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Projeto que terceiriza ensino médio na rede estadual gera polêmica

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O Mãos Dadas, projeto do Governo mineiro que sugere a municipalização dos anos iniciais do ensino fundamental, que, hoje, são oferecidos, em parte, por escolas da rede estadual, não é o único a despertar preocupação na comunidade escolar. Outro ponto de discórdia entre os servidores estaduais da educação e a Administração do governador Romeu Zema (Novo) são as movimentações do Estado, que prepara testes para analisar a possibilidade de terceirizar a oferta do ensino médio oferecido pela rede estadual e repassar a gestão de unidades escolares a organizações da sociedade civil (OSCs). As avaliações fazem parte do Projeto Somar.

Representantes do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), que representa os profissionais da rede estadual de educação, conversaram com a reportagem e apontaram uma série de questionamentos acerca do programa. As críticas vão desde a falta de diálogo na apresentação do Projeto Somar, que já deve entrar em fase de testes em escolas da Região Metropolitana de Belo Horizonte no segundo semestre deste ano, ao entendimento de que, na prática, a medida pode resultar em uma espécie de privatização da prestação do ensino médio na rede pública estadual. Há também o receio de que a medida seja, no futuro, estendida a mais cidades do estado, chegando também a escolas do interior.

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“Esse é um projeto-piloto do Estado. Desde a campanha eleitoral, Zema deixou claro que queria repassar a educação para o setor privado. A proposta original era a de vouchers. Agora, ele mudou para esta proposta de repassar para as organizações sociais. Somos totalmente contra, pois se trata da privatização da educação pública”, avaliou Victória Mello, coordenadora regional do Sind-UTE na Zona da Mata. A sindicalista também critica o modelo que, a partir de 2022, irá transferir a responsabilidade sobre o corpo docente de três escolas escolhidas pelo Governo para testar o Projeto Somar a organizações da sociedade civil.

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“Os professores devem ser concursados e estáveis em seu trabalho. De preferência, com dedicação exclusiva, para que possam se dedicar por completo ao projeto pedagógico da escola e à comunidade escolar. Defendemos a escola pública. O que está sendo proposto é a destinação de dinheiro público para o setor privado”, pontuou Victória. No mesmo tom, o diretor estadual do Sind-UTE, Paulo Henrique Santos Fonseca, considerou que a medida é um ataque à educação pública. “O Governo pretende transferir para organizações sociais, teoricamente sem fins lucrativos, um montante muito maior que aquele que o Estado aporta, de forma direta, a seus estudantes.”

Paulo Henrique também criticou o fato de que o Projeto Somar prevê que o corpo docente e técnico das escolas que integrarem a iniciativa seja gerido pelas organizações sociais. “Os trabalhadores serão contratados de forma privada. Temos aí um ataque à instituição pública de educação e não temos nenhuma garantia para os trabalhadores, ou mesmo para os estudantes, pois isto se trata de uma ruptura do atual processo pedagógico. O Programa Somar subtrai dos estudantes do ensino médio uma escola pública, laica e de qualidade social.”

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Uma preocupação é que a medida seja, no futuro, estendida a mais cidades mineiras, chegando também às escolas do interior, como o Instituto Estadual de Educação, localizado em JF (Foto: Fernando Priamo)

Parceiras terão autonomia na gestão de escolas escolhidas

Na prática, no modelo apresentado para os testes no Projeto Somar, o Poder Público deixa de gerir o ensino médio em algumas escolas estaduais, que passarão a ser administradas pelas organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. Assim, as OSCs terão autonomia na condução destas instituições, que, todavia, continuarão sob a jurisprudência institucional do Estado. As parceiras terão certa autonomia no plano pedagógico, com flexibilidade para apresentar propostas para a formação dos estudantes, respeitando a grade curricular obrigatória e homologada pelo Conselho Estadual de Educação para todas as redes de ensino de Minas Gerais.

Para além dos aspectos pedagógicos, as organizações da sociedade civil também terão autonomia administrativa para compor o corpo docente dessas escolas. Desta maneira, os professores deixam de ser servidores do Estado ou designados pelo Governo de Minas por meio da Secretaria de Educação e passam a ser contratados pelas organizações no processo em regime celetista – nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), portanto.

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Escola Estadual Clorindo Burnier, no Barbosa Lage, é uma das instituições situadas na cidade que oferece ensino médio a estudantes juiz-foranos (Foto: Marcelo Ribeiro/Arquivo TM)

Governo diz que projeto não busca resultados econômicos

Os professores efetivos que atuam nas escolas abrangidas pelo Projeto Somar serão remanejados para outras unidades. Por outro lado, os cargos de diretor, vice-diretor e secretário escolar serão ocupados por servidores públicos estaduais. Neste caso, esses profissionais, especificamente, permanecem na folha de pagamento da Secretaria de Estado de Educação. Todavia, os recursos para remuneração dos mesmos ficarão a cargo das parceiras.

“O principal objetivo do projeto Somar é a melhoria da qualidade do ensino a partir de um novo modelo de gestão, buscando diferentes estratégias para a implementação do Novo Ensino Médio, mais aberto ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Não há um propósito de economia financeira por parte do Governo, já que os valores repassados terão como base o mesmo valor médio já gasto anualmente por aluno nessas unidades e nas demais geridas pelo Estado. Esses valores estão previstos nos editais, o que demonstra a transparência no processo”, afirmou a SEE em nota encaminhada à reportagem.

Modelo será testado em três escolas da Região Metropolitana de BH; editais já estão abertos

O Governo de Minas já pretende testar o modelo, e lançou um edital para gestão compartilhada de três escolas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os editais dos chamamentos públicos foram publicados no final de abril. Integram os testes as escolas estaduais Maria Andrade Resende e Francisco Menezes Filho, em Belo Horizonte, e Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará. As três unidades atendem cerca de 2,2 mil alunos.

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Os editais permanecem em aberto, e as organizações da sociedade civil interessadas na gestão compartilhada destas unidades, de forma individualizada, têm até o dia 16 de junho para apresentação de propostas de indicadores de qualidade de educação. A intenção do Governo é de que a parceria seja assinada até o fim de julho, e que as parceiras selecionadas no processo já comecem a atuar a partir do segundo semestre.

Troca de professores ocorrerá a partir de 2022

Apesar de o Governo prever o início da gestão compartilhada ainda para este ano, as alterações no corpo docente das unidades só poderão acontecer no início de 2022, de forma a garantir o fim do atual ano letivo e a transição do modelo de gestão das três escolas. O Governo do Estado defende que a seleção das OSCs considerará as experiências declaradas por cada entidade na área de educação, além de outros aspectos como tempo de atuação e a qualificação de sua equipe.

Desta forma, a intenção do Governo é de que o novo modelo cumpra objetivos como a redução da evasão escolar, melhora dos índices de aprovação e das avaliações externas de desempenho dos estudantes mineiros da rede pública estadual no incremento da qualidade do ensino médio. O Projeto Somar é inspirado nas chamadas “escolas charter” dos Estados Unidos, que são instituições mantidas com recursos estatais, mas com um contrato de gestão privada junto a comunidades ou organizações sociais.

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Modelagem

À Tribuna, a Secretaria de Estado de Educação afirmou que, para o desenvolvimento da modelagem do projeto, realizou diversos estudos técnicos para elaborar um modelo de gestão compartilhada adequado à realidade da rede estadual, “tanto da parte de gestão, quanto de pessoal, financeiro e pedagógico”. “A Secretaria também contou com importantes contribuições ao longo do desenvolvimento da proposta, como do professor universitário e consultor Fernando Schuler, que trouxe experiências de sucesso e desafiadoras de outras iniciativas da área; e da pesquisadora Filomena Siqueira, que contribuiu na modelagem pedagógica do projeto e construção da metodologia de acompanhamento das metas”, diz a pasta, por meio de nota.

Estado destaca que escolas continuarão públicas e gratuitas e terão as matrículas sob responsabilidade da Secretaria de Educação. Novo modelo de gestão busca melhoria da qualidade de ensino (Foto: Fernando Priamo)

Despesas são estimadas em R$ 5 mil por aluno ao ano

Segundo o Governo, as despesas com o Projeto Somar estão estimadas em cerca de R$ 5 mil por aluno ao ano. A secretária estadual de Educação, Júlia Sant’Anna, contudo, afirma que os valores para a manutenção do modelo não virão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Professores da Educação (Fundeb). Assim o Projeto Somar deve ser custeado com recursos do tesouro estadual.

Júlia ressalta ainda que o intuito do Governo de Minas não é o de economizar, mas de manter padrões de despesa compatíveis com os investimentos atuais. Na ocasião do lançamento do edital, a secretária afirmou que possível expansão do projeto depende da avaliação dos testes-pilotos que devem ser iniciados a partir do segundo semestre.

O Estado destacou que as escolas permanecerão públicas e gratuitas e terão suas matrículas sob a gestão da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Segundo o Governo, as ações inovadoras e implementadas nas escolas-piloto serão acompanhadas de forma atenta pela Secretaria de Estado de Educação para que possam, caso aprovadas, ser incorporadas em outras unidades de ensino Todas as escolas escolhidas para o teste-piloto ofertam exclusivamente o ensino médio e apresentam indicadores educacionais abaixo da média do Estado.

Para Estado, proposta se adequa ao ‘Novo Ensino Médio’

O Governo de Minas aponta que a proposta acontece no âmbito das funções do chamado Novo Ensino Médio definido em âmbito nacional por meio da aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Lei federal 13.415, de 2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Entre as principais mudanças, está a definição de que, até 2022, as escolas brasileiras de ensino médio deverão implementar uma carga horária mínima de mil horas anuais. Atualmente, a carga obrigatória corresponde a 800 horas. As novas regras ainda permitiriam o aumento da autonomia e da diversidade de formação dos estudantes.

 

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