O último dia do período legislativo de julho foi agitado na Câmara. Ontem, as dependências e a parte externa do Palácio Barbosa Lima sediaram manifestações de quatro grupos distintos, que deram voz a posicionamentos antagônicos sobre duas polêmicas que marcam o cotidiano da Casa desde o mês passado. A noite foi marcada por atos favoráveis e contrários ao vereador João do Joaninho (DEM), indiciado na última sexta-feira pela delegada Dolores Tambasco, da Polícia Civil, por cinco crimes, dois deles referentes a Lei de Crimes Ambientais; e pelo enfrentamento ideológico de manifestantes que têm entendimentos díspares sobre a utilização do termo “gênero” no Plano Municipal de Políticas para as Mulheres. A matéria chegou a ser apreciada pelo Legislativo em junho, antes de ser retirada pelo Executivo.
O primeiro enfrentamento aconteceu no interior da Câmara, antes e durante o primeiro pronunciamento oficial de João do Joaninho no plenário após seu indiciamento. Valendo-se de uma prerrogativa regimental, o parlamentar usou da palavra por 25 minutos e voltou a negar as acusações que envolvem seu nome. O imbróglio começou no dia 11 de junho, quando Joaninho foi flagrado em uma embarcação onde estavam três capivaras e um jacu abatidos. Joaninho pediu aos colegas que reflitam sobre os riscos de um julgamento apressado. “Não caço. Nem pescar, eu pesco”, disse. Além das investigações conduzidas pela Polícia Civil, a situação do vereador também está sendo apurada pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Casa, que aguarda a defesa do parlamentar até a próxima segunda-feira.
Para alegar sua inocência, Joaninho chegou a questionar se as digitais na arma apreendida na ocasião foram conferidas, reforçando o discurso de que não participou do abate dos animais e apenas pegou uma carona na embarcação. O parlamentar evitou falar sobre uma possível renúncia. Pelo contrário, afirmou que segue trabalhando para dar sequência a seu trabalho no Legislativo, mas admitiu que, por conta de pressões externas o caso pode não ter o desfecho almejado pelo parlamentar. “Se eu tiver que sair, saio de cabeça erguida.”
O pronunciamento foi marcado por vaias, apupos, aplausos e enfrentamento entre os presentes. Policiais militares foram chamados ao plenário para evitar embates entre apoiadores e detratores do vereador. Os lados em oposição chegaram a protagonizar um duelo verbal por conta do posicionamento de uma faixa contrária ao parlamentar. Mais numerosa, a claque de apoiadores de Joaninho tentava silenciar os esforços dos protetores de animais que pediam a saída do parlamentar, sob os gritos de “justiça”. Os ânimos permaneceram exaltados até o fim da explanação. Em vários momentos, o presidente da Casa, Rodrigo Mattos (PSDB) pediu calma e a compreensão dos presentes para que a reunião pudesse ser realizada. Nenhum vereador comentou o pronunciamento do democrata durante o restante da reunião.
Em caso de uma possível renúncia, o primeiro suplente da coligação PSDB/DEM nas eleições municipais de 2012 assume a cadeira na Câmara. O ex-vereador e ex-secretário de Saúde, José Laerte (PSDB), é o primeiro da fila. Ontem, em contato feito pela CBN Juiz de Fora, o tucano admitiu a disposição em retornar ao Legislativo caso as suspeitas que recaem sobre Joaninho resultem em um pedido de renúncia ou em cassação.
Nova manifestação contra a questão de gênero
Do lado externo ao Palácio Barbosa Lima, também houve grande barulho, dessa vez contra a chamada “ideologia de gênero”, em uma manifestação que reuniu católicos e evangélicos no fim da tarde. Líderes religiosos discursaram em um trio elétrico para aproximadamente 250 pessoas, segundo estimativa da PM. Com palavras de ordem, criticaram a inclusão do termo gênero nos textos dos planos municipais em tramitação, entre eles o Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, retirado da Câmara pelo Executivo no mês passado. Vestidos de branco e com rosas nas mãos, integrantes do coletivo Duas Cabeças, da UFJF, se posicionaram na escadaria da sede do Legislativo e expuseram indignação contra a fala dos religiosos. Apesar do tumulto, não houve registro de confronto.
Missionária da Comunidade Resgate da Igreja Católica, Renata Cristina de Ávila Campos afirma que a inclusão do termo gênero é um risco à educação das crianças e também à família. “É uma ideologia que afirma que ninguém deveria ser identificado como homem ou mulher. Nossas crianças seriam obrigadas a ter aula de gênero, a serem doutrinadas a desenvolver vários papeis: ensinar uma menina a jogar bola, a agir como menino. Pega uma criança e começa a desconstruir sua personalidade. Isso é perverso”, afirmou. Participaram também do protesto os vereadores André Mariano (PMDB) e Nilton Militão (PTC), ambos do segmento evangélico. Além de elogiarem a ação do Executivo pela retirada do Plano das Mulheres da Câmara, se comprometeram a votar contra qualquer menção ao termo em políticas públicas.
Em oposição aos religiosos, a militante transexual Bruna Leonardo negou que haja a intenção de se destruir famílias ou criar banheiros unissex em escolas. “Queremos ter o direito de poder estudar sem sofrer violência, que é legitimada pelo discurso de ódio, pela ideologia que os religiosos pregam. Vivemos num estado laico e as pessoas têm liberdade. Querem interferir nas políticas públicas envolvendo religião. Queremos ter os nossos direitos garantidos e não privilégios”, disse. Já o estudante de Artes e Design, Gabriel Reis, 19, que acompanha a elaboração do Plano Municipal da Educação, defende práticas para se eliminar todo o preconceito. “Estão deturpando com a ideia de gênero. Não se preocuparam realmente com o que isso significa. Nascemos impostos a uma realidade e queremos ser respeitados, por isso precisamos trazer essa discussão para as escolas”, afirma.