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Revelações dos anos de ditadura no município

policiais em ato de repressao em frente a antiga reitoria da ufjf na rua benjamin constant a data da foto nao foi identificada

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Policiais em ato de repressão em frente à antiga Reitoria da UFJF, na Rua Benjamin Constant. A data da foto não foi identificada
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Policiais em ato de repressão em frente à antiga Reitoria da UFJF, na Rua Benjamin Constant. A data da foto não foi identificada

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A participação de Juiz de Fora no golpe civil-militar de 1964 está presente no imaginário social da cidade que abrigou o general Olympio Mourão, responsável por antecipar a “revolução” ao colocar as tropas mineiras a caminho do Rio para a deposição do presidente João Goulart. Mas o sistema repressivo que funcionou em Juiz de Fora durante os 21 anos de arbítrio ainda é desconhecido da maioria da população. No dia 1º de julho, porém, parte dessa história poderá ser percorrida através da obra que compõe o primeiro documento público elaborado com o objetivo de descrever o período que marcou decisivamente a vida de dezenas de juiz-foranos perseguidos e presos pelo regime de exceção. Elaborado pela Comissão Municipal da Verdade, o relatório de 272 páginas revela como as instituições locais foram usadas para investigar, julgar e prender pessoas que discordavam e ameaçavam a nova ordem pública, incluindo sindicalistas, estudantes, advogados e professores da UFJF. Ao resgatar as “Memórias da repressão”, título do livro que será lançado na próxima quarta-feira, a Comissão Municipal da Verdade reabre velhas feridas e mostra que ainda há muito a ser pesquisado sobre a ditadura, como o paradeiro de Rodolfo de Carvalho Troiano e Paulo Costa Ribeiro Bastos, dois juiz-foranos que figuram na lista dos desaparecidos políticos do país, militantes cujos corpos jamais puderam ser velados por suas famílias.

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“Fruto do somatório das memórias daqueles que vivenciaram a repressão em Juiz de Fora e de documentos que permitem contextualizar o período, o livro procura iluminar uma parte da história que ainda se encontra oculta ou pouco difundida. Além de trazer algumas respostas, a obra deixa também perguntas, introduzindo temas e documentações com potencial para subsidiar futuras pesquisas sobre o assunto”, explica Fernanda Sanglard, jornalista que integrou a Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora (CMV-JF). Durante um ano, a CMV-JF realizou pesquisas, visitou órgãos públicos, fez busca em arquivos e coletou depoimentos fornecidos por 37 pessoas, entre vítimas do período, parentes de militantes políticos, jornalistas e outros.

Relatório

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Organizado em seis capítulos, o relatório aponta quatro centros de detenção de presos políticos na cidade: o 2º Batalhão de Polícia Militar, localizado em Santa Terezinha, o 10º Regimento de Infantaria, o Quartel General, no Mariano Procópio, e a Penitenciária de Linhares. Outros dois locais, a Polícia Federal e a Delegacia de Polícia Civil, também foram identificados pela comissão como unidades de apoio do sistema. Dos quatro pontos de detenção, Linhares foi o que abrigou o maior número de presos, tornando-se um dos mais importantes presídios políticos do país. Por lá passaram, em 1967, os guerrilheiros do Caparaó, além de importantes lideranças, hoje conhecidas no cenário nacional, como o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, o atual governador de Minas, Fernando Pimentel, e o atual secretário de Direitos Humanos do Estado, Nilmário Miranda.

A comissão destaca, ainda, o nascimento do Documento de Linhares, o primeiro a denunciar internacionalmente as torturas cometidas nos porões da ditadura no Brasil. Escrito em dezembro de 1969 e assinado por 12 presos, ele expõe a crueldade dos repressores no país. “O documento denuncia as várias formas de torturas sofridas nas prisões brasileiras nos primeiros anos do regime autoritário. Em determinado trecho, os presos relatam que, durante o depoimento de Murilo Pinto da Silva, em setembro de 1969, o tenente Haylton (da Polícia do Exército da Guanabara) “[…] introduziu na sala uma criança de 8 anos aproximadamente. Os torturadores pararam um momento a tortura, ao que o tenente Haylton disse: ‘Podem continuar: Ele precisa ir se acostumando a isto”. Em outro trecho do documento há referência a agressões contra adolescentes e presos comuns para induzir os militantes políticos a falar. “Despidos de moral, torturaram crianças e adolescentes com a expectativa de que a moral e a ética dos prisioneiros não suportassem tamanhos absurdos”, escreve a comissão em seu relatório ao falar sobre os torturadores.

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Militantes presos foram trocados por embaixador

Para se ter ideia da importância de Linhares, dos 40 presos políticos trocados em 1970 pela libertação do embaixador alemão sequestrado, no Rio, Von Holleben, seis estavam na penitenciária mineira e partiram do cárcere direto para o exílio na Argélia. São eles, Jorge e Maria José Nahas, Marco Antônio Azevedo Meyer, Ângelo Pezutti, Murilo Pinto da Silva e Maurício Vieira de Paiva, todos integrantes de organizações com atuação em Belo Horizonte.

No final do ano passado, quatro entre os seis tiveram seus documentos pessoais restituídos mais de 40 anos após sua prisão em Juiz de Fora. A solenidade, realizada na sede da Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar (4ª CJM) em parceria com a Comissão Municipal da Verdade, fez Maria José Nahas retornar a cidade. Ângela Pezzuti, tia de Murilo e Ângelo, ambos já falecidos, recebeu as fotos dos sobrinhos.

Na ocasião, a presidente da Comissão Municipal da Verdade (CMV-JF), Helena da Motta Salles, destacou que a entrega dos documentos simbolizava parte dos objetivos propostos pela comissão, que é revelar os detalhes deste período da história. “As gerações futuras precisam lembrar de como foi o Brasil durante a ditadura.”

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Henrique Roberti Sobrinho, que também teve os documentos devolvidos, falou, emocionado, em nome de todos os companheiros de cárcere e disse que jamais imaginou retornar ao local onde, no passado, foi tão humilhado. “Saí escorraçado daqui e volto agora para ter meus documentos restituídos.” A juíza auditora militar, Maria do Socorro Leal, destacou que a devolução marcava o resgate da história pessoal de cada um. Ao todo, 250 livros da auditoria foram digitalizados pela comissão.

Após mais de 4 décadas, Maria José Nahas (de costas)volta a JF e tem documentação restituída. (Foto: Divulgação)

Dois juiz-foranos continuam desaparecidos

O livro “Memórias da repressão” demonstra, ainda, como as Forças Armadas contavam com apoio de setores da Justiça Militar para sonegar informações e, consequentemente, os casos de violação. A institucionalização da sonegação de informações é a confirmada em comunicações feitas entre os órgãos da Justiça Militar e do sistema de segurança e de informação. Em 1974, o juiz-auditor da 4ª Circunscrição Judiciária Militar de Juiz de Fora, Mauro Seixas Telles, enviou ao brigadeiro-comandante da 3ª Zona Aérea, no Rio de Janeiro, relação de 61 pessoas julgadas e condenadas pela auditoria, com solicitação de dados sobre eles. No trâmite do pedido, o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica registra vários mortos em São Paulo: “Trata-se de um documento que veio da Auditoria de Juiz de Fora. Ao que parece não foi esta a ideia de difusão. Não se vai responder isto”. O próprio ofício enviado pelo auditor identifica outro registro manuscrito com o seguinte comando: “Vários já eram”.

Sem corpo

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Entre os que não tiveram suas histórias esclarecidas, Rodolfo de Carvalho Troiano é destacado pela Comissão Municipal da Verdade. O juiz-forano nasceu em 1949 e, a partir de 1967, passou a militar na organização política Corrente. Ele participou da Guerrilha do Araguaia no Estado do Pará, sendo morto em 1974. O corpo de Rodolfo, porém, nunca foi encontrado. Paulo Costa Ribeiro Bastos também é considerado desaparecido. Nascido em Juiz de Fora em 16 de fevereiro de 1945, ele é filho do General Othon Ribeiro Bastos e de Maria do Carmo Costa Bastos. Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), entrou para a clandestinidade, em 1970, tendo sido torturado e morto no DOI-Codi do Rio. A comissão aponta que no arquivo do SNI, há um documento de 1972 que registra Paulo Costa Ribeiro Bastos como desaparecido.

O terceiro caso citado pela comissão é do guerrilheiro do Caparaó Milton Soares de Castro, encontrado morto, em Linhares, no dia 28 de abril de 1967. A sepultura dele foi localizada em 2002, no Cemitério Municipal de Juiz de Fora, em reportagem investigativa publicada pela Tribuna. Recentemente, o livro Cova 312 trouxe novas informações a respeito do caso de Milton. Apontado como suicida, o livro desmonta farsa do Exército para esconder o assassinato do guerrilheiro e revela imagem inédita da necropsia de Milton, que aponta que as lesões no cadáver são incompatíveis com suicídio.

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