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Fim de coligação proporcional

Com 1.353.820 votos, Tiririca ajudou a eleger Genoino, João Paulo Cunha e Valdemar da Costa Neto (Fotos: Walter Campanato/ABR - Renata Araujo/ABR - José Cruz/ABR)
Com 1.353.820 votos, Tiririca ajudou a eleger Genoino, João Paulo Cunha e Valdemar da Costa Neto (Fotos: Walter Campanato/ABR – Renata Araujo/ABR – José Cruz/ABR)
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Ilhada por temas de interesses diversos, as discussões em torno da reforma política parecem ter um ponto de consenso: o fim do atual modelo de coligações nas eleições proporcionais para a escolha de deputados e vereadores, que, por regra, não exige obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. Ao menos, esta é a opinião de especialistas ouvidos pela Tribuna, que defendem alterações na legislação vigente sobre o tema, o que poderia contribuir para que a vontade manifestada pela sociedade nas urnas não seja distorcida.

“O eleitor escolhe um candidato, acreditando que ele representa uma plataforma individual ou partidária, e, no final das contas, esse voto pode contribuir para eleger um candidato de outro partido que provavelmente não representa as preferências desse eleitor”, lembra o professor de Ciência Política do Centro Universitário Internacional (Uninter) e pesquisador do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luiz Domingos Costa, ao comentar o modelo em vigor.

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Um dos exemplos mais emblemáticos dessa situação aconteceu no pleito de 2010. Com uma campanha calcada no deboche, o palhaço Tiririca (PR) arrebanhou 1.353.820 eleitores, desempenho que ajudou a eleger José Genoino (PT, entrou em 2013 como suplente e renunciou em dezembro do mesmo ano), João Paulo Cunha (PT) e Valdemar da Costa Neto (PR). À época, os três estavam envolvidos nas investigações do Mensalão, o que, ao menos em teoria, ia de encontro ao “voto de protesto”, pregado por muitos dos que digitaram o número do humorista na urna eletrônica.

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O entendimento dos especialista ouvidos pela reportagem é de que a revisão do modelo em vigência poderia contribuir para a diminuição de um dos principais questionamentos acerca da democracia nacional na atualidade: o afastamento entre os representantes – os ocupantes de cadeiras parlamentares – e os representados – a sociedade em geral. “Algumas críticas que o sistema eleitoral sofre, de que se vota em um candidato e se acaba ajudando a eleição de candidato de outro partido, seria suprida por essa medida sem que se afetasse a proporcionalidade do resultado da eleição”, reforça o pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAAP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Luís Felipe G. da Graça.

Cientista político ligado à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernando Perlatto lembra que, atualmente, em diversas situações, as coligações nas eleições proporcionais não são motivadas por proximidade ideológica, mas, sim, por interesse eleitoral. “Na grande maioria dos casos, são utilizadas somente para ampliar o tempo da propaganda eleitoral dos partidos.” Para Perlatto, tal comportamento impulsiona a alta fragmentação do sistema partidário no país e alimenta o surgimento das chamadas legenda de aluguel, como são conhecidas siglas desprovidas de representação no Congresso – ou com número escasso de filiados e detentores de mandatos – que se disponibilizam para abrigar candidaturas de quadros dispostos a pagar um preço pela sua inscrição e apresentação da candidatura a um posto eletivo.

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Deputados querem mudança

Em Brasília, a revisão do modelo de coligações parece agradar tanto situacionistas quanto oposicionistas. O fim do atual formato foi uma das sinalizações da presidente Dilma Rousseff (PT), quando a petista saiu em defesa da reforma política em 2013, estratégia encontrada pelo Palácio do Planalto em resposta às manifestações de rua de junho daquele ano. “Sou totalmente contrária às coligações partidárias. Podemos admitir as federações partidárias, que são as junções dos partidos para o cumprimento de um programa, com perenidade na legislatura”, reforça a deputada juiz-forana Margarida Salomão (PT).

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Da mesma forma, a sugestão integra a proposta de emenda Constitucional (PEC) 352/2013, elaborada por um grupo de trabalho instalado em 2013, na Câmara dos Deputados, e encabeçado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT). Integrante do PSDB na comissão que elaborou a PEC, o parlamentar juiz-forano Marcus Pestana (PSDB) sai em defesa do dispositivo. “Sou a favor do fim das coligações, para que o eleitor não vote em A e eleja Z.” Sentimento que também parece ser compartilhado por Júlio Delgado (PSB), que também se diz favorável ao fim das coligações proporcionais.

O texto da PEC prevê alterações da regra em relação aos deputados federais, de forma que a coligação formada em um determinado estado ou no Distrito Federal tenha de ser integrada por todos ou alguns dos partidos que fizerem parte de um mesmo bloco partidário nacional. O dispositivo estabelece ainda que os partidos que formarem coligações para a disputa de eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores) serão obrigados a permanecer juntos por quatro anos, atuando em composição parlamentar, até o fim da legislatura, na casa legislativa para a qual elegeram seus representantes.

Sem unanimidade

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Entre os parlamentares que integram a comissão especial instalada na Câmara dos Deputados, no último dia 10 de fevereiro, o tema parece distante de ser unânime. Enquete feita pela Agência Câmara de Notícias mostra que, dos 28 parlamentares dos 34 que integram o grupo, 16 foram contrários à mudança proposta pela PEC 352/2013 e 11 se mostraram favoráveis à alteração sugerida. Quatro não opinaram.

Cláusula de barreira volta à pauta

Pestana defende ainda outro item que integra a PEC 352/2013 e trata da adoção de cláusula de desempenho – também conhecida como cláusula de barreira. Ela prevê que só terão acesso a tempo de rádio e TV e recursos do Fundo Partidário, além de lideranças, funcionários e espaço físico na Câmara e no Senado, partidos que obtiverem pelo menos 5% do total de votos válidos no país, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 3% dos votos válidos em cada um deles. “A cláusula de desempenho é importante para acabar com a festa de criação de partidos sem nenhum significado político ou ideológico”, defende o tucano.

Júlio Delgado defende um modelo menos restritivo, com o fundo partidário e o tempo de TV disponibilizados apenas para as siglas que obtiverem no mínimo 3% em todo o país e menos 1% em nove unidades federativas. Aos olhos de outro parlamentar de Juiz de Fora, o deputado federal Wadson Ribeiro (PCdoB), a medida tem viés antidemocrático. “Somos contra as chamadas cláusulas de barreira, pois trata-se de um impedimento à livre organização partidária garantida pela Constituição.”

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Para Bruno Bolognesi, especialista ligado à Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e ao Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, uma combinação entre o fim das coligações proporcionais e a adoção da cláusula de barreira seria benéfica para o sistema político brasileiro. “Seriam impedimentos para que partidos servissem a grupelhos que não representam ninguém, ou apenas a igrejas ou determinadas famílias. As duas medidas ajudariam a restringir a representação na Câmara dos Deputados. Isso não quer dizer o fim destes partidos, mas somente o que os mesmos precisam desempenhar para possuir representação partidária. Além do que, a distribuição do fundo partidário poderia estar também associada de alguma forma – proporcionalmente, talvez – à cláusula de barreira.”

Inconstitucional

A cláusula de barreira já chegou a integrar a chamada Lei dos Partidos Políticos, aprovada em 1995. Similar ao sugerido pela PEC 352/2013, o dispositivo – que entraria em vigor a partir das eleições de 2006 – estabelecia que os partidos que não tivessem 5% dos votos para deputados federal ficariam com dois minutos por semestre, em rede nacional de rádio e de TV; rateariam com todos os demais partidos 1% dos cerca de R$ 120 milhões do Fundo Partidário; e não teriam direito a funcionamento parlamentar: seus deputados e senadores poderiam falar e votar no plenário, mas não teriam líderes nem estrutura de liderança. A determinação, entretanto, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2006. “É injusto porque coloca na vala comum partidos como o PPS, o PCdoB, o PV e o PSOL, que não podem ser tidos como partidos de aluguel”, afirmou à época, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo.

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