Nesta segunda-feira (8), a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, motivadas pela insatisfação de alguns grupos com o resultado das últimas eleições presidenciais e ocorridas em 8 de janeiro de 2023, completam um ano. Agora, o já não tão novo governo tem uma aprovação razoável, de 54% na última pesquisa Genial/Quaest, de dezembro de 2023.
Por mais que o Estado brasileiro tenha uma estabilidade maior hoje do que nos oito primeiros dias do mandato atual – porém ainda sem sanar completamente a fragilidade das instituições -, o grupo responsável pelo “Dia da Infâmia”, como é tratado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda é uma importante representação de opinião social no Brasil, de acordo com Jorge Chaloub, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, outros grupos, “que não necessariamente escolhem o caminho do golpe, mas que têm uma retórica que acaba, por vias tortas, legitimando movimentos como o 8 de janeiro”, permanecem presentes.
O professor faz o alerta de que “a ameaça continua, e continua significativa, porque ela é capaz de se fazer representar no Congresso Nacional, de mobilizar lideranças políticas, mobilizar uma parte da população”. Além disso, há, segundo Chaloub, “um concreto risco de que, na próxima crise, a gente tenha uma outra tentativa de golpe”. “E, se você começa a rotinizar essas tentativas, uma hora, um desses golpes vai acabar sendo bem-sucedido.”
O cientista político classifica o episódio de 8 de janeiro de 2023 como uma tentativa mal-sucedida de golpe, por querer chegar ao poder, sem ser por meio das eleições. Ele explica que um golpe é sempre meio paradoxal: “por um lado, é um sintoma de fragilidade, mas também pode fortalecer as defesas da democracia contra movimentos semelhantes”.
Dessa forma, acredita que aquelas cenas têm “um quê” de pedagógico, facilitando a percepção em relação ao que a tolerância com algumas manifestações públicas pode acarretar. “Você tem uma série de ocupações em quartéis, que muitas pessoas defendiam que era livre expressão do pensamento. Quando você tem aquele evento, com a dimensão grotesca que teve, de destruição, de delírio coletivo ali colocado, muita gente pensa: ‘talvez não seja uma boa ideia normalizar certos costumes'”, exemplifica Chaloub.
Rede de financiamento
Professor do Departamento de História da UFJF, Odilon Caldeira Neto reforça que ainda é cedo para dizer que a possibilidade de um golpe foi totalmente afastada. “O indiciamento de empresários ligados ao financiamento do evento ainda está para ser realizado, alguns poucos foram indiciados, alguns indivíduos foram presos efetivamente, mas a rede de financiamento ainda há de ser desmembrada.”
Outro ponto, segundo Caldeira, é uma questão institucional: “a tentativa de golpe surgiu em torno de um processo de intensificação da radicalização de bases parlamentares, que apoiaram o discurso golpista de Jair Bolsonaro, e também de acenos de setores institucionais, do ponto de vista dos militares. Então, é necessário levar em consideração que o processo de investigação, em algum sentido, – mesmo o processo de conciliação que o Governo atual tenta estabelecer – ainda é muito tímido, dada a magnitude dos eventos”.
A coordenadora regional do Direita Minas, Roberta Lopes, concorda que o 8 de janeiro não foi devidamente apurado, mas na direção de outros atores. “Houve negligência das autoridades, houve as omissões das imagens, até por parte do próprio Governo federal, do próprio ministro – ele não entregou as imagens na íntegra – e isso gerou uma impunidade daqueles que, de fato, cometeram crime patrimonial.”
Caldeira, que é coordenador do Observatório da Extrema Direita da UFJF, explica que o comportamento do grupo que estuda, com relação à data, é muito variável. “Algumas daquelas bases mais radicais do bolsonarismo, que adotaram um procedimento absolutamente golpista, se sentem ressentidas; outras delas estabelecem processos eventuais de comemoração.” Por outro lado, “muitas das lideranças tendem a querer se afastar desse evento, justamente porque querem ambicionar processos políticos legislativos”, lembra, com as eleições municipais ocorrendo ainda neste ano.
‘Aproveitadores do caos’
A distinção entre os grupos também é destacada por Roberta, que teve uma atuação intensa após o segundo turno das eleições presidenciais, participando de manifestações, pautando “um descontentamento e um receio muito grande” com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato eleito.
Roberta defende que seu movimento nunca foi de cunho intervencionista, e que isso teria levado ela e a família a serem linchados na manifestação em frente à 4° Brigada de Infantaria Leve de Montanha, no Bairro Mariano Procópio, que pedia intervenção militar: “Um dia esse rapaz [não especificado por Roberta] começou a incitar violência contra mim, falando que eu era esquerdista, que eu era infiltrada, que eu estava querendo me aproveitar da manifestação. Ele incitou a população e a população veio para cima da gente – não todo mundo, mas uma grande quantidade. E eles agrediram a mim, meu esposo e meu filho menor de idade.”
Para ela, as movimentações daquela época envolviam grupos distintos: “havia nosso grupo, que tinha esse cunho mais filosófico, de descontentamento, assim como havia a população comum, simples, que estava com esse receio do Lula ‘subir’, e havia também aqueles aproveitadores do caos, que tentaram de uma forma se aproveitar de situações de fragilidade dessa população que já estava numa situação muito delicada emocional. É uma minoria, muito pequena, mas isso se refletiu também no 8 de janeiro”.
Juiz-foranos detidos em Brasília: como estão um ano depois
Um ano depois, por mais que se pense que deveria haver uma punição mais ampla de financiadores e apoiadores, a prisão de algumas figuras que não conseguem mais pautar a política nacional contribuiu para não haver mais um cenário de caos social, na visão de Chaloub. Já Caldeira explica que “os eventos políticos locais, muitas vezes, não são dissociados de questões que convergem em dinâmicas regionais, locais, nacionais ou mesmo globais”. Por isso, “muitas vezes, olhar o evento local a partir da realidade de Juiz de Fora ou de outra cidade, em alguma medida, é iluminar também a interpretação do panorama global dos fenômenos”.
No dia seguinte aos atos, segunda-feira, 9 de janeiro de 2023, a primeira notícia da Tribuna sobre o caso foi de que pelo menos um casal de juiz-foranos havia sido detido em decorrência da invasão, e que ao menos um ônibus, com cerca de 40 pessoas, teria partido de Juiz de Fora rumo a Brasília naquele fim de semana. Quatro desses atores já foram identificados e vivem situações distintas.
Jaqueline Freitas Gimenez é quem passa pela mais severa. Presa no Palácio do Planalto, foi condenada, em outubro, a 17 anos de prisão. A acusação do STF explica que “em vídeo encontrado em seu celular, ao ultrapassar a barreira de contenção e chegar à Praça, ela afirma que o povo está invadindo os Três Poderes, que o ‘Brasil é nosso’ e que vão ‘tirar o comunismo'”. O advogado de defesa, Hélio Junior, afirma à Tribuna que a prisão em Brasília foi injusta e que “ver uma condenação de uma pessoa que não cometeu qualquer ato de vandalismo era inimaginável”. Ainda de acordo com Hélio, ela necessita de acompanhamento médico por um tumor maligno que retirou da tireoide e é mãe de uma menina de 9 anos de idade e um menino de 6, que dependem dela economicamente. Além disso, nunca respondeu a qualquer processo criminal e “nunca concordou com os atos de vandalismo que danificavam o Planalto e os demais prédios públicos no dia 8 de janeiro”. “A pena de 17 anos é desproporcional para qualquer pessoa, sendo que não existem comprovações nos autos que concorreu com os atos de vandalismo”, completa o advogado.
Marcelo Eberle Motta e Eduardo Antunes Barcelos (natural de Cataguases) foram presos preventivamente pela Polícia Federal em Juiz de Fora no dia 27 de janeiro. Na noite do dia 18 de dezembro de 2023, foram soltos. Atualmente, cumprem as medidas cautelares: prisão domiciliar, podendo sair durante o dia e se recolhendo à noite, com tornozeleira eletrônica. Além disso, estão proibidos de sair do país, dar entrevistas ou possuir qualquer rede social. O advogado de defesa, Eduardo Jeyson, considera a decisão do ministro Alexandre de Moraes, de revogar a prisão preventiva, acertada, mas afirma que aguarda “um julgamento justo para que seja restabelecida a justiça”. Ele informou que ainda não há uma previsão para a data de julgamento do processo e revogação das cautelares, e que apresentará “um plano com uma tese de defesa, que em momento oportuno será apresentado no processo”.
Joanita de Almeida era presidente da Associação Assistencial Derlando Ferreira Fernandes, vice-presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e titular do Conselho Municipal de Segurança Alimentar (Comsea), presidindo a Associação Brasileira de Apoio às Entidades Beneficentes. Presa em flagrante, detida na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como “Colmeia”, teve a liberdade provisória concedida em agosto, com medidas cautelares. Foi proibida de se ausentar da comarca, do país, de utilizar redes sociais e de se comunicar com os outros envolvidos nos atos. As medidas incluíram ainda o recolhimento domiciliar durante a noite e nos finais de semana, utilizando tornozeleira eletrônica e a determinação de que ela se apresente perante o juízo todas as segundas-feiras. A Tribuna tentou contato com a advogada de defesa, por meio dos canais pessoais registrados no site da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.