Aos 21 anos, a juiz-forana Gabrielly Cardoso (PSDB) decidiu entrar na disputa por uma das 77 vagas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em um cenário propício para eleição de outsiders. Teve “sorte”, ao menos na distribuição de recursos. Ela é uma das poucas candidatas neófitas a ser contemplada com recursos do fundo eleitoral.
Conforme levantamento feito pela Tribuna nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gabrielly recebeu R$ 50 mil para financiar sua campanha. O valor, no entanto, é irrisório perto da totalidade de recursos drenados para as campanhas proporcionais dos candidatos vinculados a Juiz de Fora.
Segundo o levantamento, mais de R$ 6,6 milhões oriundos do fundo público especial, criado para custear despesas de campanha, foram distribuídos aos candidatos a cargos proporcionais ligados ao município. Deste total, 91% ficaram nas mãos de detentores ou que já detiveram cargo na política — os “profissionais”.
Dos 55 candidatos ao legislativo estadual e federal ligados a cidade, somente 19 foram abastecidos com esse recurso. Desse total, 12 fazem parte do grupo de 15 políticos que exercem ou já exerceram mandatos eletivos. Juntos, eles receberam quantia superior a R$ 6,1 milhões.
Isso significa que de cada R$ 10 reais distribuído pelos partidos, menos de R$ 1 foi destinada aos novos candidatos. A desigualdade é fruto da lei que criou o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão, em outubro de 2017. Na época, não foram especificadas regras de distribuição dos recurso, restando a cada sigla a definição de critérios. Em Minas Gerais, pouco mais de R$ 102,5 milhões já foram distribuídos para candidaturas ao Executivo e ao Legislativo estadual e federal.
O recurso se mostra decisivo para o financiamento da campanha sem doações de empresas, correspondendo a 67% de todo o montante (R$ 153.502.467,89) já declarado pelos candidatos mineiros ao TSE. Quem não faz parte da lista de agraciados, ou não possui recursos financeiros próprios, não tem dinheiro para imprimir panfletos, produzir programas de TV ou impulsionar publicações nas redes sociais.
Júlio, Margarida e Wadson foram os que mais receberam
Dos políticos locais com cargo eletivo, apenas Sheila Oliveira (PSL), Charlles Evangelista (PSL) e Isauro Calais (MDB) não receberam recursos do fundo especial. Este último, no entanto, foi beneficiado com R$ 250 mil oriundos do fundo partidário, recurso do Tesouro distribuído às siglas anualmente.
Na lista dos candidatos que mais receberam recursos do “fundão” estão Júlio Delgado (PSB), com R$ 1,3 milhão, Margarida Salomão (PT) e Wadson Ribeiro (PCdoB), com R$ 1 milhão cada, além de Lafayette Andrada (PRB), com pouco mais de R$ 962 mil. Na disputa pelo Legislativo mineiro, Noraldino Júnior (PSC) recebeu R$ 475 mil (ver arte).
Júlio, inclusive, faz parte do grupo dos deputados mineiros que votou contra o fundo especial durante votação na Câmara dos Deputados. Juntos, os 19 mineiros contrários ao recurso à época já receberam R$ 17 milhões de reais do Tesouro. “Estamos acostumados a fazer campanha com muito dinheiro, mas dá para fazer campanha gastando sola de sapato, fazendo discurso e visitando as pessoas. Precisamos de novas formas que não um fundo que eventualmente vai tirar dinheiro necessário em outros lugares”, declarou o candidato pessebista, naquela oportunidade.
Procurado nesta terça-feira, Júlio Delgado negou existir contradição entre o voto na Câmara e o recebimento do recurso. Segundo ele, a divisão dos recursos foi deliberada pela Executiva Nacional do partido, sendo feita igualmente entre aqueles detentores de mandato. “Não é contradição minha, eu votei contra, agora o partido resolve ajudar os deputados federais com mandato, e aí eu vou falar e vou falar o quê, que vou fazer campanha com a brisa?”, questionou o deputado.
Segundo o pessebista, o posicionamento contrário ao fundo público criado segue o mesmo de outubro de 2017. Para ele, as doações deveriam ser feitas apenas por pessoas físicas, sem o limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao pleito. “Eu fui contra, contínuo contra. Acho que tinha que ser pessoa física, mas não limitado a 10%, eu tenho um monte de gente que quer me ajudar, mas o limite pode passar”, afirma.
Neófitos recebem apenas R$ 69 mil do fundão
Gabrielly Cardoso (PSDB) é exemplo de como a renovação, se depender da distribuição do fundo feita pelos partidos, dificilmente acontecerá. Ela está na mesma condição de outros cinco novos candidatos que, juntos, receberam pouco mais de R$ 69 mil do fundo partidário: Elizabete de Paula Martinho (PSTU), Lorene Figueiredo (PSOL), Astridi Sarmento (PCdoB) e Paloma Silva (PCB).
A conta não inclui os mais de R$ 500 mil recebidos pela candidata Lêda Santiago (PR). Candidata pela primeira vez, ela é esposa do deputado estadual Márcio Santiago, do mesmo partido, e busca manter o grupo de seu marido na Assembleia Legislativa. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou-o inelegível por suposto abuso de poder político, econômico e religioso.
Com porcentagem mínima de recursos públicos, os novos políticos precisam recorrer a doações espontâneas ou investir recursos próprios na corrida eleitoral. A redução do tempo de TV e do calendário eleitoral — de 90 dias para 45 — também são fatores que impedem a divulgação de novos nomes, com menos recursos.
Não houve democratização
Para o cientista político Fernando Perlatto, a mudança do tipo de financiamento de campanhas não trouxe a democratização esperada na distribuição de recursos públicos. “O problema central é que todos os partidos são pouco democratizados internamente. Se você transferir o fundo público para os partidos, colocar dentro da cúpula partidária, ela vai apostar dentro da lógica do jogo, dos candidatos mais conhecidos”, afirma.
Na avaliação de Perlatto, as dificuldades de financiamento e o pouco tempo de campanha dificultam uma maior renovação da política. No entanto, o cientista político não descarta a possibilidade de ela acontecer neste pleito. “Essa aposta não cai por terra, pois, às vezes, eles (os novos candidatos) conseguem uma outra estratégia, mas isso torna o sistema menos poroso, ainda mais num cenário de eleições caras. Gera desigualdade”, conclui.
Vinte candidatos não arrecadaram nada
Vinte dos 55 candidatos ligado a Juiz de Fora declararam não ter recebido doações financeiras desde o início da campanha oficial, no dia 16 de agosto. Segundo norma do TSE, candidatos e partidos são obrigados a apresentar à Justiça Eleitoral relatórios financeiros a cada 72 horas, contados a partir da data do recebimento da doação financeira.
A obrigatoriedade de envio do relatório financeiro está associada ao recebimento da doação financeira. Se não houve recebimento de nenhum valor, não há obrigação de encaminhar qualquer informação à Justiça Eleitoral. As prestações de contas finais referentes ao primeiro turno de todos os candidatos devem ser apresentadas à Justiça Eleitoral até 30 dias depois das eleições.