Em visita a Juiz de Fora onde, no último dia 11, participou de ato de um desagravo público em defesa de prerrogativas profissionais dos advogados, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, recebeu a reportagem da Tribuna para debater a atual conjetura nacional, que expõe posicionamentos divergentes entre a classe política e o Poder Judiciário. Durante a entrevista, Lamachia mostrou seu posicionamento pessoal e o atual pensamento da Ordem acerca de temas polêmicos. Entre eles, defendeu que o Congresso Nacional acate a denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) e autorize ao Supremo Tribunal Federal (STF) a investigar o peemedebista.
Lamachia comentou ainda sobre o pedido de impeachment protocolado pela OAB contra Michel Temer, por suposto crime de responsabilidade supostamente cometido no caso em que o presidente foi flagrado em conversas com empresário da JBS. O presidente do Conselho Federal da OAB ainda criticou o fundo eleitoral criado para o financiamento público das campanhas eleitorais a partir de 2018, com custo estimado de R$ 1,7 bilhão. Ele adiantou ainda que a Ordem analisa a possibilidade de preparar uma ação de inconstitucionalidade (Adin) para questionar a validação de tal fundo.
Tribuna – Qual o posicionamento da Ordem acerca do atual momento vivido pelo país, em que, de alguma forma, vemos um certo questionamento e, até mesmo, enfrentamento entre a classe política e os setores do Judiciário?
Claudio Lamachia – É um momento sem precedentes na história. Um momento difícil. Mas as instituições estão funcionando em sua plenitude. Com alguns questionamentos, é claro. Mas isto é próprio de uma democracia. Principalmente de uma democracia jovem como a nossa.
– O senhor disse ser este um momento de preocupação. Quais movimentos a Ordem tem feito para tentar se inserir nessa discussão política e, até mesmo, blindar a categoria?
– A OAB tem defendido o Estado de Direito e princípios constitucionais que são muito caros e precisam ser lembrados a todo momento. A Ordem tem cumprido o seu papel no combate à corrupção e à impunidade, apresentando projetos e proposições. Ao longo dos últimos anos, a OAB tem compatibilizado seu discurso com a prática. Por exemplo, é da OAB, juntamente com diversas outras entidades da sociedade civil, a Lei 9.840. Foi a primeira lei de iniciativa popular do Brasil, que foi fomentada e nasceu na OAB, e trata da ideia do combate à corrupção eleitoral, à venda e compra de votos e ao uso de prédios e máquinas públicas no processo eleitoral. A OAB recentemente foi ao STF buscar a declaração de inconstitucionalidade da lei que possibilitava o financiamento de empresas para partidos e candidatos políticos, pois entendíamos que estava ali a raiz da corrupção política e eleitoral. A relação promíscua de algumas empresas com alguns políticos ficou comprovada por todas as operações que aí estão.
Ao longo dos últimos anos, a OAB também trabalhou de forma direta para a aprovação da Lei de Ficha Limpa, que também nasceu na instituição. Uma lei que é fundamental para esta depuração política que queremos. São apenas três exemplos claros e concretos do que fizemos. Temos trabalhado muito na linha de lançar campanhas contra a corrupção, pela ética na política e contra a impunidade. Mas temos que contrabalançar isto, demonstrando para a sociedade que só vamos combater a corrupção e os crimes nos termos da lei.
Não se pode pretender combater o crime, cometendo outro crime. Quando é que se comete outro crime? Quando se desrespeita prerrogativas de advogados na atuação processual; quando se desrespeita garantias fundamentais do cidadão; quando se conduz coercitivamente um cidadão para um depoimento de forma espetaculosa, de forma que a pessoa tenha sua imagem manchada. Por outro lado, entendemos que o país passa por um processo de depuração necessário. Tenho dito que o país está renascendo. Não tenho dúvidas nenhuma de que vai renascer muito melhor do que era. Vamos sair desta crise fortalecidos. Mas agora é um momento de atenção e preocupação, em que temos que ter instituições, como é o caso da Ordem, que tenham equilíbrio, serenidade e ponderação. Até mesmo para mediar eventuais situações de conflitos entre poderes.
– Falando sobre a questão da corrupção, vivemos um momento em que boa parte da classe política está sob suspeição, com o Congresso Nacional, inclusive, analisando uma denúncia contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB). Qual o posicionamento da Ordem sobre a abertura ou arquivamento da denúncia?
– Com relação ao crime comum, que é o que o presidente está respondendo nesta segunda denúncia no âmbito do Congresso Nacional, a OAB tem um posicionamento muito claro. Temos afirmado que seria recomendável para a nossa democracia que o presidente respondesse por esta denúncia, prestasse contas e apresentasse sua defesa imediatamente. O encaminhamento da denúncia ao Supremo deveria ser aprovada. A sociedade brasileira vive uma situação de incerteza diante de todas as denúncias que correm contra o presidente da República. Vai ficar muito ruim para a sociedade a ideia de que isto fique sobrestado até o final do mandato. Trata-se do principal mandatário do país. Logo, deveria ser o primeiro a ter o interesse de provar sua inocência. Com relação a crimes de responsabilidade, a OAB também tem posição clara. Tanto que fizemos uma denúncia de impeachment por crime de responsabilidade contra o presidente Michel Temer, assim como fizemos com a presidente Dilma Rousseff (PT). Lamentavelmente. Não temos prazer ou sentimos orgulho deste momento que estamos vivendo. Em 86 anos da história da OAB, havíamos pedido apenas um impeachment. Agora, em menos de um ano e meio, nos vimos impelidos a pedirmos dois impeachments. O que demonstra a independência de nossa instituição e que a Ordem não se movimenta de acordo com paixão políticas, ideológicas ou partidárias. A OAB se movimenta de acordo com a lei e a Constituição.
– O senhor tem se posicionado abertamente contrário à proposta aventada pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, de gravar conversas entre presos e advogados nos presídios federais como forma de combater o crime organizado. Quais as ponderações feitas sobre a discussão?
– A Ordem e todos os advogados, quando assumimos a função, juramos defender a Constituição federal e defender a lei. A gravação de um advogado com um cliente é absolutamente ilegal. A Constituição também impõe a inviolabilidade do advogado. Isto não como uma garantia para o advogado. Esta garantia não é nossa como profissionais, mas pertence ao cidadão que nos contrata para trabalhar em sua defesa.
Portanto, a ideia de gravação de conversas entre advogados e clientes é um verdadeiro ato de desrespeito aos princípios mais básicos do direito. O Estado democrático de direito demonstra sua evolução a partir do respeito a lei. Isto não quer dizer que a gravação de conversas entre advogados e seu cliente – ou quem quer que seja – não possa ser feita em casos específicos. Para isto é necessário que o advogado esteja sendo investigado e que haja uma ordem judicial para tal. Se for comprovado que este advogado transgrediu preceitos éticos e está se associando ao crime, ele deixa de ser advogado e passa a ser um criminoso. Não queremos criminosos inscritos na OAB. Temos advogados inscritos e enquanto forem inscritos na Ordem, merecem a proteção da instituição.
– A OAB também tem questionado a criação de um fundo eleitoral para financiamento público das campanhas. Qual, a seu ver, seria a melhor maneira de bancar os custos eleitorais?
– O fundo eleitoral é um deboche. É mais uma demonstração clara que o Congresso Nacional está em total dissintonia com a sociedade. Ora, em um país que tem carências na área da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio Judiciário, como se pretende investir R$ 1,7 bilhão. Pior: como é que se pretendeu pensar em criar um fundo de R$ 3,6 bilhões? Lembrando: não temos somente este fundo. Já temos um fundo partidário de cerca de R$ 1,8 bilhão. Temos todo financiamento das campanhas a partir dos programas de rádio e TV, que é pago a partir de desoneração tributária. Os custos da campanha são muito caros. Não precisamos disso. Sou contra a ideia de financiamento público de campanha. Até porque o que temos no fundo partidário já significa uma forma de financiamento público. Tenho defendido que haja um barateamento das campanhas a partir de atos mais simples, como o uso das redes sociais e dos celulares. Tivemos um exemplo claro de que a campanha pode ser realizada sem este fundo, que foi a campanha de 2016. Uma campanha que foi realizada pela primeira vez sob a égide da legislação que proíbe o financiamento de empresas a partidos e candidatos. Tivemos uma campanha muito propositiva, com uma maior interação com a sociedade a partir das redes sociais. De quebra, tivemos um outro ganho, que foi nossas ruas mais limpas.
– A OAB pensa em questionar a criação do fundo por meio de uma ação de inconstitucionalidade?
– Aí, vamos ter que estudar.
– Isto quer dizer, então, que tal possibilidade não está descartada?
– A Ordem vai examinar. Há outros aspectos que precisam ser analisados e serão colocados em discussão no pleno do conselho federal. Como a aprovação desta reforma política que trouxe algumas situações que terão que ser olhadas, como a falta de limitação para o autofinanciamento. Uma pessoa que for riquíssima poderá se financiar de forma muito expressiva. Isto vai criar uma desproporção muito grande. Acho que produz um efeito negativo na ideia de um homem e um voto.