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Banquetaço protesta contra extinção do conselho de segurança alimentar

banquetaco by fernando capa
Entre outros alimentos, participantes serviram um bolo de mandioca salgado com legumes e pancs (plantas alimentícias não convencionais) com uma farofa da casca de mandioca (Foto: Leonardo Costa)
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A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) pela Medida Provisória 870/2019 motivou o protesto denominado Banquetaço, em que foram servidas mais de 15 mil refeições em cerca de 40 cidades de todos os estados do país, nesta quarta-feira (27). Em Juiz de Fora, cozinheiros, chefs de cozinha, ativistas de diversos movimentos e produtores locais se reuniram no Calçadão, em frente ao Cine-Theatro Central, para preparar uma grande refeição com alimentos agroecológicos, advindos da agricultura familiar, livres de agrotóxicos e conservantes e preparados coletivamente pelos voluntários. Da cidade, estiveram presentes, entre outros, Thiago Caiafa, Ingrid Borges e Fred Mendes. No Brasil, o ato reuniu vários chefs renomados, como Alex Atala, Bel Coelho, Helena Rizzo, Mara Salles, Ivan Ralston, Nina Horta, Josimar Melo.

Fundado no governo do presidente Itamar Franco, o Consea teve papel importante no combate à fome no país. Apesar disso, suas atividades foram interrompidas em 1995, tendo sido retomadas somente em 2003. “O trabalho do Consea teve grande responsabilidade pela saída do Brasil do Mapa da Fome, é um órgão que funciona. Sua extinção vai contra várias conquistas que tivemos lentamente, no sentido do combate à fome, ao direito à alimentação adequada, à inclusão, à segurança alimentar…. Esse evento é um ato político contra essa medida e também uma celebração da segurança alimentar e da atuação do Consea, porque comer é muito mais do que se alimentar; a gente se reúne, troca ideia, convive”, diz a produtora rural Christina Schitini, uma das organizadoras do protesto em Juiz de Fora e coordenadora da cozinha do Banquetaço.

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No menu, dois pratos foram servidos: um bolo de mandioca salgado com legumes e pancs (plantas alimentícias não convencionais) com uma farofa da casca de mandioca) e uma salada com os mesmos ingredientes, servida com vinagrete à base de cebola. “É um banquete com produtos locais, orgânicos e agoecológicos. O que estamos mostrando é a variedade nutricional e a riqueza destes ingredientes, com os quais fizemos dois pratos completamente distintos, mas equilibrados, saudáveis, ambiental e socialmente justos”, completa. Além dos pratos feitos pelos voluntários, o evento teve outros itens advindos de doação: quibe, pão, quiche, bolo de aipim doce e outros.

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Para Angélica Cosenza, coordenadora do grupo de educação ambiental da UFJF, o Banquetaço transcende a questão da segurança alimentar. “Ele fala, sim, de alimentação saudável, sem agrotóxico e do combate à fome, mas a questão da agroecologia também envolve o direito à terra, à saúde, à soberania alimentar, aos direitos essenciais. Por isso, temos tantas instituições reunidas aqui hoje”. Apesar da dissolução do Consea em âmbito nacional, existem conselhos municipais que atuam em cada cidade, e o de Juiz de Fora também estava presente no protesto. “Sem o Consea, não há as conferências que realizamos para debater as necessidades de política pública da segurança alimentar. A extinção do conselho vai contra a Constituição de 1988 e o estabelecimento do controle social em diversos níveis, inclusive o da segurança alimentar. É uma insanidade, uma ameaça à democracia e à cidadania”, avalia o presidente do Consea local, Hugo Bento.

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O presidente da Mogico (Monte de gente interessada em cultivo orgânico), Cazé Werner, destacou também o impacto econômico da dissolução do Consea. “Em Juiz de Fora, por exemplo, a Zona Rural não chega a representar 0,5% do PIB. Quando houve a greve dos caminhoneiros, a cidade ficou desabastecida. O que é produzido hoje com tantos agrotóxicos e outros venenos não pode sequer ser chamado de alimento. Por isso, a importância do Consea em âmbito federal, que cria mecanismos de incentivo ao consumo da segurança alimentar, do alimento bom, que cuida da saúde e não adoece. Isso também impacta as feiras, o produtor local. Cuidando da alimentação, cuidamos da terra, da economia e das pessoas.”

MP tem que ser apreciada pelo Congresso

A ideia do Banquetaço é viabilizar discussões sobre políticas alimentares através de banquetes públicos. A primeira ação aconteceu em São Paulo, em 2017, quando o então prefeito João Dória (PSDB) quis implantar a “Farinata”, complemento alimentar que seria produzido à base de produtos alimentares próximos de sua data de validade, para ser incluída na merenda municipal e em centros de acolhida da cidade.

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A ideia de Dória foi apelidada de “ração humana”, com fortes críticas de especialistas e do Conselho Regional de Nutricionistas de São Paulo, culminando com o protesto de agricultores, nutricionistas, membros do Consea, cozinheiros e ativistas que, na época, serviram duas mil refeições para conscientizar sobre a importância de uma alimentação adequada e saudável. Diante da polêmica e da abertura de procedimento do Ministério Público para acompanhar a iniciativa, Dória recuou e anunciou a ampliação da compra de produtos orgânicos.

Nesta edição, o protesto vem no sentido de revogar a decisão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que por meio de MP 870/2019, altera disposições constantes da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), responsável por assegurar o direito humano à alimentação adequada. A iniciativa dissolve o Consea, órgão de assessoramento direto da Presidência da República e integrante do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, a MP precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado), para se converter definitivamente em lei ordinária.

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