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Comissão da Verdade aponta condições insalubres em Linhares

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Ao final da passagem da comitiva da Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg) por Juiz de Fora, na semana passada, o coordenador do grupo, Robson Sávio, revelou em entrevista ao programa Pequeno Expediente da Rádio CBN Juiz de Fora que a existência de locais insalubres chamou a atenção dos integrantes da comissão durante a visita feita à Penitenciária de Linhares, na última terça-feira (20). As observações resultaram em questionamentos sobre as atuais condições oferecidas aos presos da unidade. Para Robson, a presença de mofo e umidade, por exemplo, retificariam “a impressão de que as violações de direitos humanos não se circunscreveram apenas ao período da ditadura (período abordado nas investigações da Covemg)”. “Naquela unidade prisional (de Linhares), assim como em muitas outras do estado e do Brasil, observamos condições muito insalubres”, avaliou. Acionada pela reportagem, a assessoria da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) afirmou que a pasta “não comenta avaliações conduzidas por autoridades que não integrem os quadros da Secretaria”.

Entre os integrantes da Covemg que participaram da comitiva que veio à cidade e visitou a Penitenciária de Linhares estavam Emely Vieira Salazar e Carlos Melgaço. Presos políticos durante a Ditadura Militar, os dois permanecerão cativos na Penitenciária José Edson Cavalieri entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970. À época, a penitenciária era restrita a duas alas. “A unidade prisional onde eles estiveram está totalmente mofada e com muito vazamento e muita água. É uma condição totalmente insalubre para os presos. Eles até disseram que, naquela época, a unidade em termos de infraestrutura estava muito melhor do que está atualmente. Isto mostra que o Estado brasileiro, de forma geral, ainda é um grande violador dos direitos humanos. A unidade precisa de uma reforma estrutural e está em uma condição muito precária”, considera Robson Sávio.
Documentos históricos

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Outro ponto destacado pela comissão durante a visita à Penitenciária de Linhares diz respeito ao armazenamento de documentos relacionados ao período em que a unidade recebeu os presos políticos e perseguidos pela Ditadura Militar. “Uma grande parte da documentação está em um depósito a parte. Um local sem condições de arejamento, cuidado e armazenamento. Podemos, inclusive, perder muito da memória deste período pela falta de um cuidado específico deste material”, pontua o coordenador da Covemg.

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Para evitar o comprometimento de tais documentos, Robson afirmou que já conversou com o subsecretário de Direitos Humanos, José Francisco da Silva, e comunicou à direção da Penitenciária de Linhares que irá fazer uma solicitação junto à Secretaria de Estado de Segurança Pública para que providencie a remoção destes documentos para um local que garanta sua integridade ou que transfira a posse dos mesmos para a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Cidadania. “Isto é uma parte da história que não pode ser perdida.”

Além da visita à Penitenciária, a passagem da Covemg por Juiz de Fora também resultou na realização de uma audiência pública na cidade, onde foram colhidos depoimentos de ex-presos políticos e de pessoas perseguidas pela Ditadura Militar, a Covemg dá sequência aos trabalhos e projeta a entrega de seu relatório final para novembro deste ano. Apesar de abranger um período que vai de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da atual Constituição -, a maioria das violações aos direitos humanos identificadas pelo colegiado foram praticadas durante a Ditadura Militar.

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Investigações vão além das fronteiras urbanas

O coordenador-geral da Covemg, Robson Sávio, ainda revelou que as apurações que vêm sendo realizadas pelo colegiado tentam desnudar um lado ainda pouco conhecido e explorar possíveis atos de truculência, violência e arbitrariedades praticadas para além dos centros urbanos, atingindo a indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais – neste último caso, há relatos de abusos na Zona da Mata. “A narrativa do golpe militar ainda está muito circunscrita ao ambiente urbano, aos estudantes e aos jovens da classe média. Sabemos que foi muito mais ampla, atingindo também os trabalhadores rurais. Estamos com uma linha de pesquisa muito focada nesta questão. Já identificamos em Minas vários focos que ensejam uma pesquisa e caracterização bastante consistente da violação de direitos de trabalhadores rurais, sindicatos e lideranças destes grupos”, avalia.

Robson considerou que os depoimentos colhidos durante os debates e as oitivas na cidade trouxeram novidades. Em especial, depoimento de Vanderli Pereira Pinheiro, que participou da criação de um sindicato de trabalhadores rurais em Tombos, mobilização que se ampliou por outros municípios mineiros. Vanderli, que chegou a ser vereador em Tombos, relatou que, mesmo após a redemocratização e promulgação da Constituição de 1988, os trabalhadores eram alvo de repressões psicológicas e ameaças.

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“É um depoimento que veio a confirmar algumas evidências que, em várias cidades da Zona da Mata, tivemos perseguição a sindicatos rurais. O problema da terra no Brasil é histórico, mas, durante o período da Ditadura Militar houve, um recrudescimento das ações contra camponeses”, afirma. Para o coordenador da Covemg, os abusos envolviam desde os donos de terra, que mantinham conexão com agentes do Estado e da ditadura, até empresas públicas e privadas que teriam sido privilegiadas por “ações discricionárias de agentes públicos em detrimento de comunidades tradicionais, quilombolas e trabalhadores rurais”.

Robson Sávio defende ainda que os trabalhos da Comissão da Verdade devem tornar públicos abusos contra indígenas ocorridos em Minas Gerais. “Vamos ter muitas novidades em nosso relatório. Teremos um capítulo especial dedicado à questão das etnias indígenas. Houve muita perseguição. Em Minas, a Polícia Militar teve uma guarda rural indígena. Inclusive com treinamento de indígena para vigiar seus próprios pares”, relata sobre caso identificado no Vale do Rio Doce.

Comissão deve se posicionar sobre morte de JK

A comissão deve ainda se posicionar com relação a uma página polêmica da história do país e do estado. “Temos caso, que aparecerá em nosso relatório, de pessoas que até então figuravam como vítima, e descobrimos que eram violadores de direito”, afirma o coordenador da Covemg. O colegiado pretende, inclusive, se manifestar sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubistchek, em um acidente automobilístico no dia 22 de agosto de 1976, quando viajava pela rodovia Presidente Dutra, perto do município de Resende, no sul do Estado do Rio de Janeiro. A morte de JK sempre foi cercada de polêmicas. Contudo, em 2014, os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluíram que JK não foi assassinado pela Ditadura Militar e que sua morte foi acidental.

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Após a entrega do relatório final dos trabalhos prevista para novembro, todo o material levantado deve integrar um portal na internet tornando as informações acessíveis à população. No ano que vem, também deve ser inaugurado o Memorial dos Direitos Humanos, que será composto por parte do material levantado durante os trabalhos da comissão. O memorial será montado no prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em Belo Horizonte. O local é considerado simbólico, uma vez que a unidade foi utilizada para a prática de torturas e abusos.

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