O sociólogo Martvs das Chagas, militante do movimento negro e idealizador da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Governo federal, afirma que a dificuldade para que a população negra assuma lugar na representação política ainda é um reflexo do período da escravidão. “Para se fazer uma leitura bem real da História, o Brasil é um país com 515 anos, desses, apenas 127 anos de abolição. Quando se verifica no Censo do IBGE e no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população negra ficou excluída, marginalizada. É um apartheid. Juiz de Fora é uma cidade apartada até hoje. Um mapeamento geopolítico de mortes por violência mostra uma concentração de vítimas entre os descendentes de ex-escravos. Isso interfere na mobilidade para a chegada ao poder”, complementa Martvs, hoje consultor técnico em Gestão Social na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Estatuto
[Relaciondas_post]Ao analisar a composição política do Executivo, a presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), Zélia Lúcia Lima, cobra a existência de um órgão que torne efetiva as deliberações do conselho, como uma secretaria de direitos humanos, que englobe um departamento de igualdade racial. Segundo Zélia, a maior resistência tem sido em relação à aplicação das leis, aprovadas inclusive em plano federal, como o Estatuto da Igualdade Racial. “Lei é para ser cumprida, não é para ser discutida. Mas há muita discussão em Juiz de Fora de leis aprovadas no Congresso Nacional. Se o poder público municipal abraçar o estatuto, a cidade será uma das pioneiras no trato da questão racial. Hoje a gente ainda não consegue fazer isso aqui”, lamenta.
Sobre a possibilidade de incluir mais negros em cargos de chefia na Prefeitura, Zélia é enfática. “Em pleno século XXI, a mulher negra ainda é a base da pirâmide social. O homem negro é o terceiro na margem da pirâmide. E ainda é muito difícil o empoderamento do povo negro. O conselho executa a política para o município, mas, na hora do empoderamento, a gente não consegue chegar lá”, ressalta. Pensando no contexto local, a presidente do Compir destaca a necessidade de forças políticas que empunhem a bandeira do negro. Sem desconsiderar o trabalho dos atuais vereadores, ela ressalta a carência de lideranças representativas no Legislativo e no secretariado municipal, com foco exclusivo na causa afrodescendente.
Intenção
O secretário de Governo, José Sóter de Figueirôa, explica que a Prefeitura pretende incorporar um setor específico que atenda à demanda de minorias, incluindo o de igualdade racial. “É nossa intenção ter uma coordenadoria específica e, quem sabe, uma secretaria de direitos humanos que agregue também a atenção à pessoa com deficiência, à mulher, ao idoso, à juventude. Mas isso exige recursos humanos, financeiros e diante da situação financeira no país, nos impossibilita de dar um passo, mas estamos caminhando nessa direção”, explica, em referência à realização das conferências municipais e à criação do Compir, tornando-o paritário e deliberativo.
Em relação à nomeação de secretários negros, Figueirôa destaca o titular da pasta de Esportes e Lazer, Carlos Bonifácio (PRB), e defende que não existe discriminação ou qualquer critério que impeça a nomeação. Zélia avalia como positiva a nomeação de Carlos Bonifácio, mas esclarece que ele não representa as bandeiras do movimento negro de Juiz de Fora.
Minorias
Analisando a participação de mulheres e negros na política, com foco nos parlamentos estaduais e Congresso Nacional, o professor da Universidade de Vila Velha Orlando Lyra de Carvalho Júnior descreve a ínfima representatividade de afrodescendentes. “Nosso Parlamento não representa a sociedade civil. 80% são homens brancos, ricos e letrados. A representação do negro é muito pequena, sendo que a discriminação é ainda maior para a mulher negra. Existe uma cascata de desprezo. Se ela é negra e pobre, não entra no radar social. Só entram as mulheres que militaram em partidos de esquerda e que tem uma base comunitária. Pela eleição proporcional, pelas regras que são dadas, elas não têm chance nenhuma. E isso é muito violento”, conclui.