 1997, atuando em diversas editorias, inclusive a de política. No retorno à cidade por ocasião do velório de Itamar Franco, era assessor de comunicação de Michel Temer, função que exercia desde dezembro de 2001.

Ele era um dos 40 ou 50 ocupantes de um voo da Força Aérea Brasileira (FAB), que trouxe de Brasília ao Aeroporto da Serrinha vários embaixadores, ministros, deputados e senadores da época – incluindo Collor e Sarney, presidente da Casa naquele momento.

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Márcio conta que o ambiente no avião tinha um pouco de saudosismo. Na visão do passageiro, isso se devia até mesmo pela surpresa com que a morte foi recebida, dado o “exemplo de militância política aguerrida e contundente, sempre com elegância” e o “vigor juvenil” com que Itamar vinha desempenhando suas funções no retorno ao Senado, “em plena forma política”.

Ele também aponta a comoção, um “tumulto organizado”, que o choque gerou: “Aquele voo organizado aqui foi às pressas. As pessoas se mobilizaram e todos disseram ‘vamos juntos, também queremos ir’. Sarney, Temer, Renan [Calheiros], [Romero] Jucá, vários senadores que tiveram contato com ele, nas suas várias passagens, se mobilizaram para fazer o voo.”

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No avião, aconteceram várias conversas, relembrando a trajetória política de Itamar – desde o combate ao regime militar – e as relações pessoais que cada um teve com ele: “O Sarney, por exemplo, ficou lembrando das histórias deles no Senado federal, em campos opostos, mas muito respeitosos”. 

“Lembro de algumas menções ao episódio dele enfrentando o Fernando Henrique, no Governo de Minas, sempre com uma preocupação de mostrar a importância de Minas para o cenário nacional. As pessoas brincando que brigar com o Itamar era difícil politicamente, porque ele era muito firme nas suas posições”, prosseguem as memórias.

“Alguém mencionou a atuação dele numa CPI sobre questões nucleares que foi marcante, pautou a mídia nacional. As pessoas ficaram lembrando do episódio do Real, do descrédito, às vezes, o tratamento desrespeitoso que a mídia tinha em relação a ele, mas que ele superou isso tudo e conseguiu deixar um grande legado para o país”, conclui Márcio.

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Na mídia em todo o mundo

Sobre o velório em si, Márcio recorda que o saguão da Câmara Municipal era um ambiente pequeno para toda aquela movimentação, então foi “bem tumultuado”, mesmo com a boa vontade de todos em utilizar o espaço para prestarem homenagens.

De início, além das várias figuras políticas, também eram 110 profissionais de imprensa de todo o Brasil querendo ficar no interior do local, sendo necessário permitir apenas fotógrafos e cinegrafistas, posteriormente. Ainda assim, dezenas de registros acontecendo a todo momento, com mais políticos também chegando na mesma periodicidade, era uma “loucura”, recorda Zilvan Martins, chefe do Departamento de Imprensa da Prefeitura de Juiz de Fora entre 2002 e 2012.

“Foi correria”, prossegue o jornalista, sobre o aviso de plantão que recebeu: “A gente ficou aguardando notícias do Governo federal, para ver como ia ser, e falaram que a gente teria que organizar tudo, em parceria com a Câmara. Aí nós ficamos loucos, porque a gente nunca participou de um evento como esse, evento único”.

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Duas ou três horas após a notícia de que teriam que organizar é que souberam que a presidenta de então, Dilma Rousseff (PT), não viria à cidade. Um alívio, visto que o esquema de segurança não precisaria ser ainda mais robusto.

O que ele também se lembra sobre o que conversavam as personalidades é dos elogios à diplomacia de Itamar, benquisto por todos. Mas as mensagens não eram passadas apenas de forma verbal. Havia, sim, uma disputa de alguns políticos no sentido de ficarem mais próximos ao caixão para aparecerem nos registros. O cientista político Diogo Tourino elucida que “a própria presença dos personagens, marcar uma presença, botar o rosto, já é uma movimentação política, em si”.

Zilvan estava acostumado a lidar com políticos da cidade e até do estado, mas na ocasião já percebia a reunião dos três ex-presidentes e do atual vice como um momento único na própria vida. “Quando eu cheguei, me deu uma espécie de calafrio, porque é uma coisa muito inusitada. Foi uma mistura de sensações, euforia, o que eu poderia fazer para ajudar, meio sem saber como me comportar porque nunca tinha estado numa situação daquela. Mas todo o processo foi muito natural, respeitoso e leve.”

‘Referências e reverências’ a Itamar

O chefe de Zilvan era Rodrigo Barbosa, que ajudou a criar a Secretaria de Comunicação de Juiz de Fora, em 1995, e comandou a pasta também de 2009 a 2012. Ele lembra que as providências foram corridas, pois ainda envolviam, além do cerimonial de Legislativo e Executivo municipal, o cerimonial do Senado – de quem partiu o contato com a cidade – e também assessoria e família de Itamar. 

Estes últimos é quem expressavam de maneira mais clara os desejos de Itamar, ainda em vida, segundo o ex-secretário. Chegou deles, por exemplo, logo após a notícia da morte, a decisão de que o velório deveria ser feito em Juiz de Fora e, depois, em Belo Horizonte, recusando a oferta do Palácio do Planalto, em Brasília. O pedido do ex-presidente era de que seu corpo não fosse transportado entre muitas cidades.

Além da preocupação com o ritual, outra dificuldade citada por Barbosa foi o fato de ser um sábado: “O corpo ia chegar de madrugada. A gente teve a noite de sábado para montar toda a estrutura. Ao mesmo tempo, quando você tem um personagem da importância do Itamar, é muito mais fácil envolver alguns atores importantes como a Polícia, o Exército, os Bombeiros. Todo mundo se prontificou e se mobilizou muito rápido. Tanto que eu não diria nem que a gente tenha coordenado tudo isso, houve um grupo de trabalho”.

Foi montado, inclusive, uma espécie de gabinete deste grupo em um espaço no segundo andar da Câmara, próximo ao Plenário, onde eram feitos todos os contatos e de onde saíam todas as informações e confirmações de presença.

Atuando nos bastidores, Barbosa é outra testemunha que reforça o ambiente “bastante respeitoso e cordial”. “Todos fazendo referências e reverências à figura do Itamar”, prossegue.

Barbosa não se lembra de conversas entre Lula e Temer, por exemplo, “embora estivessem no mesmo lado”, mas se lembra de Temer dialogando com Antônio Anastasia. “Era o governador com o vice-presidente. Certamente, alguma coisa além da questão do velório pode ter acontecido”, observa o ex-repórter de política da “Folha de S. Paulo”, corroborando, também, a visão do cientista político.

“Quando esse grupo de pessoas está reunido num lugar, sempre alguma conversa política acontece, mas uma coisa muito discreta. Todos fizeram muita questão de se manterem cada um no seu canto, mais em torno do corpo do Itamar do que muito buchicho de bastidor”, pondera Barbosa.

Quarenta mil no Parque Halfeld

“A preocupação acabou sendo muito grande por conta da segurança, do acesso ao público e da própria mobilização das pessoas no entorno. Uma das coisas com a qual todos tiveram que lidar foi, justamente, a situação de vaias e aplausos aos personagens”, relata Rodrigo Barbosa.

Nada de mais significativo aconteceu nesse sentido, mas boa parte dos entrevistados destacaram as vaias da população reunida no Parque Halfeld – que totalizava mais de 40 mil pessoas -, direcionadas a Fernando Collor de Mello em sua chegada. 

Houve, inclusive, um evidente constrangimento – ainda que momentâneo – por parte do ex-presidente impichado, de acordo com Maria Luiza Barbosa Pinto, sub-secretária de Gabinete e Cerimonial, de 2009 a 2013. “Mas entrando em um ambiente de velório, as pessoas tentam se comportar mais sóbrias, então não teve repercussão nenhuma. Mas foi uma vaia bem vaiada”, que Maria Luiza apenas ouviu, do interior da Casa.

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