Juiz de Fora pode ter tarifa zero no transporte coletivo urbano aos domingos e feriados. Esta é a sinalização de pelo menos 16 vereadores, que já subscreveram uma proposta que deve começar a ser discutida em breve no Poder Legislativo municipal. A Tribuna teve acesso à minuta do projeto de lei, que deve ser lido em plenário no retorno das sessões legislativas após o fim do recesso parlamentar. As reuniões da Câmara serão retomadas no dia 21 de agosto.
A proposta está sendo gestada de forma coletiva e aberta à participação, inclusive como autores, dos 19 parlamentares que formam a atual legislatura. Inicialmente, a intenção dos idealizadores é de que a tramitação do dispositivo seja célere, e o texto possa ser votado ainda em agosto. Além do projeto de lei, a Casa também deve discutir e votar, já no próximo dia 21, um requerimento destinado à prefeita Margarida Salomão (PT), solicitando a gratuidade no transporte coletivo.
A minuta do projeto de lei tem redação bastante enxuta e objetiva, contando com apenas quatro artigos. O primeiro deles determina “a gratuidade no transporte coletivo urbano de Juiz de Fora aos domingos e feriados”. A proposta reforça que a tarifa zero será extensiva a todas as linhas, caso o dispositivo seja, de fato, transformado em legislação municipal. “As despesas decorrentes da execução desta Lei, correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário”, define o texto.
Até a edição deste texto, o projeto de lei já contava com a adesão, por meio de assinatura, de 16 vereadores, número suficiente para garantir a aprovação da proposta com folga. São eles: Zé Márcio (Garotinho, PV), presidente da Câmara, Nilton Militão (PSD), Protetora Kátia Franco (REDE), Marlon Siqueira (PP), André Luiz (REPUBLICANOS), Cido Reis (PSB), Bejani Júnior (PODEMOS), Dr. Antônio Aguiar (UNIÃO), Cida Oliveira (PT), Vagner de Oliveira (PSB), João Wagner (PSC), Julinho Rossignoli (PP), Juraci Scheffer (PT), Laiz Perrut (PT), Tallia Sobral (PSOL) e Tiago Bonecão (CIDADANIA). Dessa forma, até a tarde da última sexta-feira, apenas três parlamentares não haviam aderido ao projeto de lei: Maurício Delgado e Pardal, do União Brasil, e Sargento Mello Casal, do PTB.
Vereadores apontam vantagens sociais e econômicas na proposta
Na justificativa que deve ser anexada ao projeto de lei, os vereadores que defendem a proposta lembram que o transporte coletivo urbano de passageiros possui diversos papéis imprescindíveis na estrutura de um município. Principalmente, em cidades como Juiz de Fora, que compreendem grandes extensões territoriais. O entendimento é utilizado como argumento para a proposição, principalmente do ponto de vista social.
“O transporte coletivo de passageiros, através dos ônibus, é o principal, quando não o único, meio de deslocamento da grande maioria dos munícipes. Trabalhadores e estudantes, que precisam se deslocar para suas atividades cotidianas, utilizam-se dos veículos ofertados, pagando pelo valor tarifário previamente pactuado”, lembra o texto, ao reforçar a importância do sistema para a população local.
O esboço ainda cita aspectos como a gentrificação e a segregação do espaço urbano, que levam certos grupos populacionais a se estabelecer em áreas mais afastadas, onde a infraestrutura urbana é precária. “O tempo de locomoção e o preço da tarifa se tornam obstáculos, restringindo estas pessoas a um deslocamento limitado, restrito entre suas residências e locais de trabalho/estudo”, considera o texto da minuta.
Sob este entendimento, os vereadores idealizadores da proposta destacam benefícios diretos e diversos para a cidade e para a população. Para eles, este tipo de iniciativa estimula uma maior mobilidade, ao permitir que indivíduos de baixa renda, que são os mais afetados pelos custos do transporte, possam acessar diferentes pontos da cidade.
Da mesma forma, parece cada vez mais pacificada entre os vereadores a leitura de que a concessão da tarifa zero aos domingos vai fomentar a integração social, “ao oportunizar a participação em atividades culturais, de lazer e de convivência familiar, aumentando, ainda, o senso de pertencimento”. “Ao possibilitar a exploração da cidade, a participação em eventos e o usufruto de espaços públicos, as pessoas passam a se sentir mais conectadas e engajadas com o ambiente em que vivem”, diz a minuta.
Ganhos para a economia
Os parlamentares ainda chamam a atenção para o fato de que a concessão da tarifa zero tem potencial para trazer ganhos para a economia local, com destinação dos valores economizados pela população para compras nos centros comerciais da cidade, “além da possibilidade de ampliar o acesso de uma determinada camada da população a esses locais, justamente em seus dias de descanso laboral”.
Assim, o entendimento de que a concessão da tarifa zero trará impactos sociais positivos parece cada vez mais consolidado na Câmara Municipal. “Dessa forma, as cidades se tornam mais inclusivas, permitindo que todos os cidadãos vivenciem plenamente a vida urbana, independentemente de sua condição socioeconômica. Além disso, tais medidas podem contribuir para a diminuição da segregação espacial e para a construção de uma cidade mais integrada e solidária”, diz o esboço da justificativa que deve integrar o projeto de lei.
Município subsidia o sistema desde 2021
Os parlamentares ainda defendem a viabilidade econômica da proposta ao lembrar que, desde 2021, a Prefeitura vem concedendo subsídios financeiros para as empresas que operam o sistema como mecanismo para garantir o equilíbrio econômico-financeiro. A medida foi adotada há dois anos, sob o argumento de que a subvenção era uma necessidade para compensar as concessionárias pela queda de usuários durante a pandemia e também para a manutenção da tarifa em R$ 3,75, valor vigente desde 2019.
Neste cenário, o grupo quer condicionar a manutenção do subsídio à adoção da tarifa zero no transporte coletivo público municipal aos domingos e feriados. Também no sentido de viabilizar a proposta, o projeto de lei vai sugerir a utilização do Fundo Municipal de Transporte para custear a medida, “garantindo o efetivo retorno desses recursos como benefício para a população da cidade”.
Discussões ganharam força no país a partir de 2013
A discussão não é nova no Brasil e remete a 2013, quando manifestações em defesa do passe livre do transporte coletivo e contra o aumento de tarifa foram o embrião da convulsão social que resultou em gigantescas manifestações em diversas cidades do país, nas chamadas jornadas de junho. Recentemente, discussões deste tipo ganharam força pelo cenário trazido pela pandemia.
Matéria publicada pela Agência Brasil, no último dia 1º, apontou que debates sobre o fim da cobrança da passagem no transporte coletivo público urbano ganha corpo nas casas legislativas e nas prefeituras de capitais do país, como São Paulo e Belo Horizonte. No país, 74 municípios já adotaram a tarifa zero plena no transporte coletivo. A maioria está em São Paulo e Minas Gerais: são 21 cidades paulistas e 18 mineiras.
Em junho, a Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte aprovou o passe livre no transporte público municipal para estudantes, mulheres vítimas de violência em deslocamento para atendimento e em linhas que passam por favelas e vilas. Também foi aprovada a permissão para a Prefeitura abrir créditos adicionais no orçamento para implementar o transporte gratuito para toda a população aos domingos e feriados.
Na capital paulista, a Prefeitura solicitou estudo de viabilidade para a adoção do passe livre na cidade, e o projeto “Tarifa Zero” está sendo desenvolvido pela São Paulo Transporte (SPTrans). Em junho, vereadores de São Paulo propuseram um projeto de lei que dá passe livre parcial no município paulista, especialmente para pessoas de baixa renda: inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) e desempregados.
Crise do setor
Dados da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) mostram que a demanda de passageiros pelo transporte público de ônibus no país caiu quase 20% após a pandemia de Covid-19. O número de passageiros em fevereiro de 2023 caiu para 82,8% do registrado no mesmo mês de 2020, o que mostra que a utilização do meio de transporte não se recuperou mesmo após a crise sanitária.
Além de São Paulo e Belo Horizonte, outras sete capitais estão com o tema da tarifa zero em discussão na Administração municipal ou nas casas legislativas: Campo Grande, Teresina, Fortaleza, Curitiba, Florianópolis, Palmas, e Cuiabá.
Melhorias no transporte é demanda da população
Os vereadores também entendem que, de certa forma, a proposta atende aos anseios manifestados pela população em consulta pública realizada pela própria Câmara, entre os dias 29 de maio e 30 de junho. Denominada “Fala, JF”, a iniciativa ouviu cidadãos juiz-forano sobre quais são as principais demandas para o Município, em busca de dados para o Poder Legislativo na elaboração e na discussão do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício financeiro de 2024, que foi aprovado neste mês, na Casa.
O levantamento contou com a participação de 2.204 pessoas e apontou que as três áreas consideradas como de maior relevância pela população foram: saúde, alvo de 22,46% das manifestações; educação, 14,2%; e transporte, mobilidade e trânsito, 13,91%. A ação mais demandada está relacionada ao transporte coletivo urbano, solicitando o aumento da frota de ônibus, com 685 votos. Se, por um lado, o projeto de lei que está sendo gestado dentro da Câmara não atacar este problema, por outro, ele tem por objetivo central universalizar o acesso ao principal modal de mobilidade urbana do município aos domingos e feriados.