Especialistas ouvidos pela Tribuna repercutiram o decreto assinado, nesta terça-feira (15), pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), alterando regras para facilitar a posse de armas de fogo, no Brasil. De maneira geral, todos eles manifestaram preocupação com as consequências do possível maior volume de armamentos nas ruas. O cientista social da UFJF, André Moysés Gaio, ponderou que o novo decreto não apresentou grandes alterações no que diz respeito aos requisitos para aquisição de armamentos, uma vez que as pessoas que quiserem adquirir uma arma terão que passar por exames psicotécnicos, curso de tiro e enfrentar uma grande burocracia no que se refere à documentação exigida. Ele também lembrou que é preciso levar em conta que uma arma boa chega a custar cerca de R$ 7 mil e que, para fazer todos os cursos necessários, o postulante terá que arcar com o custo mínimo de, pelo menos, R$ 2.500, sem falar no valor da munição e da licença especial para adquiri-la. “É preciso ressaltar que ter arma não garante a segurança de ninguém, pois não dá para prever como será o comportamento da pessoa diante do crime”, ressaltou, considerando que o maior número de armas em casa e nos estabelecimentos pode colaborar para facilitar o acesso de criminosos a elas, já que poderão ser alvo de furtos e roubos.
Doutor em Sociologia, Luís Flávio Sapori, que é professor nos cursos de mestrado e doutorado em Ciências Sociais da PUC-Minas, considerou que, de imediato, o decreto vai incentivar o aumento do número de armas de fogo no país. “Se hoje o Brasil já tem registro de cerca de 25 mil a 30 mil armas de fogo por ano, acredito que esse número deva duplicar ou até triplicar, anualmente. O fato de ter mais armas de fogo em circulação irá colaborar para o crescimento da possibilidade de conflitos diversos serem resolvidos por meio da violência com emprego de armamento. Há uma probabilidade de aumentar o número de homicídios, de tentativas de homicídios, principalmente, quando relacionados a conflitos domésticos, crimes passionais, como os feminicídios, conflitos de vizinhança e ocorridos em bares, festas e eventos”, avaliou Sapori.
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Professor de Direito do Centro Universitário Estácio de Sá de Juiz de Fora e da Faculdade de Direito da Fundação Presidente Antônio Carlos (Fupac) de Ubá, Ricardo Braida compreende que, ao editar o decreto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – 5.123/2004 -, o presidente Jair Bolsonaro desburocratiza o acesso à posse de armas e determina, objetivamente, hipóteses para o que se entendia, anteriormente, como “efetiva necessidade”. “A mudança mais substancial com a alteração do decreto, que salta os olhos, é, de fato, a inserção daquilo que já existia tanto no Estatuto do Desarmamento quanto no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), chamado de ‘efetiva necessidade’ do uso de arma. O decreto editado pelo presidente especifica, traz hipóteses, é mais taxativo sobre aquilo que seria a ‘efetiva necessidade’, na qual cabiam diversas interpretações entendidas pela Polícia Federal; agora, o decreto traz as hipóteses do que é a ‘efetiva necessidade’ da posse de arma.”
Simbolismo do ato
Contrário à flexibilização da posse de armas de fogo, Braida ressaltou, ainda, que o decreto assinado por Bolsonaro não legaliza a posse, uma vez que já era regulamentada pelo Estatuto do Desarmamento. “Há uma questão estratégica a se pensar. Parece que o presidente Jair Bolsonaro está, de fato, liberando as armas e, desta maneira, garantindo um compromisso de campanha. Na verdade, as armas sempre foram legais. O que ele faz, de fato, é facilitar, em alguma medida, e desburocratizar o acesso às armas.” Conforme Braida, a medida tem efeitos simbólicos. “A minha preocupação é sobre a legitimação do uso de armas, ou seja, em como a sociedade vai interpretar o simbolismo deste ato e em como o brasileiro vai reagir dentro da possibilidade de armamento. Na minha opinião, o decreto legitima a utilização de arma de fogo dentro da nossa sociedade, no nosso cotidiano, sobretudo em questões de violência contemporânea.”