O futuro da Companhia de Saneamento Municipal (Cesama) e de toda a prestação de serviço de abastecimento de água e de esgoto em Juiz de Fora preocupa atores políticos locais. O temor é por uma possível privatização do sistema, possibilitada pela aprovação do novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, que entrou em vigor no ano passado. Sob a égide de garantir avanços no setor em todo país, a nova legislação, de autoria da União a partir de uma medida provisória editada ainda em 2018, visa a facilitar a privatização de estatais do setor e extingue o modelo atual de contrato entre municípios e empresas de água e esgoto, conforme divulgado pelo Senado, quando da aprovação do texto.
Pelas regras até então vigentes, as companhias obedeciam a critérios de prestação e tarifação, definidos por agências reguladoras, mas podiam atuar sem concorrência. O novo marco transforma os contratos em vigor em concessões com aquele que vier a assumir os serviços e torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas.
Ante a tal cenário, o Governo de Minas avança na construção de um projeto que prevê a criação de unidades regionais de saneamento básico em Minas Gerais, formando blocos para possíveis leilões de privatizações. Os trabalhos são coordenados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que, no último dia 31 de março, apresentou um esboço do planejamento a concessionárias privadas de água e esgoto de todo o país.
“Essa apresentação para os maiores operadores da iniciativa privada do Brasil foi muito enriquecedora porque o mercado tem suas percepções, e é muito importante saber como nosso trabalho para universalizar o saneamento está sendo absorvido”, avaliou o subsecretário de Gestão Ambiental e Saneamento, Rodrigo Franco, na ocasião.
Câmara fará audiência pública para tratar do tema
Tal movimentação da Semad junto à iniciativa privada ligou um sinal de alerta em diversos agentes políticos do Município. Em reunião realizada na última sexta-feira (16), o temor de uma possível privatização do sistema teria sido revelado a vereadores pelo próprio diretor-presidente da Cesama, Júlio Teixeira. Vários relatos públicos de parlamentares confirmaram tal versão e, assim, o tema foi levado para debate esta semana no Poder Legislativo juiz-forano.
Na reunião ordinária da Câmara da última segunda-feira, o vereador Bejani Júnior (Podemos) trouxe o tema à baila nas discussões de plenário, o que provocou a manifestação de vários parlamentares. Já na terça (dia 20), um bloco de 17 parlamentares apresentou um requerimento solicitando a realização de uma audiência pública para tratar do tema e pediram que o encontro seja realizado em caráter “urgentíssimo”.
Para as discussões, devem ser convocados as secretárias municipais de Governo, Cidinha Louzada; e da Fazenda, Fernanda Finotti; e o diretor-presidente da Cesama, Júlio Teixeira. Ainda devem ser convidados os deputados estaduais Betão (PT), Noraldino-Junior (PSC) e Delegada Sheila (PSL); e os deputados federais Charlles Evangelista (PSL), Lafayette Andrada (Republicanos), Júlio Delgado (PSB) e Rogério Correia (PT).
Prefeita destaca empresa como ‘patrimônio da cidade’ e rechaça privatização
Em meio às preocupações manifestadas pelos vereadores, a prefeita Margarida Salomão (PT), que era deputada federal à época das discussões do novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, destacou que a Cesama é um patrimônio público da cidade e afirmou que a empresa pública não será privatizada.
“Na minha atuação no Congresso, sempre defendi as empresas públicas de saneamento. A Cesama é um patrimônio do povo de Juiz de Fora, uma empresa que presta um serviço inestimável, que apresenta saúde financeira, e que está inteiramente dentro das normas de regulação dos serviços de saneamento.
Não existe qualquer possibilidade da Cesama ser privatizada”, afirmou ao ser indagada pela reportagem.
Presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito, Meio Ambiente e Acessibilidade da Câmara, o vereador Zé Márcio Garotinho (PV) também conversou com a reportagem e disse que há uma preocupação dos vereadores em fazer uma defesa da Cesama, também sob o prisma da defesa da empresa pública como um patrimônio importante da cidade.
“O Marco do Saneamento prevê que todo o sistema pode ser concedido à iniciativa privada através de licitação. Os governos estaduais têm um prazo para criar consórcios regionais e licitar o saneamento dessa região. A Cesama poderia entrar e disputar, mas a chance da Cesama vencer competindo com multinacionais é muito pequeno”, avaliou Garotinho.
Semad: ‘não há previsão para realização de leilões’
Em nota encaminhada à Tribuna, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), por meio da Subsecretaria de Gestão Ambiental e Saneamento (Suges), afirmou que vai disponibilizar para consulta pública um anteprojeto de lei sobre a criação das Unidades Regionais de Saneamento Básico em Minas, o que deve acontecer na próxima semana. Segundo a titular da Semad, Marília Mello, a disponibilização do texto ao público pode acontecer ainda nesta sexta-feira (23) ou na próxima segunda.
Ainda de acordo com a pasta, o projeto está em desenvolvimento no órgão ambiental do Governo de Minas e prevê o atendimento às obrigações previstas na Lei Federal 14.026/2020 que instituiu o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico no Brasil.
Ainda segundo a pasta, na consulta pública, todos os atores envolvidos e a população em geral poderão contribuir com sugestões para a prévia do texto do projeto de lei. “Após o término da consulta, a Semad analisará as contribuições e fará adequações no texto do projeto de lei para envio à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). É importante esclarecer, ainda, que até o momento não há previsão para realização de leilões.”
Assim, a pasta reforça que o planejamento prevê, até agora, a instituição das unidades regionais em cumprimento à Lei Federal 14.026/2020. “Vale destacar, também, que o foco do projeto é estabelecer um agrupamento de municípios capaz de viabilizar, tecnicamente e economicamente, a prestação dos serviços de saneamento, com vistas à universalização. A proposta do Estado não direciona para um ou outro prestador de serviço”, diz a Semad.
“Além do anteprojeto, a consulta pública deixará disponível também uma Nota Técnica que apresenta a metodologia de construção das unidades, além da constituição de cada unidade regional. Assim, será possível obter detalhes do contexto em que o município de Juiz de Fora está inserido no âmbito do projeto”, ressalta a secretaria, quando perguntada sobre a situação de Juiz de Fora.
Apresentação à iniciativa privada
Questionada sobre o fato de ante projeto ter sido apresentado a concessionárias e agentes da iniciativa privada antes de ser colocado para apreciação pública, a Semad pontuou que as movimentações “tiveram o objetivo de colher contribuições e referências de mercado para estabelecer premissas que visam nortear as análises de sustentabilidade econômica das unidades regionais de saneamento”.
Esboço prevê a criação de 34 blocos municipais para a gestão de resíduos
Na noite da última terça (20), a secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Mello, participou de um colóquio realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em que falou sobre os trabalhos desenvolvidos pelo Governo de Minas para a formação das unidades regionais de abastecimento de água no âmbito do Estado.
A reportagem teve acesso ao material utilizado por Marília durante a apresentação. O PowerPoint traça um breve panorama do estado e aponta que 85% da população urbana tem coleta de esgoto sanitário; e 83%, a água tratada. Antes de indicar alguns pontos do projeto, foi reforçado que a adesão dos municípios as unidades regionais a serem propostas pelo Governo de Minas será facultativa.
No esboço apresentado pela Semad, foram apontadas a indicação da criação de 34 Unidades Regionais de Gestão de Resíduos e 26 Unidades Regionais de Água e Esgoto. Os blocos foram definidos com base em contingentes populacionais de, pelo menos, 300 mil habitantes. O material trouxe ainda alguns detalhamentos, como o fato de que o período previsto para concessão dos serviços de abastecimento de água é de 30 anos e a rentabilidade de 7,69% (na maioria das regiões). O objetivo é o de alcançar a universalização do saneamento em todo o estado até o ano de 2033.
Estado corre contra o tempo com proximidade de prazo final
Segundo o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, a gestão da prestação do serviço deverá ser compartilhada entre os governos municipais e estaduais. Assim, após a publicação da legislação federal, o que aconteceu em 15 de julho de 2020, os estados terão um ano para formar unidades regionais de saneamento, agregando municípios, mesmo que não sejam vizinhos, para viabilizar economicamente cidades menos favorecidas. A adesão dos municípios, contudo, será voluntária.
Caso os estados não cumpram o prazo indicado, a União poderá formar blocos de referência para otimizar o serviço a fim de se obter ganhos de escala e aumentar a universalização e a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços. Mesmo neste caso, a adesão continua a ser voluntária. A secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Mello, afirmou que o intuito do Governo é de que o projeto de lei seja encaminhado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais em “meados de maio”.
Discussões tiveram início em setembro do ano passado
Segundo a Semad, os trabalhos para a criação de Unidades Regionais de Saneamento Básico de Minas Gerais foram iniciados a partir de 22 de setembro de 2020, por meio da Resolução Conjunta nº 2.994, publicada no Diário Oficial do Estado. “À época, a norma criou um grupo de trabalho, coordenado pela Semad, para estudar o melhor modelo para a criação das unidades regionais”.
O grupo de trabalho ainda conta com a participação de outros órgãos. Entre eles, as secretarias de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag); de Governo (Segov);de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra); de Desenvolvimento Econômico (Sede); além do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam); de Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário (Arsae/MG); da Fundação João Pinheiro (FJP); do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG); e do Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (Indi).
Sobre a criação das unidades regionais, o Estado afirma que o objetivo dos trabalhos são de “organizar municípios, que não precisam ser limítrofes, e assim promover a sustentabilidade técnica e financeira para realização de ações conjuntas que visam o cumprimento dos prazos da universalização da oferta de serviços de esgotamento sanitário, abastecimento de água e gestão de resíduos sólidos urbanos, previstos no Novo Marco Regulatório”.