A 22ª Promotoria de Justiça de Juiz de Fora do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou um procedimento preparatório para apurar possíveis irregularidades em termos de colaboração firmados entre a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e a Associação de Apoio às Crianças e Idosos (AACI). A movimentação do MPMG se deu após o surgimento de denúncias nas redes sociais, que foram ecoadas pelo vereador Sargento Mello Casal (PTB), de oposição à gestão da prefeita Margarida Salomão (PT), e pelo Sindicato dos Servidores Públicos de Juiz de Fora (Sinserpu-JF). Os questionamentos apontam que, no momento da celebração dos convênios, a AACI era presidida por uma cunhada do secretário de Comunicação Pública da PJF, Márcio Guerra. A PJF alega que, no momento, não mantém nenhum vínculo com a associação em questão.
As denúncias apontam que o alegado parentesco em segundo grau por afinidade desrespeita a Lei federal 13.019, de 2014, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. Isso porque a legislação vigente impede o poder público de celebrar qualquer modalidade de parceria com organização da sociedade civil que “tenha como dirigente membro de Poder ou do Ministério Público, ou dirigente de órgão ou entidade da administração pública da mesma esfera governamental na qual será celebrado o termo de colaboração ou de fomento, estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges ou companheiros, bem como parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau”.
Questionada pela reportagem, a Prefeitura afirmou que já encerrou os termos de colaboração firmados com a AACI. “No momento, a Prefeitura de Juiz de Fora não tem nenhuma relação com a Associação de Apoio a Crianças e Idosos. A entidade foi desqualificada dos certames públicos dos quais participava e revogados os convênios firmados anteriormente”, afirmou o Município por meio de nota. A PJF afirmou que ainda não foi notificado sobre o procedimento preparatório instaurado pelo Ministério Público, “mas está à disposição para prestar todas as informações que forem consideradas relevantes sobre o caso”.
AACI
Também por meio de nota, a AACI afirmou à reportagem que “não foi notificada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a respeito do referido procedimento”. “No entanto, caso venha a ser notificada, os devidos esclarecimentos serão prestados ao órgão ministerial, sendo certo que esta instituição sempre pautou suas condutas dentro da legalidade e moralidade, prestando seus serviços com zelo e excelência.
A 22ª Promotoria de Justiça de Juiz de Fora do Ministério Público de Minas Gerais, por sua vez, informou à reportagem que as apurações ainda estão em fase inicial. O procedimento preparatório foi instaurado no último dia 4. Segundo o MPMG, o dispositivo ainda deve verificar denúncias que apontam um possível descumprimento do contrato de fornecimento de alimentação por parte da associação, que teria sido identificado em fiscalização realizada por assessores do vereador Maurício Delgado (União).
Cinco termos de colaboração suspensos ‘cautelarmente’
Em consulta feita pela reportagem no Portal da Transparência mantido pelo Município, foi possível identificar a íntegra de três termos de colaboração firmados entre a PJF e a AACI desde janeiro de 2021, início do mandato da atual Administração. Nos três documentos, o nome que consta como representante legal da AACI é da pessoa apontada pelas denúncias como cunhada do secretário de Comunicação. Os valores dos convênios somam quase R$ 4,25 milhões, mas os valores repassados pela PJF à associação vai além deste montante, visto a existência de outros termos e de aditivos contratuais.
O primeiro dos contratos identificados e analisados pela reportagem teve validade entre dezembro de 2021 e novembro de 2022, para o “Programa de Apadrinhamento Afetivo”, para crianças e adolescentes. O valor do convênio em questão foi de R$ 137.670,23 por um contrato de 12 meses.
Os demais são mais recentes e foram celebrados em maio deste ano. Em um deles, assinado no último dia 11 de maio, prevê o pagamento de R$ 1.089.203,40 por parte da PJF à AACI para gestão de um equipamento público na modalidade Cozinha Comunitária, no Bairro Benfica, na Zona Norte.
O terceiro termo de colaboração assinado entre a PJF e a AACI localizado pela reportagem tem os maiores valores, definidos em R$ 3.020.591,70 para um contrato de 30 meses. Neste caso, o serviço contratado pelo Município foi para o “Serviço de Acolhimento Institucional, modalidade Casa de Passagem, com 16 horas de atendimento, com 50 vagas para adultos do sexo masculino e feminino em situação de rua”.
Suspensão cautelar
Contudo, a relação entre as partes iam além desses três contratos identificados pela reportagem. No último dia 5 de junho, a PJF publicou a suspensão cautelar de cinco termos mantidos entre o Município e AACI. Dois deles dizem respeito, exatamente, aos contratos dos serviços da Cozinha Comunitária de Benfica e da Casa de Passagem, citados anteriormente.
Outro contrato suspenso cautelarmente diz respeito ao projeto “Direito à Vida e à Saúde”, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. A iniciativa é voltada à promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e adolescente no Município e tem valor global de R$ 110.040,48. O contrato tinha vigência de um ano, contado a partir do último dia 14 de março.
Um quarto dispositivo está relacionado a contrato inicialmente assinado em maio de 2022, com valor global definido em R$ 460 mil para a execução dos serviços do “Espaço de Cuidados para a Pessoa Idosa”. Este termo tinha validade de 12 meses, mas foi alvo de aditivo de seis meses, com valor global definido em R$ 230 mil.
Por fim, o quinto contrato suspenso cautelarmente pela PJF no último dia 5 de junho também está relacionado a um aditivo contratual de mais 12 meses referente ao acordo entre as partes para a prestação de serviços de atendimento do “Programa de Apadrinhamento Afetivo”, também citado anteriormente. Nesta extensão contratual, o valor global definido foi reajustado para R$ 180 mil.
Sinserpu também faz questionamento
No último dia 21 de junho, o Sinserpu procurou a 22ª Promotoria e apresentou documentos apontando possíveis irregularidades na relação contratual entre a Prefeitura de Juiz de Fora e a AACI. O receio do sindicato era de que a participação da associação em chamamentos públicos da área de assistência social do Município poderia comprometer a prestação de serviços e as atividades da Associação Municipal de Apoio Comunitário (Amac).
Ao apresentar os documentos, o Sinserpu pontuou ainda que, diante de denúncias de irregularidades, a própria Administração Municipal inabilitou AACI e admitiu a existência, na associação, de “dirigente parente em segundo grau de dirigente de órgão da administração municipal”. A inabilitação citada, por exemplo, ocorreu no dia 5 de junho, no Chamamento Público 01/2023, da Secretaria de Assistência Social (SAS).
Na decisão que implicou na inabilitação da AACI do certamente, a PJF alegou que, “após diligência realizada pela Comissão de Seleção, foi constatada divergência entre a documentação apresentada pela OSC Associação de Apoio a Crianças e Idosos, especialmente quanto à Declaração de Não Ocorrência de Impedimentos”, citando o fato de a dirigente da entidade ser “parente em segundo grau de dirigente de órgão da administração municipal”.