Em meio à pandemia, Juiz de Fora teve abstenção recorde no primeiro turno das eleições municipais, realizado no último domingo (15), na comparação com as primeiras etapas dos três últimos pleitos para prefeito, ocorridos nos anos de 2016, 2012 e 2008. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 113.983 eleitores aptos não compareceram às urnas. Ou seja, 27,77% do universo de 410.339 votantes optaram por não comparecer às seções ou não puderam exercer o direito à escolha do próximo chefe do Executivo e dos 19 vereadores que vão representar a população na Câmara Municipal nos próximos quatro anos.
Para se ter uma ideia da quantidade de pessoas que ficaram alheias ao processo eleitoral, o número de faltosos supera em mais de dez mil os 102.489 votos (39,46%) obtidos pela primeira colocada, Margarida Salomão (PT), e em mais de 54 mil o total obtido por Wilson Rezato (PSB), que foi para o segundo turno com o apoio de 59.633 eleitores (22,96%).
Os votos brancos (12.532) e nulos (24.103) somaram 12,36% na eleição majoritária e, se acrescidos ao total de abstenções, elevam para 40% a porcentagem de eleitores que não escolheram qualquer um dos candidatos apresentados para gerir a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) a partir de janeiro. Já na eleição proporcional, os brancos (16.009) e nulos (20.984) totalizaram 12,48%.
As estatísticas do TSE também revelam que a abstenção tem crescido a cada ciclo eleitoral. Em 2008, quando havia 368.011 eleitores, 14,84% (54.654) não foram votar no primeiro turno. Quatro anos depois, em 2012, quando o eleitorado reunia 386.662 pessoas, 17,33% (67.011) delas se abstiveram na primeira etapa do pleito. Nas eleições municipais em 2016, a porcentagem de faltosos chegou a 20,04%, significando que 79.234 votantes, do total de 395.425, não exerceram seus direitos. O comparecimento também sofreu queda entre as eleições presidenciais de 2014 e 2018, passando de 18,64% de abstenções para 20,34%.
Impacto das crises sanitária e econômica
Para o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, os motivos que explicam o volume de ausências no primeiro turno são variados e podem ir desde a crise sanitária, em decorrência do coronavírus, até dificuldades financeiras para deslocamento diante do atual período econômico, passando por problemas estruturais e possíveis descrenças. “A abstenção de 2020 era esperada. Todos analistas apontavam os riscos de termos índices históricos, porque estamos no meio de uma pandemia. Certamente, muitos setores do eleitorado ficaram temerosos de ir às urnas, de participar de um processo que talvez envolvesse muitas pessoas em espaços fechados.”
Na opinião de Paulo Roberto, apesar dos cuidados de higiene exigidos para a votação, como uso de máscaras e álcool gel nas mãos antes e depois da digitação na urna, esse temor é plausível e desestimulou pessoas a irem votar. “Além de outra variável. Não tem só uma crise sanitária, estamos vivendo também uma crise econômica. Quantos eleitores mantêm seus títulos em uma cidade quando já estão morando em outra?”
Nessa perspectiva, segundo ele, o cenário econômico pode ter dificultado as viagens aos locais de votação, impactando também a abstenção, não só em Juiz de Fora, mas em muitos lugares no país, que teve média de 23,1% de não comparecimentos. Segundo a Agência Brasil, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro apresentaram os maiores índices de faltosos, com 27,3% e 28%, respectivamente. Os menores registros foram no Piauí (15,4%), Paraíba (15,7%) e Ceará (16,9%). Nas eleições presidenciais de 2018, a média de abstenção no Brasil havia sido de 20,3%, superior aos 17,5% de 2016.
Além dos motivos para ausência citados, considerados pelo cientista político como de “curtíssimo prazo”, por estarem ligados à pandemia, Paulo Roberto leva em consideração a sistemática da Justiça Eleitoral. “Muitos municípios que fizeram recadastramentos tiveram diminuição na abstenção.” Isso acontece porque a atualização dos sistemas permite definir, de fato, quem são os potenciais eleitores, eliminando da contagem, inclusive, pessoas já falecidas.
Descrença e discurso antidemocrático
Outra questão importante, já do ponto de vista de longo prazo, ressaltada pelo especialista, é que o crescimento da abstenção ao longo dos últimos ciclos eleitorais pode ser um indicativo de percepção da democracia, por parcela do eleitorado, que desestimula a participação.
“Um dos grandes temas dos manifestantes de julho de 2013 era que o sistema político não os representava adequadamente. De lá para cá, tivemos uma série de escândalos políticos, envolvendo alguns dos principais partidos. Houve uma série de polarizações que produziram muito ódio, tendo talvez como ápice desse processo as eleições de 2018. É razoável supor que haja nesse fenômeno, de uma crescente abstenção, uma fatia da opinião pública que está desconfiando da capacidade da democracia entregar resultados desejados.”
O temor dessa situação descrita, conforme Paulo Roberto, é que, diante dessa descrença, possa prosperar o discurso antidemocrático. “Não é do nada que surgem pessoas fazendo a defesa de outros modelos, que não a democracia. Há um substrato de desconfiança das instituições, dos políticos, dos partidos, que pode, em algum momento, se traduzir em desconfiança da própria democracia. E há produção desse discurso falso de que houve momentos não democráticos bons no país, enquanto qualquer um que tenha vivido a ditadura, com um mínimo de senso crítico, percebe que todos os dilemas que a democracia implica ainda são melhores do que um regime autoritário.”
O cientista político conclui, portanto, que a baixa participação nas urnas pode ser também reflexo da descrença no jogo democrático por parte da sociedade. “Há necessidade de forças democráticas reconectarem-se a essas parcelas do eleitorado, que possam estar desencantadas com a democracia, e convencê-las de que o pior cenário, para qualquer possibilidade de transformação, é exatamente a apatia eleitoral ou a não participação.”