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PJF não tem planos para equipar Guarda com arma de fogo

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Apesar da alteração na Lei Orgânica de Juiz de Fora que retirou a vedação do uso de arma de fogo pela Guarda Municipal, a Prefeitura não manifesta intenção de equipar a corporação com tais equipamentos letais. À Tribuna, o prefeito Bruno Siqueira (MDB) afirmou que respeita a decisão da Câmara de adequar a legislação municipal às disposições da lei federal 13.022/2014 (o Estatuto das Guardas Municipais), no entanto, lembra que a movimentação partiu do Legislativo e não há planos do Executivo para disponibilizar armas de fogo aos guardas. A informação foi dada à reportagem em dezembro, quando o prefeito recebeu a Tribuna em seu gabinete. “Esta foi uma posição da Câmara que respeitamos, mas nunca discutimos este assunto internamente”, pontuou o prefeito na ocasião.

Atualmente, a corporação já tem à disposição armas não letais, que servem para a imobilização, como spray de pimenta e tonfas. “Equipamos a Guarda Municipal com armas não letais e estamos trabalhando com este tipo de armamento”, destacou Bruno. A retirada da proibição do uso de arma de fogo pela corporação surgiu de emenda proposta pelo vereador José Fiorilo (PTC). Apresentado em julho do ano passado, o texto teve tramitação rápida e acabou aprovado no dia 18 de outubro. Por se tratar de adendo à Constituição municipal, coube à própria Câmara publicar a alteração que já vigora desde o dia 20 de outubro. Apesar de a alteração ter sido aprovada de forma tranquila e unânime no plenário, a possibilidade de fornecer arma de fogo a agentes civis não é um entendimento pacificado Brasil afora.
Tanto que cidades acima de 500 mil habitantes de vários estados, que têm a prerrogativa de equipar suas guardas com armamento letal, segundo o Estatuto das Guardas Municipais, adotam políticas distintas. O mesmo acontece com a opinião de dois especialistas em segurança pública ouvidos pela Tribuna.

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Contrário
Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência, da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC), Ricardo Moura entende que os guardas municipais não devam ter acesso a armamentos letais, uma vez que cumprem um papel social próprio. “Em primeiro lugar, a guarda desempenha um papel diferente da polícia, não devendo ser usada como um substituto. Em segundo, a formação do guarda e do policial são distintas, assim como o papel dos municípios na segurança pública é diferenciado, atuando mais como uma força complementar e por meio de ações preventivas. Por fim, o porte de armas trará mais insegurança ao agente que proteção, o mesmo valendo para a população”, avalia.

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Neste sentido, Moura destaca que, diferentemente das ações ostensivas, a Guarda Municipal possui um papel estratégico em garantir o acesso e a mobilidade das pessoas. Para ele, “os espaços públicos precisam ser seguros, mas também têm de ser capazes de abrigar manifestações de quem pensa e age diferente”. “Os caminhos para a superação da sensação de insegurança precisam ser pensados a partir de uma maior apropriação da cidade por parte de quem nela vive. Precisamos nos sentir seguros, andando livremente nas praças, vias e calçadas. E isso não irá ocorrer por meio da tutela de guardas armados, mas por uma série de intervenções públicas que requalifiquem tais locais.”

Favorável
Para Cláudio Beato, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-secretário de Segurança Municipal e Prevenção de Belo Horizonte, o Estatuto das Guardas Municipais direciona para um novo perfil das corporações. Segundo o especialista, a lei federal de 2014 confere às guardas municipais o poder de polícia, algo que pode ser benéfico para a segurança pública.

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“Quanto mais policiais, melhor. Isto, naturalmente, não deve ocorrer em detrimento de muitas de suas atribuições, que as polícias convencionais não irão fazer como a guarda de patrimônio público, postos de saúde ou escolas municipais. Este novo papel é importante, pois se somará às atividades das outras polícias. Diante do quadro difícil e, em alguns casos, de descontrole por que passa a segurança pública, ela pode ser um ator importante. No entanto, elas não podem se confundir com as polícias militares. Pela sua própria origem e forma de atuação, as guardas municipais têm um perfil de polícia de proximidade e patrulhamento comunitário, que deve ser estimulado e para o qual elas devem ser treinadas”, considera o docente.

Por autonomia, categoria defende armamento

“Temos que ter autonomia para trabalhar.” Este é o tema central de João Athouguia Hipólito, presidente da Associação de Guardas Municipais de Juiz de Fora para defender a utilização de armas de fogo pelos agentes civis do órgão. Para ele, o acesso a equipamentos letais permitiria aos guardas desempenhar um papel mais atuante no combate à criminalidade na cidade. “A categoria quer muito a adoção de arma de fogo. Há inclusive correntes que entendem que a lei federal que define o estatuto das Guardas Municipais obriga os municípios a equipar seus efetivos, a despeito de outros entendimentos de que isto é facultativo”, afirma.

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Para reforçar o pleito, o presidente da associação destaca que, hoje, o efetivo é empenhado em ações conjuntas com as polícias Civil e Militar, o que gera receio até mesmo nos policiais pelo fato de os guardas acompanharem tais ações munidos apenas de ferramentas como teasers e tonfas.

“Muitas vezes, dispara o alarme de espaços públicos em áreas periféricas em que somos destacados para o patrulhamento. Não sabemos que situação vamos nos deparar e se apenas uma arma de choque será suficiente para a patrulha e para a manutenção da segurança. Inclusive, a nossa”.

Para ele, as armas de fogo são um complemento para a atividade da guarda e uma necessidade diante da escalada dos índices de violência registrados na cidade. “Há seis anos, eu diria que o equipamento que temos hoje seria suficiente. Mas a violência em Juiz de Fora cresceu demais. A pistola de choque é um complemento para nossas ações, como o spray de pimenta e o bastão. Da mesma forma, a arma de fogo é um complemento para situações extremas em que somos chamados a atuar. No ano passado, por exemplo, evitamos uma situação de homicídio em que o agressor estava armado com uma faca. Caso fosse uma arma de fogo, talvez não conseguiríamos ter uma atuação efetiva e ainda haveria o risco de o guarda se tornar uma vítima secundária”, avalia.

Em 5 cidades, políticas distintas

Para fazer o trabalho nas ruas, os guardas municipais de Juiz de Fora contam om teasers, tonfas e spray de pimenta (Foto: Leonardo Costa)

Enquanto em Juiz de Fora a possibilidade de equipar a Guarda Municipal com armas de fogo, ao menos no momento, parece não figurar no radar da Prefeitura, que segue apostando na utilização de equipamentos não letais pela corporação, outros municípios do interior, com população acima de 500 mil habitantes adotam políticas distintas. De cinco prefeituras ouvidas pela reportagem, duas sequer têm uma guarda já implementada. São os casos de Uberlândia e Nova Iguaçu. Mesmo nestas localidades, o olhar sobre a necessidade de uma força local de segurança caminham em sentidos diferentes.

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No caso da cidade do Triângulo Mineiro, o Poder Executivo afirmou, por meio de sua assessoria, que não pretende criar uma corporação para atuar na cidade, apostando em esforços de colaboração com os demais órgãos de segurança, como a Secretaria de Estado de Segurança Pública e as polícias Civil e Militar, para reforçar o combate à criminalidade e à violência e garantir à população uma prestação de serviços adequada. Já em Nova Iguaçu, o objetivo é o de implementar uma Guarda Municipal este ano. Neste sentido, a Prefeitura da cidade informou que “será feito um edital para concurso de 400 candidatos, selecionados em quatro turmas de cem, para implementação dessa ferramenta de segurança pública no município”.

Em outras três cidades ouvidas pela reportagem, as guardas municipais fazem utilização de armas de fogo. Na cidade de Serra, no Espírito Santo, a guarda foi criada a partir de legislação local de 2015. “Em 2016, foi realizado concurso público, e os primeiros 56 agentes iniciaram os trabalhos nas ruas em fevereiro de 2017 após curso de formação”, explica o Prefeitura capixaba por meio de sua assessoria. Conforme a lei local, o efetivo da guarda deverá ser formado por 170 profissionais. “Atualmente, são 54 guardas civis municipais e os demais serão convocados futuramente.” Ainda de acordo com Executivo capixaba, além de equipamentos não letais, os guardas utilizam como armamento padrão a pistola calibre ponto 380.

“O treinamento para manuseio da arma de fogo ocorreu durante o curso de formação e obedeceu à Matriz Curricular Nacional para a Formação das Guardas Municipais da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp)”, detalha a Prefeitura de Serra. Ainda de acordo com o Município, até aqui, foram investidos R$ 400 mil para a aquisição de 120 pistolas calibre ponto 380 e R$ 82,9 mil com a aquisição de munição.

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“A arma de fogo é uma importante ferramenta de trabalho para o agente da segurança pública. Contudo, o trabalho da Guarda Municipal não depende exclusivamente do armamento, visto que a Guarda Civil Municipal da Serra tem como foco a proximidade com a população, segundo as premissas do sistema de Policiamento Comunitário, a fim de contribuir com as ações de prevenção à violência”, afirma nota encaminhada à reportagem por meio da assessoria de imprensa. A Prefeitura de Serra destacou ainda que cada cidade tem suas características próprias e necessidades específicas no campo da segurança pública. “É evidente que a utilização do armamento potencializa a capacidade de atuação e proteção do Guarda Municipal na sua comunidade, mas tudo está atrelado aos valores e à cultura da comunidade local.”

Pistolas em Osasco e Campinas

As outras duas cidades ouvidas pela reportagem em que a Guarda Municipal tem acesso à armamento letal estão no interior do Estado de São Paulo. Uma delas é Osasco, na região metropolitana. Na cidade paulista, a entidade atua desde junho de 1990 e conta com um efetivo de 354 servidores. Recentemente, a Administração abriu concurso público para a contratação de 200 novos agentes civis. “Desde a criação da GCM de Osasco, há utilização de arma de fogo. Os agentes passam por um curso de formação inicial de aproximadamente seis meses, com carga horária de 850 horas/aula. O curso possui as disciplina de armamento e tiro. Todos os agentes da Guarda Civil Municipal têm acesso ao armamento. Fazem uso do armamento os agentes que atendam aos requisitos para adquirir o porte de arma”, explica o Município, que não informou os custos para a aquisição e manutenção dos equipamentos letais.

Em Campinas, a 99 quilômetros da capital paulista, o modelo é semelhante. Criada em 1991, a Guarda Municipal de Campinas (GMC) conta de 730 integrantes e utiliza equipamentos não letais, tasers (desde 2011) e sparkers (desde 2015) e armas de fogo (desde 1997). “Toda a corporação é armada. GMC utiliza pistolas calibre ponto 380 (modelos 838 e 938), revólveres calibre ponto 38, além de espingardas calibre ponto 12. Os guardas também trabalham com equipamentos de menor letalidade, como granadas de efeito moral, granadas de luz e som, agente pimenta, gás lacrimogêneo e munições de elastômero, usados para nas ações de controle de distúrbios, em manifestações públicas, reintegrações de posse, e grande aglomerações de pessoas quando há necessidade de intervenção. Nestas ações também são utilizados escudos e capacetes para proteção individual”, explica a Prefeitura campineira por meio de nota.

Ainda de acordo com o Poder Executivo da cidade paulista, toda a guarnição é treinada na própria Academia da Guarda Municipal de Campinas, um dos braços da corporação, e recebe atualização constante com reciclagens periódicas. “A última compra de armamento de fogo pela GMC foi realizada em 2015, com a aquisição de cem pistolas modelo 838. O montante investido na época foi de R$ 242 mil. Em 2017 foram adquiridas mais munições de menor letalidade para o trabalho da corporação”, detalha o Município.

Em defesa do modelo

Para especialista, uso de arma exige treinamento e capacitação de guardas (Foto: Felipe Couri/Arquivo TM)

A adoção de armas de fogo pela Guarda Municipal é defendida pelas Prefeituras de Osasco e Campinas. Na opinião do Poder Executivo campineiro, em uma metrópole com quase um milhão e 200 mil habitantes, com índices expressivos de violência urbana, o uso de arma de fogo pela corporação é considerado imprescindível para garantia da lei, da ordem e preservação da vida. Inclusive para a segurança dos próprios agentes. Para o secretário municipal de Cooperação nos Assuntos de Segurança de Campinas, Luiz Augusto Baggio, o uso de armamento pela Guarda Municipal é a real expressão da força no controle da criminalidade.

“Na atual situação de violência, é impossível estabelecer a realização do trabalho efetivo sem o uso das armas, para o cumprimento das funções e para a proteção dos próprios guardas. Ainda que, cabe ressaltar, observando seu uso apenas para a coação legal prevista na figura do Estado, com o suporte do armamento da força de maneira correta e a serviço de um Estado legal”, considera Baggio. Para ele, o requisito fundamental para o uso responsável de armas de fogo por uma guarda municipal é o treinamento constante, com disciplina, supervisão, reciclagem, e também a adoção de armamento de qualidade.

Para o comandante da Guarda Civil Municipal de Osasco (GCM), inspetor Raimundo Pereira Neto, tais ferramentas são necessárias para minimizar a sensação de insegurança da população, que, segundo ele, tem crescido nos últimos anos. “Tal realidade faz com que os municípios atendam também estas demandas de constituir suas guardas municipais para além da proteção dos bens, serviços e instalações, bem como a proteção à vida. Portanto, não se pode dar segurança a alguém se um agente não possuir as ferramentas mínimas para sua própria segurança. A arma de fogo, dentre outros itens, faz parte do seu equipamento de proteção.”

Regras rigorosas para adoção de equipamentos letais

Professor da UFMG, Cláudio Beato lembra que, para armar seus guardas municipais com equipamentos letais, os municípios precisam seguir regras rígidas. “Hoje, existe um conjunto de normas e de controles que são bastante rigorosas em relação ao uso de armas de fogo. Ainda teremos que desenvolver academias para o treinamento específico delas, dado que as academias das polícias militares e civis não podem servir para este propósito”, afirma, voltando a destacar que as guardas municipais devem seguir um perfil mais comunitário.

À época da tramitação do projeto de emenda à Lei Orgânica que retirou da legislação municipal a proibição do uso da arma de fogo pela guarda municipal juiz-forana, o coordenador do Centro de Estudos de Segurança Pública da PUC Minas, Luis Flávio Sapori, destacou a necessidade de investimento no treinamento e na capacitação dos guardas municipais, caso haja a opção pelo uso de equipamentos letais. “Tem que haver um bom investimento e contínuo na capacitação dos guardas municipais, pois, sem isso, tal medida pode ser um problema, porque pode criar uma série de erros e equívocos por parte dos guardas. É inevitável e justificável também em virtude do crescimento da violência”, considerou.

Municípios têm outras ferramentas de combate

Para o especialista em segurança pública, Ricardo Moura, os municípios possuem outras ferramentas além da atuação das guardas municipais para incrementar a sensação de segurança. “São necessários investimentos em serviços e obras de infraestrutura nas áreas mais vulneráveis, fortalecendo as redes municipais de ensino. No mesmo sentido, o professor da UFMG Cláudio Beato considera que os municípios são pouco utilizados na segurança pública, embora tenham ferramentas fundamentais de atuação. No entendimento do especialista, as guardas municipais podem atuar como agentes de prevenção de delitos.

“Mais do que prender de forma reativa, devem antecipar-se ao crime e buscar preveni-los. A rede institucional do sistema de prevenção municipal através da saúde, serviço social, educação e segurança é quase que automática e desburocratizada. Programas em relação aos jovens ou outras populações em risco de se envolver com a violência estão naturalmente nas mãos dos prefeitos que devem orientar suas ações de forma focalizada”, pontua Beato.

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