Após dois mandatos como vice-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora, Girlene Silva encabeça a Chapa 1, “UFJF das Gentes”, na consulta eleitoral para definir a Reitoria no quadriênio 2024-2028. Professora do curso de enfermagem da instituição há 26 anos, ela divide a responsabilidade de continuar à frente da gestão da Universidade com o professor Telmo Ranzoni, do curso de psicologia. Diferente de Girlene, Telmo vai, pela primeira vez, participar do pleito, apesar de contar com experiência em gestão pública, principalmente fora da UFJF, quando foi diretor da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas. Em seu programa de gestão, a chapa enfatiza “as gentes diversas que aspiram vários sonhos”, com foco na inclusão, um dos assuntos abordados na entrevista a seguir.
Tribuna – Como se deu a formação da chapa?
Telmo Ronzani – Foi uma chapa que se formou naturalmente. Somos mais que uma chapa formada para a consulta eleitoral. Desde que eu cheguei aqui, a Girlene já era professora. Apesar de sermos de áreas diferentes, temos ações comuns, como a transformação do aluno desde a graduação e pós-graduação, além do fortalecimento do SUS. Nós nos encontramos em um projeto que à época era do Ministério da Saúde e desde então comungamos princípios de universidade muito próximos.
Quais os problemas e desafios enfrentados hoje pela Universidade e que a atual gestão, por algum motivo, não conseguiu avançar?
Girlene Alves – Não vale só identificar o problema hoje. Vale contextualizar. Quando nós assumimos, encontramos uma universidade que tinha esquecido suas práticas democráticas. Nosso primeiro esforço foi restituir os colegiados, para que, ao respeitar as decisões colegiais, a instituição tivesse mais segurança do ponto de vista acadêmico, administrativo, financeiro e jurídico. E, lógico, nós fomos enfrentando as adversidades de uma universidade desfinanciada, com um certo receio do debate democrático. Reconhecemos que precisamos melhorar algumas estratégias na gestão. O Telmo já sinalizou algumas, como criar um mecanismo para sermos mais céleres, mas é importante que a gente diga que no serviço público existe um tempo desejado e o tempo de fato que é real. Não podemos esquecer que essa universidade era totalmente analógica, que já evoluímos em vários processos e que precisamos intensificá-los. Nós precisamos aprimorar modelos e ampliar a participação de estudantes, sobre o que ele experiencia dentro da universidade e, para além do ensino da sala de aula, que ele tenha acesso a mais bolsas de iniciação científica, de monitoria, de extensão. Isso está na nossa proposta. Reconhecemos avanços e os problemas, para aprimorar o modelo de gestão, ampliando a participação da nossa política de assistência estudantil. Em relação a isso, somos no Brasil uma das instituições que têm fluxo contínuo de apoio. Nenhum aluno nosso fica na fila. Isso não pode retroceder. Temos também as vagas ociosas, que é um fenômeno nacional. É tão nacional que nós temos uma portaria que foi publicada há uns 20 dias pelo Ministério da Educação. No caso, uma comissão tem 60 dias para mapear as vagas ociosas nas universidades federais e tentar fazer esse diagnóstico para saber o que está acontecendo. Os cursos estão menos atrativos? O empobrecimento faz com que o aluno que trabalha não consiga concluir seus estudos? A universidade não tem uma política de permanência que possibilite esse aluno ficar dentro da instituição? Durante a pandemia, quando a UFJF instituiu o ensino remoto, foi preciso assegurar o auxílio digital. Nós precisamos entender o fenômeno de fato da evasão para que a universidade pública brasileira seja assertiva em “trazer de volta”. Nós não queremos nenhuma sala de aula vazia na universidade, muito pelo contrário, nós trabalhamos para termos salas de aulas com muitos estudantes.
Telmo – Outro elemento é que a necessidade de Governador Valadares é diferente. Precisamos pensar políticas voltadas para as necessidades regionais. Então você tem a bolsa de iniciação à arte em Governador Valadares que pode e deverá ter um caráter muito distinto pela população da região. Da mesma forma a extensão, a pesquisa. Isso obriga a gestão da UFJF a estar muito atenta e comprometida não só com uma região, mas com as regiões com as quais a UFJF tem o compromisso de contribuir.
O que poderá ter continuidade em relação ao trabalho atual e quais outras propostas a Chapa gostaria de destacar?
Girlene – É importante situar os eixos finalísticos da nossa proposta, que tem uma preocupação desde o nosso aluno do João XXIII de 6 anos até o nosso aluno da pós-graduação de Juiz de Fora e em Governador Valadares. Nossas perspectivas são de avançar na área das ações afirmativas de uma política de assistência estudantil forte para pensar novos modelos de gestão. Nós somos uma das instituições no Brasil que hoje atende nosso aluno com renda per capita de até um salário mínimo e meio, a maioria chega a meio salário mínimo. Na nossa proposta avançamos nesse sentido. Não existe incompatibilidade de financiar pesquisa, inovação, ensino de qualidade com a política forte de assistência estudantil e ampliando os outros eixos. Sobre a permanência, há dois indicadores que estimulam a saída da universidade. Um deles é a alimentação saudável com preço acessível. Estamos em uma universidade com preço acessível e vamos continuar mostrando que é um investimento compatível. Outro elemento fundamental é a moradia. Nós estamos pensando moradia não só como lugar para dormir, mas como o lugar que você constrói vida, relações e histórias. Estamos discutindo políticas para o desenvolvimento na pesquisa de pós-graduação, além de inovação desde os alunos do João XXIII, com bolsas específicas de inovação, para enriquecer a formação do aluno e para que ele possa ter a capacidade de pensar como o conhecimento dele pode ser aplicado para a vida dele e para a sociedade.
Telmo – Às vezes existem críticas falando que não é papel da universidade, que deveríamos investir mais na questão acadêmica e ficar sendo menos assistencialistas. Essa é uma sensibilidade que temos e, para quem não tem, isso faz toda a diferença. É por isso que temos preocupação transformadora. Direitos básicos não é algo trivial, é uma obrigação ética, humanitária e civilizadora investir nisso. A UFJF já é um modelo nacional na área de cultura, foi a primeira a ter uma Pró-Reitoria de Cultura, responsável por incentivar projetos culturais com a valorização da expressão popular, da expressão artística e que faz com que a universidade seja cada vez mais viva. Temos na nossa proposta a perspectiva de articular essas ações para que tenhamos uma universidade mais viva e participativa e que a sociedade possa circular por dentro da universidade de uma maneira mais efetiva e dinâmica. Temos uma preocupação com a saúde mental. Vamos ter um nível assistencial importante para dar esse suporte objetivo para as pessoas, mas queremos trabalhar uma ação de saúde mental que seja ambiental, integrada e sistematizada, então temos uma proposta a partir de muita conversa para mapear os vários pontos, para integrar e agir de acordo com as necessidades pensando muito mais na intervenção coletiva, que a gente acredita que vai ser muito mais eficiente. Quanto aos processos, entendemos que eles são atividades meio, que não se acabam em si mesmos, o processo é um meio pelo qual vamos trabalhar para melhorar a universidade. Para isso, temos que ter essa visão do que queremos avançar para pesquisa, o que a queremos para a pós-graduação, para a extensão, para graduação, para o colégio, quais são os desafios para Valadares, essas ferramentas têm que servir para essa política e não o contrário. Teremos uma equipe capacitada e um corpo técnico altamente qualificado para que esses processos sejam mais resolutivos possíveis.
Sobre o Hospital Universitário, quais os planos?
Girlene – O HU contribui na formação de múltiplas áreas. A saúde é a base, mas sobretudo porque é o lugar de fortalecimento de uma política pública fundamental para o povo brasileiro, que é o fortalecimento do SUS. Por si só, o HU ocupa uma relevância dentro da estrutura da Universidade. O nosso desafio é avançarmos na perspectiva da retomada da obra. O HU está no Plano de Aceleração do Crescimento do Governo federal, então nós temos aí 2024-25 para concluir a obra até julho de 2026. Nisso saímos de 125 leitos para 350. Não é que a nossa formação em saúde seja só da assistência terciária, mas a gente faz um contínuo processo de formação em saúde que é muito importante. A nossa expectativa é que, ao termos a obra finalizada, avancemos em contratos no SUS, o que vai possibilitar que o HU prospecte muito mais a sua missão que é de ensinar, fazer boas pesquisas, ter uma relação forte com seus projetos de extensão, mas, sobretudo, que possa continuar sendo referência para mais de 92 municípios.
Suas considerações finais, por favor.
Girlene – Apresentamos uma proposta debatida e elaborada por professores, estudantes e técnicos de Governador Valadares e Juiz de Fora, dos diversos espaços da instituição. Uma proposta sensível, séria, no sentido de não elaborar nada que não pudesse ser feito. Estamos apresentando uma proposta de fortalecimento da universidade, que apresentou resultados não só para dentro da UFJF, mas para fora. Ao apresentar essa proposta, nós nos comprometemos em sermos gestores éticos, comprometidos e vocacionados com a gestão pública, democrática e republicana, mas sobretudo comprometidos com a universidade pública, gratuita, plural e diversa.
Telmo – Entendemos que uma gestão eficiente é aquela que junta, não a que cria falsas dicotomizações, então a gente quer internacionalizar, quer inovar, quer fazer pesquisa, quer formar as pessoas com o máximo de qualidade possível, mas sempre o que nos move é a perspectiva da transformação social e a diminuição das desigualdades sociais, reforçando que todos são importantes para nós.