A possibilidade de atendimento 24 horas às vítimas de violência doméstica foi tema de audiência pública em Juiz de Fora nesta quinta-feira (23). A conversa reuniu, na Câmara Municipal, representantes de nove entidades que desenvolvem trabalhos na área de atendimento a vítimas. A audiência partiu de requerimento da vereadora Tallia Sobral (PSOL), a fim de reforçar a necessidade do atendimento noturno a partir dos dados divulgados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Conforme apontado pela parlamentar, o Brasil teve 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres em 2022, sendo que a maior ocorrência dos casos aconteceu fora do horário comercial de funcionamento das políticas públicas de atendimento.
De acordo com Tallia, o tema partiu de uma construção coletiva envolvendo entidades, movimentos e partidos políticos para o evento do 8 de Março deste ano em Juiz de Fora. “Essa audiência só se justifica porque nós vivemos uma pandemia. Tenho usado esse termo para compararmos porque acabamos de passar por uma (…) e sentimos diretamente o efeito do que é a morte em massa da nossa sociedade. O que acontece com as mulheres é a morte em massa, historicamente. As nossas mulheres são assassinadas pelo simples fato de serem mulheres.”
A partir das falas das convidadas, a parlamentar reforçou a necessidade de priorização de políticas públicas para pensar também no antes e depois dos casos de violência, no caso, o que fazer para prevenir e como auxiliar as vítimas após as ocorrências. Além disso, Tallia destacou o quanto há subnotificação por conta de fatores como a própria falta de humanização no atendimento das vítimas.
“Precisamos de políticas públicas para que os homens não se tornem eternos agressores e para que o corpo da mulher não seja visto como propriedade do homem. Falo do homem porque, centralmente, a maior parte da violência doméstica ou pública vem a partir dos homens. São dados do que é notificado, mas a maior parte é subnotificada”, aponta. “Quantas mulheres nunca denunciaram a violência que sofreram ou contaram para alguém porque têm vergonha, porque se sentem culpadas, responsabilizadas, e já se sentem condenadas pela sociedade? Isso indica o quanto a violência é silenciada.”
Durante a audiência, as convidadas apresentaram projetos de acolhimento às vítimas de violência, bem como destacaram outras deficiências no sistema de apoio a essas mulheres. Houve questionamentos sobre a falta de atendimento humanizado por parte da segurança pública, ou mesmo o prosseguimento de processos contra os agressores pelo Poder Judiciário. Diante dessas indagações, o presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, vereador Zé Márcio (Garotinho, PV), apontou a necessidade de dar continuidade ao tema em outra audiência pública, convidando representantes da Polícia Militar, do Judiciário e do Ministério Público de Minas Gerais.
As entidades convocadas para a audiência foram 8M JF, Astra, Conselho da Mulher, Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, Casa da Mulher, Centro Integrado de Atendimento à Mulher (CIAM), Secretaria Especial de Direitos Humanos, Coletivo Pretxs em Movimento e Movimento Mulheres em Luta.
Casa de passagem e assistente virtual
Durante a audiência pública, Franciane Rabello dos Santos, que representava o secretário Especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Gabriel dos Santos Rocha, informou que a Administração trabalha para criação de uma casa de passagem emergencial para as mulheres. De acordo com Franciane, há uma lacuna no sistema, pois, muitas vezes, as vítimas não têm um lugar seguro para irem após os episódios de violência.
“Já foi contratada a empresa que vai fazer a construção do prédio. Está sendo feito o estudo técnico da planta, e temos certeza que, em breve, vamos inaugurar o espaço para acolher melhor essas mulheres no formato de 24 horas, porque a violência, geralmente acontece à noite, e para onde essa mulher vai? Então ela vai ter esse espaço assegurado pela Prefeitura para ser acolhida e para que, depois, os outros encaminhamentos que a Casa da Mulher possa proporcionar sejam efetuados.”
Além da iniciativa da PJF, a Polícia Civil de Minas Gerais, por meio da titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Danielle Alves Ribeiro, anunciou que, a partir da próxima terça-feira (28), Juiz de Fora irá contar com o “Chame a Frida”, uma assistente virtual que realiza atendimento imediato à vítima. A assistente dá orientações e conta, inclusive, com uma ação de emergência em situações de flagrantes, que são direcionadas para a PM. “Acredito que vai ser um grande avanço para as mulheres em Juiz de Fora”, apontou a delegada.