A fim de discutir os gargalos da cadeia de produção da pecuária leiteira de Juiz de Fora, produtores rurais, técnicos, vereadores e secretários do Executivo reuniram-se, nesta quarta-feira (22), na Câmara Municipal. Requerida pelo vereador Marlon Siqueira (MDB), a audiência pública pautou questões como a política de precificação do leite, a ausência de efetivo de segurança no campo, a manutenção de estradas rurais para escoamento da produção e a falta de capacitação tecnológica e administrativa da cadeia pecuária leiteira. Além de receberem ofertas de qualificação realizadas por entidades especializadas, os produtores rurais deixaram a Casa com a possibilidade de discussão do Plano Municipal de Desenvolvimento Agropecuário.
“O êxodo rural provocou problemas históricos graves no país, como a favelização, o inchaço da população e o comprometimento da mobilidade urbana. Precisamos fazer o movimento contrário; precisamos valorizar o produtor rural. Havendo técnica e instrução, há como um produtor rural ser superavitário e bem sucedido, ao contrário do que se acha. Há como ter subsistência e vida digna”, afirmou Marlon, ao justificar o requerimento pela audiência. A desvalorização, conforme o produtor rural Antônio Carlos de Matos Esteves, é exemplificada pela ausência de policiais. “O produtor rural está realmente estrangulado em dois sentidos: péssimas estradas e falta de segurança. Não adianta produzirmos leite, frutas e horta, mas não termos um representante da Polícia Militar. Ninguém tem segurança no campo.”
Juiz de Fora tem 2.500 quilômetros de estradas vicinais de terra, além de 70% da área do município ser pertencente à Zona Rural. Conforme o secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária, Rômulo Veiga, produtores rurais inscritos no Programa Proleite II terão o fornecimento de serviços de retroescavadeira a preços subsidiados pela Prefeitura para recuperação de estradas internas nas propriedades. “A Prefeitura captou R$ 1.620.712,17 junto ao Ministério da Agricultura e tem investido na aquisição de equipamentos e máquinas.” Além disso, a intervenção do Poder Público na precificação do leite como estratégia de Estado foi questionada. “Como o Município pode ajudar? Pode comprar o leite ou a merenda escolar, por exemplo?”, pergunta Marlon.
Também produtor rural, o vereador Kenedy Ribeiro (MDB) aponta a delicada situação financeira dos produtores do leite. “O problema nosso no campo é que produzimos, produzimos e produzimos, mas estamos sempre apertados”, pontua. “Temos que ser empresários do nosso próprio leite. Podemos vendê-lo no município através do queijo, da manteiga, etc. Assim, o preço do litro de leite subirá para R$ 1,88.” A intenção do Sindicato dos Produtores Rurais de Juiz de Fora, segundo o presidente Domingos Frederico Neto, é investir em capacitação tecnológica. “Vamos lançar o programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATG) para os produtores rurais. Já há uma primeira turma de 30 pessoas fechada. O programa vai durar três anos. As metas são sustentabilidade ambiental, econômica, ética, financeira e pessoal.”
Fechamento da Conab
Trabalhadores da Unidade Armazenadora de Juiz de Fora da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foram comunicados, nesta terça-feira (21), pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) sobre o fechamento do pólo. Durante a audiência, Marlon mostrou-se contrário à medida adotada pela pasta. “A Conab, que subsidia a venda do milho para o produtor rural, está se despedindo de Juiz de Fora. Os funcionários serão realocados em outros órgãos federais do Município. Aproveitamos para fazer, em público, uma moção de repúdio ao Mapa.”
Capacitação tecnológica e gerencial
Convidados pela Casa, representantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Gado de Leite (Embrapa) e do Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT) fizeram-se presentes na audiência pública para oferecer capacitação tecnológica e gerencial como alternativa às dificuldades econômicas da categoria. Em Juiz de Fora, em busca de aumentar a produção de leite e de renda, os produtores rurais são acompanhados pelo Programa PróLeite II, lançado pela Prefeitura de Juiz de Fora em 2010. O projeto dá assistência técnica continuada a produtores de pecuária leiteira.
“O gargalo de todo o processo produtivo passa pela articulação entre os segmentos da cadeia, mas temos que ter atenção fundamentalmente no segmento primário, em torno dos produtores e das indústrias de laticínios, onde temos todo o movimento dos insumos no setor de serviços e comércio. Temos, hoje, a nível de mercado, interesses de produtor de maior valor agregado. Todo o processo passa pela produção de leite de melhor qualidade. O produtor precisa de capacitação, sobretudo, gerencial”, pontua Claudio Napolis Costa, pesquisador da Embrapa Gado de Leite. A necessidade de capacitação foi reforçada por Cláudio Furtado Soares, chefe geral do ILCT. “Temos poucas demandas de produtores rurais da região para visitar fábricas de queijo como uma forma de capacitação. O produtor rural perdeu a capacitação. Hoje, há uma necessidade de profissionalização. Acrescento também a necessidade de comunicação virtual no campo. O retireiro não sabe, mas seu filho sim.”
Plano Municipal de Desenvolvimento Agropecuário
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária, Rômulo Veiga, defendeu a compreensão da agregar valor à produção agrícola, bem como a necessidade de o Legislativo elaborar o Plano Municipal de Desenvolvimento Agropecuário. “A gente precisa entender que a cadeia produtiva não termina apenas no produtor, mas ela se estende para depois da produção. A gente precisa pensar a agregação de valor. Temos vários produtores vendendo leite como commodity. Precisamos pensar projetos”, disse. “Além disso, faço uma proposição à Casa: Juiz de Fora já passou da hora de ter um Plano Municipal de Abastecimento e Agropecuária. Quais são os impactos sociais que quero? Qual a rentabilidade média por hectare do produtor de Juiz de Fora? Qual o abastecimento de Juiz de Fora? Precisamos elencar indicadores e criar um plano municipal com esses atores.”
Associativismo
Conforme o engenheiro agrônomo do Programa PróLeite II, Frederico Simões de Carvalho, há cinco associações de produtores de pecuária leiteira em Juiz de Fora – de Torreões, Pirapitinga, Penido, Pires e Sarandira. As organizações reúnem 170 produtores associados e são responsáveis pela produção de 18.805 litros de leite por dia. Entretanto, o número de associações já chegou a 12, reduzido depois de capacitação técnica e autossustentabilidade.
Adolfo da Silva Neto, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da UFJF, apontou o associativismo como resposta à desvalorização do produtor rural. “Trabalhei com pequenos agricultores na Região Sul do país em uma estrutura essencialmente associativista. Percebo a produção de leite como uma fonte de renda diária e de fixar o produtor no campo com qualidade de vida. (…) A nossa realidade é um pouco diferente. É diferente fazer o associativismo, até por questões culturais, ainda que o leite tenha a importância histórica que tem na região.”