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Início da implementação do Plano Real completa 30 anos

Início da implementação do Plano Real completa 30 anos (Foto: Marcelo Ribeiro / Arquivo Tribuna de Minas)
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O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), um dos índices que mede a inflação do país, apontou alta de 46,8% nos alimentos. O preço das hortaliças e verduras mais que dobrou, com uma variação de 104%. Tubérculos variaram quase 74%; pescados, 67%; farinhas, 49,5%; e panificados, 46%. Frango, carnes frescas, frutas, açúcares e cereais também tiveram altas nos preços entre 42% e 51%. Todos esses dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se referem apenas ao mês de janeiro, de 1994.

No contexto atual, em dezembro de 2023, foi notícia na Tribuna uma alta no preço do azeite menor do que todas essas, de 32%, no período de todo o ano. A matéria mostrou que foi o suficiente para refletir no comportamento do consumidor brasileiro, adquirindo produtos de qualidade inferior.
“Para se ter uma ideia, a inflação acumulada nos 30 anos do Plano Real chega a quase 700%, mas, antigamente, tinha mais de 1000% de inflação ao ano”, compara o economista com PhD em Finanças, Bruno Dore, reconhecendo que, embora a atual possa ser considerada um pouco mais elevada, se comparada a países desenvolvidos, é tratada como totalmente controlada.

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Tudo isso começou no dia 27 de fevereiro de 1994, quando entrou em vigor a Medida Provisória 434, instituindo a Unidade Real de Valor (URV) – um padrão de moeda paralelo que coexistiu junto com o Cruzeiro Real, fazendo com que ocorresse uma transição para o Real, sem levar a inflação junto. “As pessoas chegavam no mercado e tinha dois preços: um em Cruzeiro Real, que continuava aumentando, e a URV, que não tinha inflação porque era equivalente a um dólar. Isso coexistiu por seis meses, até acostumar os brasileiros a pararem de pagar com a moeda fraca, para pagar com a mais forte”, explica Dore.

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Os salários também pararam de ser reajustados em Cruzeiro Real, embora ainda fossem pagos nessa moeda. Na hora da troca efetiva, foi mais fácil de se entender que só existiria o Real, e que 1 real seria igual a 1 URV. “Nessa transição levou-se muito pouco, quase nada, da inflação do Cruzeiro Real. Não foi uma coisa repentina igual aconteceu nos outros planos.” De acordo com o economista, nessas diversas tentativas anteriores, só se mudava o nome da moeda e tirava uns zeros, mas a inflação persistia e o preço dos produtos continuava aumentando, independente dessas características.

A estratégia deu certo. Enquanto, desde 1967, o maior tempo com a mesma moeda havia sido de 16 anos, com o Cruzeiro de 1970 a 1986, Dore afirma que, atualmente, não há nenhuma indicação de uma nova reforma monetária. “A inflação continua estabilizada nesses últimos 30 anos, não se perdeu a rédea da economia em nenhum ponto.”

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Trabalho em equipe

“Restringir a desvalorização ao corte de zeros no valor circulante”, nas outras experiências, é também a avaliação de Henrique Hargreaves, juiz-forano, ministro-chefe da Casa Civil do Governo federal, na época.

Ele conta que a diferença na linha de conduta fez com que a própria equipe tivesse muita confiança na empreitada. “O único receio reinante entre nós era a questão do tempo. O Plano Real foi lançado em julho de 1994 e o Governo estava terminando dentro de seis meses. Ainda havia muita providência a ser tomada que demandaria uma harmonia técnica para não desviar dos rumos pré-programados, e isso era uma incógnita em face da troca de Governo”, ressalta.

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A pasta que chefiava, com a função de integrar os ministérios, preferiu descentralizar a administração. As metas eram estabelecidas para cada um e o cumprimento delas era “automático”. Se houvesse algum problema com um ministério co-protagonista da ação, ele ajudaria a solucionar, trazendo “sempre o privilégio de ter a posição do Presidente sobre o assunto, dada a proximidade com o chefe do Executivo”.

Segundo Hargreaves, Itamar era, “antes de tudo, um bom ouvinte”, então mesmo já tendo tomado as próprias decisões, fazia questão de ouvir os ministros relacionados – sempre que possível, com a colaboração de uma outra pasta. “Mas, embora não se opusesse a mudar de opinião, a última palavra era sempre sua”, completa.

Logo em julho, primeiro mês de circulação do Real, a variação mensal do IPCA registrada pelo IBGE foi de 6,84% – caindo de 47,43% no mês anterior. Ao perceber que a implementação da estratégia foi bem-sucedida, a reação de Itamar foi “absolutamente normal”, revela o ex-ministro: “Com muita energia, satisfação e comedimento exigidos, pois estávamos tratando de ação governamental de consequências diretas sobre a população. Não caberia lugar para falhas e muito menos exageros que pudessem comprometer os rumos”.

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Disputa pela ‘paternidade’

“O Itamar não era de fazer comemoração, ele era muito sóbrio nas coisas. Ele sabia trabalhar a liturgia do cargo, então não houve nenhuma festa quando se notou que o Plano Real tinha realmente dominado a inflação”, confirma Marcello Siqueira, ex-presidente da Central Elétrica de Furnas, que, na época, era estatal. O engenheiro civil, que se considera do “pessoal mais ligado ao Itamar” e começou a trabalhar com ele quando ainda era candidato a vice-prefeito de Juiz de Fora, também aponta como um dos motivos para isso a preocupação do povo em geral quanto ao controle da inflação.

Mesmo reservado, o governo de Itamar não foi livre de polêmicas. Siqueira relembra que o ministro da Fazenda inicial era Eliseu Resende, que deu os primeiros passos para tentar dominar a inflação, mas teve o trabalho interrompido. “Ele fez uma viagem aos Estados Unidos que a imprensa divulgou muito. Ele era engenheiro e viajou ao lado de um engenheiro da Odebrecht. Aquilo foi como se fosse um crime. O que é uma pena, porque ele era um homem extremamente inteligente. Então ele teve que sair, foi quando Itamar colocou no lugar dele o Fernando Henrique, que deu continuidade a esse projeto do Itamar.”

Mesmo não sendo ministro, Siqueira ia a Brasília toda semana e participou de conversas sobre o projeto. Ele também declara não ter dúvidas da plena confiança que toda a equipe do presidente tinha no sucesso da proposta, justamente por quem comandava. “Apesar de que o Fernando Henrique quer puxar tudo para ele. Fernando Henrique não tem formação em economia. Sociólogo é uma profissão que não mexe com isso. Mas, muito vaidoso, quis falar que foi ele que fez o Plano Real. Não foi ele que fez o Plano Real coisa nenhuma. Começou com a criação da URV, Itamar era presidente da República”, dispara, a respeito de outra polêmica.

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A Tribuna solicitou um depoimento do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, à assessoria de sua fundação. Por meio de nota, a Fundação FHC informou que “a agenda institucional do presidente FHC a partir deste ano está restrita a reuniões privadas, não havendo mais disponibilidade de agenda para encontros com audiência mais ampla, participações ou entrevistas de qualquer natureza. Tendo completado 92 anos, o presidente tem se dedicado exclusivamente a compromissos de caráter pessoal e sua saúde”.

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