Atualizada às 16h44
Além do pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia de Minas e dos trabalhos das Corregedorias das polícias Civil e Militar, um outro inquérito, instaurado em Juiz de Fora, pelo Núcleo de Ações Operacionais da Polícia Civil, investiga a suspeita de envolvimento de policiais militares da cidade com a máfia do jogo do bicho e caça-níqueis. A solicitação partiu da Promotoria de Combate ao Crime Organizado antes de as denúncias virem à tona na imprensa. Segundo a delegada à frente do recém-criado grupo na 1ª Delegacia Regional, Sheila Oliveira, a investigação foi motivada por denúncia anexada à cópia de parte do Inquérito Policial Militar (IPM). As acusações teriam partido de uma pessoa que não é policial. Já o IPM havia sido aberto antes pela própria corporação para apurar a suposta participação de, pelo menos, cinco militares no recebimento de propina relacionada aos jogos de azar. Os nomes dos suspeitos não foram divulgados pela delegada, mas, entre os investigados, está o ex-comandante da 4ª Região da PM, coronel Anselmo Fernandes, que atualmente ocupa o cargo de diretor do Demlurb.
"Essa mesma denúncia foi encaminhada em março às polícias Civil, Federal, à Assembleia de Minas e ao Ministério Público (MP). O IPM já havia sido concluído e, ao final, não ficou comprovada responsabilidade por parte dos militares. Mas instaurei inquérito em abril, antes das denúncias publicadas em jornal, por requisição do MP e, também, porque podem surgir elementos novos", disse Sheila. "No caso de suspeita de envolvimento de policiais civis, encaminhei cópia para a Corregedoria, porque cabe a ela investigar", completou a delegada.
Procurada pela Tribuna, a Polícia Federal de Juiz de Fora disse não ter informações a divulgar sobre o caso e não confirmou o recebimento das denúncias. Já o Ministério Público não se pronunciou, uma vez que a promotora responsável encontra-se de férias.
CPI
Em relação à abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia de Minas para investigar a suspeita de envolvimento de policiais com a máfia dos jogos de azar em Juiz de Fora, o deputado Sargento Rodrigues (PDT) afirmou ontem à Tribuna que algumas assinaturas já foram retiradas. Ele não soube precisar quantas, mas garantiu que o número de adesões ainda é suficiente para manter a CPI de pé. "O que me deixa perplexo é que, no caso do (Carlinhos) Cachoeira, no Congresso Nacional, em Brasília, 50 deputados do PSDB assinaram o pedido de abertura de CPI, para investigar a corrupção com jogos de azar. Em Minas, aconteceu o contrário: nenhum parlamentar ligado à sigla se comprometeu. Será que aqui não merecemos que os fatos sejam apurados, que a verdade venha à tona?"
O deputado estadual por Juiz de Fora Lafayette Andrada (PSDB), ex-secretário de Estado Defesa Social de Minas, confirmou não ter assinado o pedido de abertura para instauração da CPI, por considerar a solicitação mal formulada. "A denúncia no requerimento apresenta um fato genérico. Há erro de formulação", afirmou o parlamentar, completando: "Nós, da bancada do PSDB, entendemos que uma simples acusação de policiais envolvidos com o jogo de bicho e exploração da caça-níqueis não justifica a criação de uma CPI. Existem canais competentes e mais adequados para a apuração, como as corregedorias das polícias e o Ministério Público."
Denúncia aponta envolvidos na Inteligência
Os três policiais militares que denunciaram o suposto esquema de exploração de jogo do bicho e de máquinas caça-níqueis envolvendo integrantes das polícias Militar e Civil em Juiz de Fora disseram ter sofrido retaliação por não terem compactuado com a contravenção. No depoimento colhido pelos deputados Sargento Rodrigues (PDT), Luiz Carlos Miranda (PDT) e Rômulo Viegas (PSDB), acompanhado pelo procurador do Centro de Apoio ao Crime Organizado do Ministério Público Estadual, André Ubaldino, do qual a Tribuna teve acesso, um dos policiais, que garante não ter aderido ao esquema de corrupção, denuncia que chegou a ser transferido de companhia, não só ele, mas também outros policiais militares, porque estavam "mexendo no bolso" das pessoas envolvidas com a propina. Ele mencionou que se sentiu menosprezado e diminuído com os remanejamentos, já que teria sido transferido para um setor onde não tinha qualquer função. O denunciante também alegou ter sido procurado por um delegado da Polícia Civil de Juiz de Fora e por alguns policiais civis. Na ocasião, foi informado que os contraventores haviam dito que não mandariam a propina, semanalmente, enquanto ele não fosse retirado de suas funções nas ruas.
Ainda durante seu depoimento à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, o denunciante contou que o empresário Frederico Márcio Arbex disse ter alguns amigos na P2 (Serviço de Inteligência da PM), que o avisavam quando as denúncias contra suas lojas chegavam para o setor. "Dessa forma, ele poderia deixar pouco material no local ou sair e impedir que alguém fosse preso, caso se deparasse com uma operação mais urgente. Ele também alegou que a maioria das lojas era sua, em sociedade com outras pessoas." O policial questionou a escolha do capitão Yoshio Yamaguchi para presidir o Inquérito Policial Militar (IPM), na corregedoria da PM, que apurava o envolvimento de colegas de trabalho com a máfia suspeita de explorar os jogos de azar, já que, segundo o denunciante, o capitão seria suspeito de integrar a quadrilha. Yamaguchi é o atual comandante da 135ª Companhia da PM, responsável pelo policiamento na região Sudeste de Juiz de Fora.
Ontem o deputado Sargento Rodrigues também informou, com base no depoimento do IPM, que um cabo, que não compactuava com a corrupção, teve um carro arranhado, enquanto estava estacionado em frente à companhia, e a porta do seu armário arrombado na mesma unidade policial, onde estava lotado. "Neste depoimento, tudo leva a crer que este cabo estava sofrendo represálias de outros policiais por não participar da corrupção", avaliou o parlamentar, que acrescentou já haver indícios sobre a existência de empresas em Juiz de Fora, além de uma em Belo Horizonte, que estariam sendo utilizadas para a lavagem de dinheiro oriundo dos jogos de azar. "Como este tipo de infração dá muito dinheiro, os contraventores abrem empresas com o objetivo de disfarçar a origem ilegal destes recursos."
‘Investigação reservada’
O assessor da 4ª Região da PM, major Sebastião Justino, disse desconhecer a suspeita de envolvimento de militares da P2, o Serviço de Inteligência, no suposto esquema de corrupção dos jogos de azar. "A investigação é reservada." Segundo ele, as denúncias provavelmente serão apuradas.
Também citado nas denúncias feitas à Assembleia, o comandante da 135ª Companhia da PM, capitão Yoshio Yamaguchi, negou envolvimento com o esquema de jogos de azar na cidade. Ele confirmou que presidiu o IPM mencionado pelo denunciante. "A declaração foi finalizada e não aparece meu nome em momento algum. O termo foi assinado por ele e por duas testemunhas. Lógico que se eu fosse citado não poderia continuar presidindo o inquérito."
Entrevista/Frederico Arbex, empresário
O empresário Frederico Márcio Arbex garante já ter abandonado o lucrativo mundo do jogo do bicho e das máquinas caça-níqueis – ele estima que o esquema movimente pelo menos R$ 1,5 milhão, por mês, em Juiz de Fora -, mas alega estar pagando pela contravenção alheia. "As pessoas que ainda mexem com isso mandam usar meu nome."
Tribuna – Dos policiais militares e civis citados na denúncia feita à Assembleia de Minas, com qual você já teve alguma relação?
Frederico Arbex – Não conheço ninguém. Não tenho relação alguma. Esse coronel Anselmo (Fernandes), nunca vi na vida. O major Preste, muito menos. Acho impossível provar (minha relação com eles). Nunca conversei com eles. Se eles se envolveram em algum tipo de corrupção, comigo é que não foi. Se eu tivesse algum envolvimento com policia, já teria sido pego há muito tempo. Também não dei festa para ninguém e nunca paguei bebida para policial algum. Não preciso de nada deles, além do serviço que eles já prestam para a comunidade. Tendo ou não tendo CPI, esse lastro meu com essas pessoas é impossível de se provar. A não ser que se prove uma coisa que não existiu.
Sobre o tenente, que fez uma denúncia contra mim, eu voluntariamente me propus a fazer a acareação. Foi o coronel Dornelas que estava presidindo essa acareação. Quando o coronel Dornelas saiu da sala, o tenente foi bem claro para mim e para meu advogado. Ele disse que estaria criando essa história para se defender, porque essas pessoas mencionadas o estariam perseguindo em outras propinas que ele ganhou.
– Você confirma que já mexeu com jogo do bicho e caça-níquel?
– Há muito tempo já. Se eu realmente fosse o dono hoje, estaria em pânico, mas estou muito tranquilo. Se eu sou o líder ou o cabeça do jogo do bicho e das máquinas caça-níqueis na cidade, é fácil: agora, nós estamos conversando aqui e está tudo aberto. A polícia faz uma operação a hora que ela quiser e prende. Só que eu não sou o dono de nenhuma delas.
Se eu trabalhei com isso no passado… todo mundo já fez alguma coisa não tão certa na vida. Se a forma como eu deixei (a exploração de jogos de azar) irritou algumas pessoas, não posso fazer nada.
(Os pontos de exploração) estão abertos, não fecharam e não vão fechar. Tenho certeza que as pessoas que estão ganhando com isso não têm porque fechar. Eles já têm o bode expiatório, que sou eu. Não tenho nada contra ninguém. Só que alguém está querendo colocar na minha conta uma coisa que não é minha. Para provar está fácil: a polícia vai lá, prende e chega-se ao dono.Das 500 lojas de bicho, você divide em três partes: 90% pertencem a uma parte e 10% que dividem as outras duas.
– Quando você estava envolvido com o jogo do bicho, como era a relação com os policiais?
– Não existia. A polícia está prendendo, e o jogo do bicho está trabalhando. A cidade é pequena; é muito fácil pegar.
– Dos processos que você responde, todos são por contravenção?
– Todos.
– Quanto esses 500 pontos movimentam em Juiz de Fora?
– Devem movimentar R$ 1,5 milhão por mês, considerando que cada ponto rende entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. Mas tem ponto que dá até R$ 20 mil por mês.
– Esse dinheiro fica aqui? Há ramificações com Rio de Janeiro ou Belo Horizonte?
– Não existe isso. O jogo em si não tem ramificação com ninguém. Você pode ter algum conhecido que mora no Rio, como você, repórter, também tem. O jogo em Juiz de Fora sempre foi daqui, e o dinheiro fica aqui. Em relação aos caça-níqueis, não existe contrabando. A máquina (placa-mãe), você compra em qualquer loja de computador.
– Você acha que essas denúncias podem enfraquecer o jogo do bicho em Juiz de Fora?
– Não sei. Ele (o policial que fez as denúncias) falou de pessoas que não tem nada a ver. Eles vão investigar e chegar à conclusão de que (os denunciados) não têm nada a ver com o esquema. E aí? Vai parar aí ou continuar a investigação? Compensa continuar? Às vezes, vão continuar uma investigação e quem está querendo prejudicar o Governo de hoje pode dar um tiro no pé. Então, tem que ver até onde a polícia quer chegar. Só acho que foi injusta essa denúncia com essas pessoas, que não tenho envolvimento.