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O que esperar dos juiz-foranos nas urnas em outubro?

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Diante do fim das convenções partidárias neste domingo (5) e da proximidade do pleito em meio a um cenário incerto, a Tribuna buscou compreender o comportamento do eleitorado juiz-forano a partir da análise dos números das eleições gerais para o Executivo — presidência da República e Governo do Estado desde 1998. Especialistas conversaram com a reportagem sobre o que esperar nas urnas em 7 de outubro, principalmente em relação aos movimentos de abstenção e votos brancos e nulos — inválidos. Em Juiz de Fora, a Justiça Eleitoral cancelou, recentemente, pouco mais de 40 mil títulos eleitorais em razão da ausência de justificativas por abstenção em três eleições consecutivas. O quantitativo corresponde a mais de 10% do eleitorado juiz-forano — 397.841, conforme o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais.

“De um lado, o número implica que vai diminuir a abstenção na próxima eleição, porque essas pessoas que se abstiveram nas últimas eleições sequer estarão no cadastro agora. Do ponto de vista do número bruto, já eram pessoas que não estavam votando e estavam inchando o cadastro”, comenta o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Mas, certamente, há uma tendência, sim, de que, em momentos nos quais a visão média da política esteja muito ruim — como é o caso agora —, isso tenha incidência em uma menor participação eleitoral.” Na reeleição do ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB), em 2016, 21,4% dos eleitores juiz-foranos abstiveram-se. Em números absolutos, o percentual corresponde a cerca de 84,6 mil eleitores.

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As análises da participação eleitoral em Juiz de Fora nos últimos anos mostram, principalmente, o crescimento do não comparecimento às urnas, ainda que em intensidades distintas conforme os cargos. Entre 1998 e 2014, as abstenções passaram de 14,12% para 18,94% nas eleições presidenciais. Já os brancos e nulos, somados, decresceram de 12,82% para 7,67%. “Não se sabe ainda em que a prisão do ex-presidente Lula vai resultar no comportamento eleitoral. A maioria dos analistas aponta para a elevação dos índices de abstenções, brancos e nulos”, indica o cientista político Franklin Soldati, quando questionado sobre a participação eleitoral no pleito de outubro diante da percepção sobre os sucessivos escândalos políticos.

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Diogo Tourino, cientista político e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), embora reforce a imprevisibilidade do pleito devido à alta intenção de votos no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas, atenta-se especialmente às abstenções, significativas em cidades de grande porte e capitais em 2016. “Creio que votar branco ou nulo é, de alguma forma, participar. Mas a abstenção é perniciosa para a política. Ela pode significar o desprezo pelo exercício da política, o que é perigoso.” Porém, Tourino destaca a constância da participação eleitoral juiz-forana nos últimos 20 anos. “Há uma constante; as coisas continuam mais ou menos na mesma tendência, com uma pequena oscilação de abstenções nas eleições municipais.”

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O comportamento distinto do eleitor juiz-forano, no entanto, de acordo com os diferentes níveis do Executivo chama a atenção; os índices de votos válidos do eleitorado para a Presidência da República e para o Governo do Estado de Minas Gerais indicam engajamentos diferentes. Enquanto o número de votos válidos para o Planalto mantém-se constante — casa de 73% — entre 1998 e 2014, o Palácio da Liberdade registra queda de 77,57% para 62,52% no percentual de votos em algum dos candidatos.

Já a oscilação, crescente, dos brancos e nulos em Juiz de Fora na disputa ao Governo do Estado é significativa, ao passo que o movimento dos votos inválidos para o Planalto é linear. Entre as vitórias de Itamar Franco (PMDB à época), em 1998, e Fernando Pimentel (PT), em 2014, brancos e nulos saltaram de 7,41% para 18,83%. As abstenções, entretanto, cresceram timidamente nas eleições presidenciais e estaduais; de 14% e 15%, respectivamente, em 1998, representaram, em 2014, aproximadamente 19% do eleitorado juiz-forano — como os dois pleitos são simultâneos, as taxas de comparecimento e abstenção são próximas. Notoriamente, o comportamento eleitoral juiz-forano segue distintas direções nos últimos 20 anos.

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Motivações de engajamento
Em sua tese para o Departamento de Ciências Sociais da UFJF, Soldati buscou entender os níveis de comparecimento do eleitorado juiz-forano, uma vez que pesquisa anterior do núcleo indicava a superioridade participativa da população local em relação a Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Uberlândia. “A participação do eleitor de Juiz de Fora era sistematicamente superior. O que os pesquisadores observaram é que, inclusive antes de 1998, o eleitorado era sempre mais efetivo nas urnas, conseguindo algumas respostas, como alto índice de escolaridade e alta infraestrutura. Depois de 2008, a cidade deixa de ocupar as primeiras posições, ficando em segundo, terceiro, mas na esfera de 1% abaixo. Nunca chega a ultrapassar esse valor.” A valorizar o comparecimento, Soldati propõe diferentes motivações para abstenções, brancos e nulos e, portanto, considera os votos inválidos como manifestações legítimas.

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Tourino, porém, entende que “falta, nos estudos eleitorais, a possibilidade de uma pesquisa empírica (sobre a motivação do eleitorado em votar branco ou nulo) que só seria viável se o voto não fosse obrigatório”; para ele, a obrigatoriedade do voto condiciona, social e economicamente, as opções por abstenção ou brancos e nulos. “Acho que há um corte informacional. Para uma pessoa instruída, de alta classe, com poder aquisitivo, o voto obrigatório não representa sanção alguma. Essa pessoa sabe que não é uma sanção tão difícil de ser contornada. Para o grande público — eleitores das classes D e E —, de baixa informação, representa, sim, uma sanção. Se eles não comparecerem, vão ficar com a vida complicada.”

Planalto: índices constantes de participação

Na reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998, 73,06% dos eleitores juiz-foranos aptos a voto optaram por algum candidato; em 2014, na reeleição de Dilma Rousseff (PT), 73,39% do eleitorado apostou em um dos nomes à disposição para o Planalto. Próximos, os números indicam, em um intervalo de 16 anos, quantidade similar de votos válidos dos juiz-foranos para a Presidência da República. No período, oscilaram, somente, os índices de abstenções e brancos e nulos, sendo que as abstenções cresceram ao passo que os votos inválidos diminuíram.

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“Eu faço a proposição de somar os votos brancos e as abstenções, chamando-os de rejeição das listas eleitorais. Além disso, penso, também, sobre a aceitação eleitoral, o que incluiria os votos válidos e os votos nulos”, analisa o cientista político Franklin Soldati, que enquadra as abstenções, os brancos e os nulos em uma soma denominada alienação eleitoral, ainda que aponte distinções nos comportamentos. “O voto válido é do eleitor que tem uma sofisticação eleitoral, uma participação cívica. Ele vota em um candidato porque acredita que o seu voto pode interferir nas decisões políticas. O voto nulo é do eleitor que não aceita as listas eleitorais e até o sistema político atual, mas acredita que é uma forma de participar civicamente.” O termo alienação eleitoral — distinto de alienação política, pois — é adotado porque “a participação política no Brasil é cara ao indivíduo. Quando ele se aventura a participar mais, ele sofre punições dos extratos sociais”.

Ponto fora da curva
Em 2002, no pleito que envolveu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), verificou-se o único crescimento no índice de votos válidos, o maior valor registrado no período analisado. “Do ponto de vista do Executivo em âmbito nacional, Juiz de Fora sempre pediu mudança”, assinala Tourino. As estatísticas de emprego, como aponta Tourino, são ponderações fundamentais do eleitorado ao ir às urnas. “Figura-se um cenário de esgotamento de um padrão de políticas econômicas que vinha se desenrolando ao longo dos anos 1990 e um altíssimo desemprego. Quando eu converso com os colegas sobre o sucesso eleitoral do Partido dos Trabalhadores, eu nunca desconsidero a variável do emprego, ainda que possamos falar sobre empregos precarizados, baixos salários etc. O desemprego é muito dolorido.”

Paulo Roberto credita o índice elevado à mobilização de distintos setores pela chapa encabeçada pelo PT e coligada com o PL — legenda do então vice-presidente José Alencar —, PCdoB, PCB e PMN. “Foi uma movimentação em direção ao apoio do Lula que mobilizou muitos dos setores que, em alguma medida, tinham já votado no Lula e alguns outros setores que não tinham e que nessa eleição foram dirigidos a essa chapa, que era mais ampla.”

Polarização ou alienação eleitoral

Em 15 de agosto, as chapas devem estar inscritas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pouco mais de 60 dias das eleições, as alianças partidárias e as propagandas eleitorais serão ainda determinantes no desempenho eleitoral das candidaturas. As últimas pesquisas eleitorais em âmbito nacional — realizadas ainda em meio às incipientes pré-candidaturas — transparecem as incertezas do eleitorado. Lula lidera todas as projeções nas quais está inserido. Em pesquisa realizada pelo Ibope, a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) — de registro eleitoral BR-02265/2018 —, entre 21 e 24 de junho, chega a 33% a intenção de votos no petista; brancos e nulos estão em 22% e, não sabem/não responderam, 6%. “No caso específico dessa eleição presidencial, há uma variável absolutamente relevante que é Lula. Todas as pesquisas mostram que ele seria o candidato favorito, muito provavelmente com chances reais de vitória. Se ele não puder ser candidato, há uma tendência de crescimento também do voto branco e nulo, porque alguns dos eleitores podem não se sentir contemplados com os nomes que restarem”, coloca o cientista político Paulo Roberto.

No cenário sem Lula, Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede) sobressaem entre os demais e empatam tecnicamente; enquanto o deputado federal tem 17% da intenção de votos, a outrora senadora soma 13%; brancos e nulos, 33%, não sabem/não responderam, 8%. “Nós estamos vivendo uma quase generalização em relação a um perfil do político – corrupto etc”, afirma Tourino. “Ao mesmo tempo, a minha hipótese é de que isso não vai implicar, nas eleições, no crescimento no número de abstenções. Acho que a polarização que está posta pelo cenário vai movimentar muito o eleitorado”, acrescenta, atribuindo à polarização a capacidade de potencializar o engajamento eleitoral. Em contrapartida, Soldati projeta que “os índices de alienação eleitoral nas eleições presidenciais batam recordes. A tendência é a manutenção das abstenções e dos votos nulos. Tanto os setores populares quanto a classe média estão bastante desencantados com o nosso sistema político eleitoral.”

Exceção feita a Lula, o índice de intenção de votos inválidos supera todos os candidatos em primeiro turno, fenômeno já verificado nas eleições municipais. A capacidade de transferência de votos do pré-candidato do PT emerge como uma das chaves para compreender a dinâmica do primeiro turno e o comportamento eleitoral. “Nós estamos falando de 30% que não são voláteis. Em todas as eleições em que o Lula e o Partido dos Trabalhadores disputaram majoritária nacional, eles sempre tiveram um terço dos votos. Esses eleitores não vão pular de uma pessoa para outra; o Lula passa esses 30% para quem ele quiser, mesmo preso. Não são 30% órfãos”, analisa o professor Diogo Tourino. Em Juiz de Fora, por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva representou a maioria dos votos nos pleitos presidenciais de 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006.

Paulo Roberto Figueira Leal, entretanto, compreende que a capacidade de transferência de votos do ex-presidente é uma incógnita, uma vez que a prisão o limita a fazer campanha. “A questão é como se dará essa capacidade de transferência em um contexto no qual, provavelmente, o Lula estará preso, não poderá dar entrevistas, não vai ter condição de fazer campanha país a fora, ou seja, nenhuma dúvida de que parte dos votos do Lula tendem a ser transferidos para quem ele indicar; a quantidade que isso implicará é o que vai definir o resultado da eleição. É uma situação inédita. Portanto, ninguém tem certeza absoluta de qual a real capacidade de transferência.”

Palácio da Liberdade e a centralidade do voto

“Uma série de especialistas políticos aponta a centralidade do voto. Quanto mais importante é o nível federativo, maior é o comparecimento. Há uma diferença entre votar para prefeito e governador, por exemplo”, diz Franklin Soldati, ainda que destaque o estreito canal entre as eleições municipais e estaduais a nível Executivo. “Acredita-se, também, que o eleitor faça uma reflexão – que leva em conta os valores morais, não somente a razão – que se o prefeito não tiver uma relação direta com o governador eleito, a cidade ganhará poucos recursos.” Os índices de votos válidos entre os níveis estadual e nacional do Executivo apresentam, também, diferenças significativas; exceção à regra são as eleições de 1998, na qual 73,06% do eleitorado juiz-forano optaram por um candidato à Presidência e, 77,57%, por um candidato ao Estado de Minas Gerais.

Na ocasião, o ex-presidente Itamar Franco (PMDB) — que construíra carreira política em Juiz de Fora — concorrera com Eduardo Azeredo (PSDB) ao Palácio da Liberdade, pleito decidido em segundo turno; a nível nacional, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fora reeleito presidente da República ainda em primeiro turno. “Eleições contam histórias particulares. Eu poderia dizer que abstenção eleitoral pode significar exatamente o contrário. Vou fazer um raciocínio hipotético: vamos supor que a gente tem um alto índice de abstenção eleitoral e descubra que as pessoas não estão indo votar exatamente porque elas confiam muito na democracia”, fala Tourino a partir dos índices do comportamento eleitoral juiz-forano nos últimos anos. “A democracia está tão estável e segura, tudo está funcionando tão bem, que eu não preciso votar. Essa é uma tese que sustentou, por exemplo, o contexto norte-americano durante muitas décadas.”

Franklin Soldati, porém, toma dois entendimentos, a partir do corte socioeconômico, do comportamento de abstenção. “O que levaria uma pessoa a se abster? A exclusão social ou a sofisticação eleitoral. Em um extremo, o eleitor, brindado pela sua condição financeira, acha que sua vida não mudará, portanto não vai às urnas. Em outro, poderíamos pensar naquele eleitor socialmente excluído, que não tem acesso às benesses produzidas pela sociedade. Ele também acha que a sua vida não vai mudar.”

Entre 2002 e 2014, todos os governadores de Minas Gerais foram eleitos em primeiro turno — Aécio Neves e Antonio Anastasia (PSDB) e Fernando Pimentel (PT). Entretanto, na reeleição de Aécio, em 2006, há uma notável queda no número de votos válidos em Juiz de Fora — decréscimo de 79,04%, em 2002, para 69,32% —, ao passo que o número de votos brancos e nulos superou o de abstenções, movimento inédito do eleitorado juiz-forano nas eleições municipais e presidenciais. “Quando o cidadão não se sente representado, quando ele não tem esperança que o seu voto vá mudar algo, ele se abstém. Se ele tem medo de votar, tomar um partido político, ele vota em branco”, afirma Soldati. O movimento de queda no índice de votos válidos persiste nas eleições seguintes, assim como a elevação nas taxas de brancos e nulos e abstenções, que se cruzam na eleição de Pimentel.

Recadastramento e multas

Dentre as razões pelas quais as abstenções do eleitorado representam números significativos nos pleitos últimos, a desatualização do sistema de cadastro eleitoral do TSE em função de óbitos é uma das hipóteses. O recadastramento biométrico do eleitorado é uma tentativa do TSE de atualizar os dados. Desde as eleições de 2010, os municípios mineiros de Curvelo, Pará de Minas, Ponte Nova e São João del Rei votam por meio de identificação biométrica. Em Juiz de Fora, o recadastramento é ainda facultativo.

Conforme Franklin Soldati, uma possível redução do quantitativo do eleitorado não refutaria suas propostas de comportamento eleitoral. “Caso diminuísse mesmo o número do eleitorado, as significâncias que eu encontrei nas minhas análises seriam reforçadas. Por isso, inclusive, a gente acha que o brasileiro, na forma que lhe é possível e menos cara, tem uma atitude cívica, porque é barato você se abster e pagar a multa”. Em Minas, o valor para calcular multas por infrações e débitos tributários é definido pela Unidade Fiscal do Estado de Minas Gerais (Ufemg) e fixado, anualmente, pela Secretaria de Estado de Fazenda. Em 2018, a quantia chega a R$ 3,25 por turno. Caso o eleitor não possua condição de efetuar o pagamento, há a possibilidade de requerimento de isenção da multa por meio de uma declaração de insuficiência econômica.

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