Há cem dias, Margarida Salomão (PT) chegou ao comando do Município, função que perseguiu obstinadamente por quatro eleições, entre 2008 e 2020. Primeira prefeita da história da cidade, assumiu em meio a uma tormenta. Em 1º de janeiro de 2021, a crise financeira da Prefeitura de Juiz de Fora, que já se arrasta há anos, somava-se à maior adversidade sanitária do último século, com a pandemia da Covid-19 vitimando cada vez mais pessoas em todo mundo. Ante o cenário turbulento, dias antes de sua posse, a prefeita elencou como prioridades de seus primeiros cem dias de Governo, mirando o avanço da vacinação, um choque de zeladoria e medidas de combate à fome da população mais vulnerável. Nos três aspectos, houve avanços. Contudo, ainda existem muitos desafios.
O maior desafio de todos os prefeitos do Brasil que assumiram mandato no último dia 1º de janeiro é, de longe, conter a pandemia que se acentuou nos primeiros meses de 2020. Em Juiz de Fora, a situação não é diferente. No ano passado, entre 8 de abril – quando foi registrada a primeira morte em decorrência da infecção pelo coronavírus na cidade – e o dia 31 de dezembro, foram registrados 536 óbitos. Este ano, até a noite da última quinta-feira, em 97 dias, portanto, a cidade já chorava 655 mortes por conta da Covid-19.
A principal resposta dada pela atual Administração ao funesto momento pelo qual a cidade passa se deu na ampliação da rede de saúde. Segundo dados da Secretaria de Saúde, foram criados um total de 58 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) SUS Covid-19 na cidade em 2021, o que representa um aumento de 58% em relação a dezembro do ano passado. A busca por novas vagas tem se mostrado incessante na cidade, uma vez que, ainda em 15 de janeiro, a prefeita anunciou a criação de sete leitos e outros 18 foram criados em abril.
A ampliação da rede efetuada pela atual Administração em parceria com outras entidades, todavia, parece aquém do avanço da pandemia na cidade e em todo o estado. Há semanas, mesmo com a ampliação dos leitos, as taxas de ocupação não arrefecem e, na tarde da última sexta-feira, 98,1% das vagas de UTI Covid da rede pública estavam ocupadas, conforme painel mantido pela própria Prefeitura.
Medidas de enfrentamento à pandemia foram os principais focos de desgaste
Com o recrudescimento da pandemia na cidade, a Prefeitura se viu obrigada a recorrer a medidas mais rígidas para tentar conter a curva de contágio pelo coronavírus e o consequente aumento de casos e de internações que mantêm o sistema de saúde local à beira do colapso e que, em determinado momento, resultou na transferência de pacientes para outros municípios.
Pregando o diálogo com todos os setores da cidade desde sua campanha, a gestão de Margarida Salomão até sinalizou uma flexibilização das regras ainda em seu primeiro mês de mandato. Em 25 de janeiro, a prefeita anunciou a saída do programa Minas Consciente, que, à época, classificava a cidade na onda vermelha, resultando no fechamento de alguns segmentos. A decisão da gestão foi dar um passo adiante e estabelecer normas próprias no âmbito do programa Juiz de Fora pela Vida.
O esboço de abertura, acordado com representantes dos setores produtivos, abriu campo também para o avanço do vírus, reforçado por novas cepas e variantes que já preocupavam diversas regiões do país. Após um breve cenário de otimismo dos indicadores, veio uma arrebatadora escalada. Em 7 de março, na iminência de um colapso, a prefeita Margarida anunciou a reclassificação da cidade para a onda roxa do programa Juiz de Fora pela Vida, que é chamado pela Administração de “lockdown”, mesmo não sendo um fechamento mais amplo como visto em outros países ou no município paulista de Araraquara, por exemplo.
Suspensão dos ônibus gerou arestas até com vereadores
Como Juiz de Fora não é uma ilha, a escalada dos indicadores foi replicada também em cidades vizinhas. Em 8 de março, já circulava a informação de que a região seria colocada pelo Governo de Minas na onda roxa do programa Minas Consciente, impositiva aos municípios, o que aconteceu, de fato, a partir do dia 13 daquele mês. Quatro dias depois, todo o estado foi classificado na onda roxa. Ante o aumento dos indicadores, Margarida decretou regras mais específicas dentro dos protocolos estaduais e, entre outras medidas, decretou a suspensão da circulação dos ônibus que integram o transporte coletivo urbano entre 20h e 5h.
A decisão, talvez, tenha sido a mais polêmica do Governo Margarida. Tornada pública no início do dia 15, uma segunda-feira, o decreto entrou em vigor de imediato. Os ônibus foram retirados das ruas, o que pegou a população de surpresa. A decisão foi mal recebida em vários setores e foi fator de desgaste para a prefeita por dois dias, inclusive entre os vereadores que integram a atual legislatura da Câmara. A sangria foi estancada no dia 17. A Justiça determinou a retomada da prestação do serviço, decisão acatada, sem resistência, pela Prefeitura.
Em março, prefeita foi alvo de protestos e denunciou ameaças
Os fechamentos determinados primeiro no âmbito municipal e depois no estadual acentuaram os primeiros gritos de descontentamento com a atual Administração. Os temores vivenciados por comerciantes e prestadores de serviços por conta dos fechamentos provocados pelas medidas restritivas levaram à incidência de protestos. Em parte orgânicos, mas em boa parte cooptados por figuras e grupos políticos que fazem oposição à prefeita.
Em alguns momentos, o Governo trabalhou o diálogo com representantes dos manifestantes, como em reunião realizada no dia 11 de março. A relação, contudo, mostrou notas altas de azedume no dia 22, quando, após uma carreata, um grupo de manifestantes se aglomerou nas ruas centrais da cidade, direcionando à prefeita críticas pelo fechamento de atividades comerciais, que, àquela altura, já seguiam regras definidas pelo Governo do Estado.
A manifestação do dia 22 teve tom pouco amistoso e foi respondida por Margarida, que, apesar de se dizer aberta ao diálogo e ao pleito levantado por comerciantes e prestadores de serviços, classificou alguns dos vieses políticos vistos nos protestos como antidemocráticos. A prefeita também reagiu a ameaças pessoais feitas nas redes sociais, levando tais situações às autoridades.
Após frustração em aquisição de imunizantes, vacinação ganhou velocidade nas últimas semanas
Colocada como uma das principais metas dos primeiros dias de Governo, a estratégia de vacinação contra a Covid-19 foi um capítulo à parte dos primeiros meses do Governo Margarida Salomão. Mesmo antes da posse, a prefeita já havia sinalizado a intenção de adquirir imunizantes para a população. Um memorando assinado com o Instituto Butantan, ainda no ano passado, para a compra de um milhão de doses acabou invalidado quando o instituto assinou contrato com o Ministério da Saúde, que passou a centralizar as vacinas produzidas pela entidade paulista. Margarida ainda tenta adquirir o antiviral e formalizou participação em consórcio intermunicipal que ainda trabalha para uma possível compra de vacinas.
Sem uma solução própria, assim como acontece em todos os municípios brasileiros, a Prefeitura conta apenas com os imunizantes repassados pelo Ministério da Saúde no âmbito do Programa Nacional de Imunização (PNI), que ainda claudica com a ineficiência do Governo federal em adquirir vacinas no ano passado e a dificuldade para efetuar a compra neste ano. Em pequenas remessas, as doses começaram a chegar em Juiz de Fora no dia 19 de janeiro. No dia seguinte, a técnica em enfermagem Denise Maria Rocha de Freitas foi a primeira a ser imunizada na cidade, trazendo uma dose de esperança para a população.
14% da população recebeu ao menos uma dose de vacina contra Covid-19
Desde então, a cidade recebeu outras remessas. Com o tempo, questionamentos sobre a celeridade da campanha de vacinação na cidade começaram a ser levantados, em especial, nas redes sociais. No dia 19 de março, a Tribuna destacou que a imunização em Juiz de Fora apresentava o menor percentual de vacinação entre as dez principais cidades de Minas Gerais. A reportagem repercutiu mal nos corredores da Administração.
Coincidência, ou não, no dia seguinte, a secretária de Saúde Ana Pimentel anunciou a ampliação dos postos de vacinação e, desde então, o processo mostrou claros sinais de aceleração, com a própria Prefeitura destacando um maior número de pessoas vacinadas com, pelo menos, uma dose do imunizante a cada dia. Para se ter uma ideia, o percentual de habitantes da cidade que recebeu ao menos uma dose na cidade saltou de 5% em 19 de março da população local para cerca de 14% na última sexta-feira, quando, segundo dados da própria PJF, 78.826 cidadão já haviam recebido, pelo menos, a primeira dose.
Por cidade mais limpa, atual Administração adotou choque de zeladoria
Em meio a toda crise provocada pela pandemia, as demais ações tomadas pela Administração da prefeita Margarida Salomão ficaram um pouco mais distantes dos holofotes. Algumas, porém, mostram-se mais visíveis, como a criação do programa “Boniteza“, que aumentou a presença de equipes da Prefeitura nas ruas da cidade para um choque de zeladoria, colocado como meta pela prefeita para seus primeiros cem dias de gestão. Em fevereiro, por exemplo, a cidade avançou na contratação de cerca de 150 funcionários para atuar no Departamento de Limpeza Urbana, o Demlurb.
Com relação ao intuito de combater a fome da população mais vulnerável, medidas mais contundentes esbarram na situação financeira do Município, cujo rombo orçamentário em 2021 pode chegar a R$ 130 milhões, conforme estimativas feitas pela secretária de Fazenda, Fernanda Finotti, ainda em janeiro. No mesmo mês, a prefeita Margarida Salomão lançou programa chamado Mesa de Cidadania, espaço para instituições assistenciais, órgãos públicos, setores empresariais e do comércio participarem, em conjunto e de maneira mais otimizada, de forma a suprir demandas emergenciais no combate à fome. A primeira ação da iniciativa, contudo, aconteceu apenas no último dia 8. A Prefeitura também trabalhou a distribuição de “kit alimentação” em escolas e creches municipais.
O Governo Margarida Salomão ainda trabalhou para avançar em outras ações, como o estreitamento da relação com os diversos setores da sociedade, com a criação de uma mesa de diálogo que se reúne para tratar de temas específicos. As principais ações da iniciativa, contudo, concentraram-se no mês de janeiro até aqui, quando conversas mantidas com a comunidade do Bairro Poço Rico e adjacências resultaram na reabertura de uma passagem de nível no cruzamento das ruas da Bahia e Pinto de Moura.
Concurso da educação e reforma administrativa
Outro ponto de campanha em que o Governo Margarida conseguiu avançar nos primeiros meses do ano foi no lançamento de edital para a contratação de organizadora para concurso público, que visa a oferecer 630 vagas para profissionais da educação, mantendo os atuais moldes das carreiras, como pleiteiam os representantes dos docentes municipais.
Ao longo de seus primeiros cem dias de mandato, a prefeita Margarida Salomão ainda implementou uma reforma administrativa que resultou em aumento de cinco secretarias na Administração Direta.
Recuos
Em alguns momentos, a chefe do Executivo também se viu obrigada a recuar na indicação de nomes para compor seu Governo, o que já ocorreu nos quatro primeiros dias de Governo, quando a engenheira civil Patrícia Veras foi nomeada para a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) – extinta pela reforma administrativa – e destituída da função após vir a público que a profissional respondia por suspeita de improbidade administrativa por conta de ações no comando da Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade de Goiânia, em 2013 e 2014. Caso similar aconteceu com o ex-vereador João do Joaninho, que teve nomeação para cargo de provimento em comissão como assessor na Secretaria de Agricultura, Agropecuária e Abastecimento publicada no dia 13 de março e revogada no dia 20 do mesmo mês.
Tribuna traz entrevista com prefeita na próxima terça-feira
Na edição desta terça-feira, a Tribuna vai trazer uma entrevista com Margarida Salomão em que a prefeita será indagada sobre um balanço de seus dias à frente do Município e das dificuldades enfrentadas por sua gestão desde o início, quando precisou mobilizar esforços especiais para enfrentar as chuvas que castigaram a cidade nos primeiros dias de 2021.