Pela primeira vez, desde que iniciou sua tramitação em agosto de 2016, o projeto de lei complementar de autoria do Poder Executivo que trata da revisão do Plano Diretor Participativo de Juiz de Fora apareceu na pauta de votação da Câmara na manhã desta sexta-feira (16). Esta deve ser a etapa final de um processo que já acumula oito anos de atraso, uma vez que a última versão do planejamento com as diretrizes para o desenvolvimento urbano teve sua validade vencida em 2010.
A tramitação, no entanto, não deve ser célere. Isto porque há grande expectativa acerca da apresentação de emendas por parte dos vereadores, seja para alterar alguns pontos da proposição ou mesmo para recompor trechos de documento construído em conferência com diversos segmentos da sociedade, mas que acabaram suprimidos na versão final do texto encaminhado pela Prefeitura ao Legislativo. Já em sua primeira aparição na ordem do dia, a proposta teve sua apreciação adiada por pedido de vista do vereador José Fiorilo (PTC).
Assim a peça deve retornar à pauta de votação na próxima segunda-feira (19), ainda em primeiro turno. De toda forma, uma aprovação imediata está praticamente descartada. Tal entendimento é manifestado até mesmo pelo líder do Governo na Casa e presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito, Meio Ambiente e Acessibilidade, o vereador José Márcio (Garotinho, PV). Consciente de que a peça receberá emendas, o parlamentar orientou aos pares que os adendos sejam feitos ainda em primeira discussão.
Assim, os legisladores teriam maior tempo para analisar as sugestões de alterações, uma vez que, regimentalmente, o projeto de lei complementar precisaria retornar para a análise das comissões temáticas da Casa. O próprio Garotinho já adiantou que ele mesmo deve apresentar uma emenda, definindo que o Executivo vá à Câmara anualmente para prestar e traçar metas anuais acerca da implementação das diretrizes apontadas pelo Plano Diretor.
Antes de o projeto de lei complementar aparecer pela primeira vez na pauta de votação, a Câmara Municipal promoveu dois eventos relacionados ao Plano Diretor na quinta-feira (15). Pela manhã, dois renomados arquitetos e urbanistas, de fora da cidade, ministraram palestras no plenário do Palácio Barbosa Lima sobre o assunto. À noite, ambos voltaram a se reunir para um debate público, que contou ainda com a participação de representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil núcleo Juiz de Fora (IAB/JF) e do Clube de Engenharia de Juiz de Fora. O público presente teve a oportunidade de fazer perguntas aos convidados e emitir opiniões sobre o processo de construção do plano, iniciado em 2013, pelo Poder Executivo, ainda durante o primeiro mandato do prefeito Bruno Siqueira (MDB).
Sugestões da sociedade podem ser revalidadas
Apenas cinco dos 19 vereadores acompanharam, até o fim, o debate público realizado pela Câmara na noite de quinta-feira (15), para discutir a revisão do Plano Diretor Participativo de Juiz de Fora. Os que se fizeram presentes até a conclusão das discussões foram José Márcio (Garotinho, PV), José Fiorilo (PTC), Vagner de Oliveira (PSC), Kennedy Ribeiro (MDB) e Roberto Cupolillo (Betão, PT). O fato foi criticado publicamente. Diante do esvaziamento do plenário por parte dos parlamentares, o professor Alexandre Maestrini se manifestou da plateia e disse que era inadmissível o fato de os vereadores não participarem das discussões um dia antes da votação do documento mais importante da cidade.
A iniciativa do debate público foi da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito, Meio Ambiente e Acessibilidade da Câmara Municipal. O presidente da comissão, vereador José Márcio (Garotinho, PV) foi o mediador do encontro. Já durante o debate, Garotinho já falava sobre a possibilidade de alguns vereadores solicitarem vistas da matéria, para a sugestão de emendas. Tais alterações podem contemplar pleitos da sociedade civil organizada, que questiona o fato de o documento enviado pelo Executivo para o Legislativo ter sido diferente do aprovado na assembleia do plano diretor, que contou com a participação de 109 delegados, representantes das mais diferentes organizações do município.
Uma destas reivindicações foi antecipada durante o debate. Presidente do Instituto Ação Urbana, Eduardo Lucas questionou o por quê de o Aeroporto da Serrinha ter sua participação retirada do Plano Diretor pelo Executivo. “Estive em todos os colóquios, que foram de boa qualidade. Mas da conferência final (para o texto da Prefeitura) o documento foi totalmente modificado. Sem qualquer explicação, tiraram o Aeroporto da Serrinha do documento, um patrimônio da nossa cidade que não pode ser perdido.”
Como sugestão, o presidente da associação de moradores dos bairros Cascatinha, Laranjeiras e Jardim Liú, Carlos Alberto de Paula, pediu a redistribuição das linhas de ônibus no município, para ampliação ao atendimento entre regiões, sem necessariamente tendo o Centro como destino. Ainda neste assunto, o mestre em engenharia de transportes José Luiz Britto Bastos disse que no documento deveria ter a orientação para se implantar na cidade um sistema de transporte de massa. “O que será do trânsito desta cidade em dez anos, quando poderemos ter um milhão de habitantes?”
Plano dever ser fruto de pacto social
Aos convidados foram direcionadas, ainda, perguntas específicas, desenvolvidas pela organização do debate. Perguntado sobre como o Plano Diretor de uma cidade pode garantir a qualidade de vida da população, o arquiteto e urbanista Demetre Anastassakis disse que isso será possível se o plano for, acima de tudo, um pacto. “Se não, esquece. Fica na gaveta. É preciso haver consenso entre as mais diferentes esferas, pois, neste caso, não existe quem perde e quem ganha. O pacto social passa pelo ganhar ou ganhar, envolvendo todos os segmentos, como os construtores, os arquitetos, a Prefeitura, os consumidores e tantos outros.”
Para a mesma pergunta, a arquiteta e urbanista Cláudia Pires disse que o grande desafio é fazer com que o plano seja parte do cotidiano das pessoas. “Não temos a prática de discutir a cidade em nosso dia a dia. Sofremos os impactos negativos dos centros urbanos, mas não falamos amplamente sobre isso. Muitas vezes, as conversas ficam limitadas a zoneamento, que é apenas parte da questão. Por que uma cidade fica 17 anos sem revisar seu plano, se ele é bom para mudar leis, trazer investimentos e resolver problemas ambientais e habitacionais? A verdade é que existe uma incompreensão, um conflito de interesses dos mais diferentes setores. É legítimo o interesse de cada setor, mas no campo da compactuação é outra história.”
No entendimento do presidente do Clube de Engenharia de Juiz de Fora, Carlos Eduardo Manera, o plano, por si só, não vai mudar a cidade. “Os setoriais sim são importantes. Por exemplo, o último plano diretor previa transporte troncalizado, e até hoje isso não saiu do papel. Na habitação, os documentos complementares são necessários pois a Prefeitura deve sempre estar criando condições para a que este setor se desenvolva. Em nada adianta colocar habitação popular na ponta da cidade, se estes serviços não chegarem.”
‘JF está em momento decisivo’
Já o arquiteto Rogério Mascarenhas, que representou o IAB-JF, reforçou o entendimento que o pacto é necessário. “Para se desenvolver uma cidade possível, é preciso haver consenso entre os mais diferentes membros da sociedade. Costumamos ver a cidade sendo construída por iniciativas isoladas, mas Juiz de Fora está em um momento bastante decisivo, pois já somos uma pequena metrópole, com possibilidade e capacidade de transformá-la para crescer diferente das grandes metrópoles, onde os problemas já são quase impossíveis de serem solucionados.”
Segundo Mascarenhas, o IAB, por uma decisão colegiada, destacou que alguns pontos negativos durante a fase de criação do plano diretor não estão em conformidade com o documento entregue, principalmente em áreas como meio ambiente, patrimônio e habitação popular. “Mas o IAB se coloca favorável ao texto que tem no momento e concorda com a aprovação deste plano para, a partir daí, discutirmos políticas setoriais específicas.”