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PJF dispensa licitação em contrato de R$ 2,3 mi para gestão de medicamentos

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adriano miranda by olavo prazeres
Para vereador, Prefeitura deveria ter se preparado para possível troca da antiga prestadora de serviços e não fazer contratação emergencial (Foto: Olavo Prazeres)
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Presidente da Comissão Especial de Fiscalização de Processos Licitatórios da Câmara Municipal de Juiz de Fora, o vereador Adriano Miranda (PHS) pretende solicitar detalhamentos junto à Secretaria Municipal de Saúde sobre a contratação, por parte da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), de uma empresa para a prestação de serviços de armazenagem, estocagem e distribuição de medicamentos e outros artigos hospitalares. A contratação da Jeová Jired Transportes BR Ltda. – cujo nome fantasia é Zamed Log – foi publicada no Diário Oficial Eletrônico do Município em 1º de junho e se deu por meio de contratação direta, sem a realização de processo licitatório, portanto. O prazo do acordo para a prestação dos serviços é de seis meses ao custo global de R$ 2.326.477,50.

Para buscar mais esclarecimentos sobre o contrato em questão, Adriano Miranda protocolou, na Câmara, dois requerimentos que tratam, basicamente, da convocação do secretário de Saúde, Márcio Itaboray, e do subsecretário de Execução Instrumental da Secretaria de Saúde, Mariano Miranda. Cabe destacar que, quando da assinatura do contrato emergencial, Itaboray ocupava a secretaria adjunta, sendo que o titular da pasta era Paulo César de Oliveira. Em movimentação feita conjuntamente com outros três vereadores – Ana Rossignoli (MDB), José Fiorilo (PTC) e Carlos Alberto Melo (Casal, PTB) -, Adriano solicitou ainda toda a documentação referente à contratação direta. Em contato com a Tribuna, o vereador afirma que a sua intenção é de jogar luz sobre a necessidade ou não de que tal contratação fosse realizada por meio de dispensa de licitação.

Adriano ressalta ainda que, diante dos vários questionamentos feitos à empresa que respondia pelos serviços até o dia 5 de junho de 2019, a Unihealth, a Secretaria de Saúde devia ter se preparado para a possível troca da prestadora de serviços, sem, assim, lançar mão de uma ferramenta emergencial de contratação. “Causa muito estranhamento que, apesar de todo este período em que a Unihealth passou por vários questionamentos, inclusive de vereadores, tenha-se esperado o vencimento do contrato para, só aí, realizar um chamamento emergencial”, afirmou Adriano, que destacou que a Unihealth vinha sendo questionada “não só pela prestação dos serviços, mas também pelos valores do contrato”.

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PJF alega que contrato segue Lei das Licitações

Procurada pela Tribuna, a PJF alega que a contratação direta da Zamed Log, bem como a dispensa de licitação, seguiram as regras estabelecidas pela Lei Federal 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública, além de expedientes constantes do processo administrativo. Em nota, o Município afirma que “atender ao cidadão é a prioridade da Prefeitura de Juiz de Fora”. “A população não pode ser prejudicada em relação ao acesso aos medicamentos que são oferecidos pelo SUS.”

“Devido à inesperada recusa da empresa Unihealth em dar continuidade ao contrato, a Secretaria de Saúde teve que tomar medidas para contratação de empresa para gestão de seu estoque e distribuição de seus materiais de saúde. Isto porque contamos com aproximadamente 19 milhões de unidades de itens guardados, que somam custo aproximado de R$ 5 milhões e que são entregues em mais de 70 pontos, como unidades básicas de Saúde (UBSs), UPAs e HPS, entre outros. Assim, não era possível aguardar a conclusão de processo licitatório sem que houvesse prejuízo ao interesse público, em especial à assistência à saúde, motivo pelo qual foi necessária a realização da contratação direta prevista no art. 24, IV da Lei 8.666/93”, afirma a nota.

Empresa afirma que cumpriu todos os requisitos

Em nota encaminhada à Tribuna, a Zamed Log afirma que todos os requisitos e condições para habilitação no certame foram “fielmente preenchidos, não havendo qualquer irregularidade que pese sobre a constituição da empresa, seu quadro societário, ou ainda sobre sua participação no processo de dispensa de licitação – da apresentação de proposta ao cumprimento de seu objeto e prazos.”

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A Zamed Log destaca ainda que atua no mercado há aproximadamente seis anos, “com clientes dos segmentos de gestão e logística”. “Nossos diretores têm mais de 15 anos de experiência em logística e gestão de estoque, participando em projetos de gestão de grandes clientes como: MRS, Rumo, Enesa, GE, Oi, Consórcio Integrar, Unilever, Avon, Natura, dentre outros.”

“A Zamed Log é uma empresa de operação logística completa que coloca à disposição de seus clientes soluções logísticas de transporte, tracking e distribuição de bens de consumo, além de armazenagem e gestão de estoque, serviços esses direcionados à execução integral dos serviços contratados pela PJF, inclusive com software próprio e ferramentas modernas, com vistas à promoção da racionalização do uso dos materiais geridos e à redução de custos para nossos clientes”, afirma a nota.

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A empresa ainda detalhou os serviços prestados à Prefeitura, citando a gestão do Centro de Distribuição do Município, nos estoques do Hospital de Pronto Socorro (HPS), da Regional Leste, da Farmácia Central e da Farmácia de Mandados Judiciais, além de promover a distribuição de medicamentos e insumos para toda rede pública de saúde com mais de 90 pontos de entrega.

“Atualmente a empresa disponibiliza 54 funcionários exclusivos para estes serviços. Todos os processos e operações da ZAMED LOG atendem, criteriosamente, às exigências previstas em lei para realização de suas atividades, estando a empresa à disposição para oferecer todas as informações que forem solicitadas.”

Procurador do Município aponta inércia

A Tribuna teve acesso à documentação do processo administrativo que resultou na contratação direta da Zamed Log. Entre centenas de páginas, chama a atenção parecer exarado pela Procuradoria-Geral do Município (PGM), em que se destaca certo receio com o procedimento e os motivos que levaram à dispensa de licitação. No texto, o procurador-geral do Município, Edgar Souza Ferreira, no entanto, reconhece que “a situação emergencial (…) está caracterizada, uma vez que o Município de Juiz de Fora não pode prescindir dos serviços sem incomensuráveis prejuízos ao usuários do SUS”. Assim, excepcionalmente, após fazer várias ressalvas, a PGM opinou favoravelmente ao modelo de contratação direta colocado, com a consequente dispensa de licitação.

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No documento, o procurador-geral pontua a necessidade de “reconhecer a situação emergencial do caso, ainda que fruto de possível inércia das unidades gestora envolvidas”. “Serviços nevrálgicos para administração municipal (…) têm de ser planejados, revelando-se a conduta das unidades gestoras envolvidas, no mínimo arriscada e temerária, porquanto qualquer impedimento apontado neste parecer, poderia inviabilizar a contratação”, destaca o parecer.

O texto diz ainda que a administração pública deve trabalhar com prazos razoáveis. “o que não se revela na hipótese”. “Ainda que se admita a existência de fatos retardadores do processo, certo é que a Administração não trabalhou com margem de segurança mínima, para eventuais percalços do processo de contratação ou mesmo do novel procedimento licitatório”, reforça o texto. O procurador-geral ressaltou ainda que, naquele momento, estava caracterizada a emergência, “pouco importando que a mesma seja decorrente de eventual inércia administrativa”.

PGM sugere sindicância para apurar possível falha

Diante do cenário colocado, o procurador-geral do Município reforça que a “situação apresentada impõe uma solução de caráter urgente”. Por outro lado, defende que sejam aplicados procedimentos “com vistas a se apurar se a situação emergencial ora constatada ‘foi gerada por falta de planejamento, desídia ou má gestão, hipótese que, quem lhe deu causa será responsabilizado na forma da Lei’”, afirma, citando orientação normativa da Advocacia-Geral da União.

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Neste sentido, a PGM sugere a a abertura de uma sindicância para apurar possíveis falhas nos procedimentos administrativos que resultaram na dispensa de licitação. “Se por um lado não se pode deixar de contratar fornecedor para atendimento prestação dos serviços indispensáveis ao pleno funcionamento da Administração Pública, por outro lado, a necessidade de se corrigir as falhas administrativas nos procedimentos de compra e apurar, a critério do gestor da unidade, em sindicância, a existência de falha funcional no processo”, recomenda o procurador-geral.

Sócio da Zamed é ex-diretor do Demlurb

A Zamed possui um acordo de seis meses com a PJF, o que resultará em um aporte de R$ 2.326.477,50 ao seu caixa. Este, porém, não é o primeiro vínculo que um dos sócios da empresa mantém com o Município. Integrante do quadro societário da empresa, o administrador André Zatorre foi diretor-geral do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb) durante o primeiro mandato do ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB). Desta maneira, ele foi ligado ao primeiro escalão do Poder Executivo municipal entre 1º de janeiro de 2013 e abril de 2014, quando, a pedido, foi exonerado por Bruno, seguindo para a iniciativa privada.

Questionada pela Tribuna, a PJF afirmou que o antigo vínculo de Zatorre com a Administração entre 2013 e 2014 não tem qualquer relação com a recente contratação direta da Zamed para a prestação de serviços para o Município. “A Prefeitura de Juiz de Fora não escolhe prestadores de serviços e segue rigorosamente o estipulado pela Legislação. No caso específico, foram enviados pedidos de cotação para seis empresas de Juiz de Fora e 17 de todo o Brasil. Todas do ramo pertinente à contratação em tela. Venceu a que ofertou o menor valor e que preencheu os requisitos legais estipulados na Lei de Licitação. Não houve nenhum outro critério de seleção de empresas para a contratação que, inclusive, foi avaliada por todas as instâncias da Prefeitura”, afirma nota encaminhada à reportagem.

O Município destacou ainda que, “no ato da avaliação da documentação (da Zamed), em especial o contrato social, foi verificado que o sócio em questão foi ocupante de cargo no Poder Executivo, porém já havia sido exonerado há mais de cinco anos, o que, portanto, não incidia em qualquer vedação ou impedimento da contratação, conforme previsto no art. 9º da Lei de Licitações”. “Desta forma, fica claro que o processo de contratação direta em questão guardou total lisura e conformidade com as disposições legais pertinentes. Sendo nossa preocupação a manutenção do serviço público essencial e dos excelentes resultados advindos do modelo de gestão do estoque da Secretaria de Saúde”, reforça a PJF.

Ainda segundo a PJF, a Zamed presta serviço similar ao realizado anteriormente pela Unihealth, “que encerrou suas atividades em 5 de junho de 2019”. A nova contratada já está responsável pelas atividades desde 6 de junho de 2019. O Município reforça ainda que, para a contratação emergencial, “foram requeridos os comprovantes de habilitação jurídica, qualificação técnica, econômico-financeira e regularidade fiscal e trabalhista, assim como o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição”. Por fim, a PJF ressalta que já trabalha na produção de um novo processo licitatório que será lançado para dar sequência aos serviços ao fim do contrato de seis meses assinado com a Zamed.

Objeto da empresa foi alterado dois meses antes de assinatura de contrato

Na documentação à qual a Tribuna teve acesso, constam ainda duas alterações contratuais pelas quais passaram a Zamed desde sua abertura em maio de 2014, ambas registradas na Junta Comercial de Juiz de Fora. Na primeira delas, em julho de 2018 – ou seja, há pouco menos de um ano da contratação direta firmada com a PJF -, foi definido que a Jeová Jired Transportes Ltda. passaria a atender pelo nome fantasia de Zamed Log. Na ocasião, também foi alterado o objeto da sociedade – à época, formada por André Zatorre e sua esposa Adriana Rocha Zatorre Medeiros -, que passou a ser a prestação de serviços de transportes de cargas intermunicipal, municipal, e interestadual e de serviço de apoio administrativo.

Uma segunda alteração contratual ocorreu em abril de 2019, há menos de dois meses da assinatura da contratação direta firmada junto ao Município. Nela, a razão social da empresa passou a se chamar Jeová Jired Transportes BR Ltda. Segundo documento protocolado na Junta Comercial, a modificação foi registrada no dia 22 de abril. Desta maneira, a mudança ocorreu após a PJF ter iniciado os pedidos de cotação para a prestação do serviços, que, segundo a documentação à qual a Tribuna teve acesso, ocorreu a partir do dia 4 de abril. Outros registros mostram que a Zamed já havia trocado e-mails com representantes do Executivo relacionados à cotação antes do dia 22 de abril em pelo menos duas ocasiões: nos dias 15 e 16.

Uma vez mais, na segunda alteração contratual, o objeto da sociedade foi alterado passando a ser “a prestação de serviços de transporte rodoviário de cargas municipal, intermunicipal e o transporte de produtos farmacêuticos, produtos para a saúde, cosméticos, perfumaria, produtos para a higiene, medicamentos, medicamentos de controle especial, insumos farmacêuticos, saneantes, insumos farmacêuticos sujeitos a controle especial, transporte rodoviário de produtos perigosos, armazenagem de bens, carga e descarga, logística, serviços auxiliares de transportes aéreos, exceto operação dos aeroportos e campos de aterrissagem e prestação de serviços administrativos”.

Aporte financeiro

Também a menos de dois meses da assinatura da contratação direta, a Zamed Log fez uma reconfiguração societária com aporte de capital. Até a alteração de julho de 2018, André Zatorre e sua esposa apareciam como sócios de uma empresa que tinha capital social de R$ 5 mil – 97% das quotas sociais estavam no nome de André. Com o registro da mudança em abril deste ano, Guilherme Chiani Villar Paschoalino Costa passou a integrar o quadro de sócios da empresa. O capital social da empresa também foi alterado, passando de R$ 5 mil para R$ 762.866. Na nova configuração, André e Guilherme possuem 44,5% das quotas da empresa. Adriana tem cerca de 1%.

Procurador municipal sugeriu contrato de três meses

A documentação à qual a Tribuna teve acesso mostra que o formato da contratação direta de uma prestadora de serviços de armazenamento, estocagem e distribuição de medicamentos passou por outros questionamentos dentro de seu processo administrativos. Segundo o material, inicialmente foram feitas cotações junto a seis empresas locais. Em seguida, por orientação da Comissão Permanente de Licitação (CPL) da PJF, conforme admitido em nota pela Prefeitura, foram solicitadas cotações a outras 17 empresas.

Neste universo, a Tribuna conseguiu identificar outras propostas além da feita pela Zamed, porém superiores. No material analisado, por exemplo, a reportagem também identificou respostas feitas, como o de empresa de fora da cidade, que demonstrou interesse em disputar o serviço, porém considerou exíguos os prazos apontados no pedido de cotação da PJF, até pela necessidade de se adaptar fisicamente a cidade em tempo hábil que não resultasse na desassistência do serviço.

Diante deste cenário, um procurador municipal chegou a sugerir que o contrato emergencial a ser assinado com uma prestadora de serviços tivesse sua validade diminuída de seis para três meses. “Considerando que se trata de valor bastante elevado, sugiro como alternativa para minimizar o impacto das contratações nas contas públicas que a contratação não se dê por 180 dias e sim por 90 dias.” No parecer, o técnico defende que a redução do prazo possibilitaria demonstrar que o preço apurado no processo que resultou na escolha da Zamed “encontra-se dentro das condições mercadológicas”.

Cláusula contratual
O parecer em questão foi exarado no dia 31 de maio, uma dia antes, portanto, da publicação da contratação direta da Zamed. Em outro documento, o então secretário de Saúde, Paulo César Oliveira, afirma que, em que pese a manifestação do procurador, “solicito a não alteração do prazo constante do contrato já assinado pela empresa contratada e esse secretário, no qual, inclusive, constou cláusula expressa acerca da possibilidade de rescisão contratual quando da conclusão do processo licitatório pertinente.”

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