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Desafio na segurança pública começa pela prevenção

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Adequar-se ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), consolidando uma política municipal nesta área, focada não apenas nas instituições policiais, mas conectada com os demais setores, como assistência social, educação e saúde, resume os desafios que a próxima Administração deverá enfrentar em Juiz de Fora, segundo especialistas. Desde que o Governo federal criou o Susp, conforme a Lei 13.675/2018, os Municípios ficaram obrigados a elaborar e aprovar um Plano Diretor Participativo de Segurança Pública e Cidadania para serem habilitados a receber recursos da União, no contexto da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. A premissa da norma é a participação da sociedade civil na construção dessas diretrizes, passo já dado na cidade por meio da criação do Conselho Municipal de Segurança Urbana e Cidadania (Comsuc).

José Sóter Figueirôa, ex-secretário de Segurança Urbana e Cidadania (Foto: Divulgação)

Embora este avanço em direção ao Susp já tenha ocorrido na atual gestão – os 15 representantes de entidades públicas e outros 15 da sociedade civil organizada que compõem o novo órgão de participação popular tomaram posse em julho durante cerimônia remota -, o Plano Diretor ainda está em fase final de discussão no Comsuc para seguir em votação na Câmara Municipal, e sua aprovação pode não acontecer neste ano. O ex-secretário de Segurança Urbana e Cidadania, José Sóter Figueirôa Neto, que estava à frente da pasta até setembro, explica que a consolidação pode ficar para 2021, já que o prazo está apertado, mas todo esforço está sendo feito para que o projeto seja sancionado até dezembro, já que a partir do próximo ano, qualquer verba federal destinada à segurança pública só será liberada mediante Susp. “A exemplo dos outros sistemas públicos, como o de Saúde (SUS), temos o dever, inclusive legal, de implementá-lo.”

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Figueirôa ressalta que os trabalhos rumo ao Susp deram um salto com a 1ª Conferência de Segurança Urbana e Cidadania de Juiz de Fora, realizada no fim de agosto do ano passado. As deliberações durante o encontro resultaram em 27 propostas contempladas no Plano Diretor Participativo, que define metas de 2020 até 2030. “De certa maneira, perdemos algum tempo com a pandemia. Nossa previsão era implantar o conselho em março e discutir até julho, mas não foi possível.” Ele acrescenta que, a partir da aprovação do plano, o próximo prefeito (a) terá que cumprir as metas definidas, com prazos variados de até dez anos, para permanência no Susp. “Precisamos de projetos bons e consistentes para conseguir recursos e financiá-los.”

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Com verbas tanto federais quanto estaduais e municipais, outra ideia para a próxima gestão, segundo o secretário, é a cidade direcionar até 2% da receita corrente líquida para a área, a fim de cumprir as metas que almeja, sobretudo, para a redução da criminalidade violenta. “Apesar do decréscimo dos homicídios nos últimos anos, o que mais preocupa é o perfil desses crimes. Quase metade das vítimas é jovem, e 76% são negros e de periferia. Esses são os dados mais alarmantes, que fazem movimentar para o Susp na expectativa do caráter preventivo, que mais compete ao Município. Devemos agir na repressão de forma articulada com as forças de segurança, mas temos que investir muito na direção da prevenção, sendo fundamental a integração com as chamadas políticas sociais básicas: educação, saúde e assistência social. Temos que estabelecer novo paradigma, associando a segurança pública à cidadania”, pontua Figueirôa.

Multisetorialidade

Letícia Delgado Paiva, advogada e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência e Direitos Humanos da UFJF (Foto: Divulgação)

A opinião é compartilhada pela advogada e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência e Direitos Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (Nevidh-UFJF), Letícia Fonseca Paiva Delgado. “Pensar segurança pública em âmbito municipal é pensar o próprio modelo de cidade que se deseja: uma cidade social e economicamente inclusiva ou excludente? Esse debate se torna mais importante em um contexto em que os crimes de homicídios têm por vítimas, em sua maioria, jovens negros, de bairros periféricos e de baixa escolaridade. Nós do Nevidh trabalhamos com a ideia de que a violência, entre outros fatores, também deve ser percebida como resultado da falta do Estado em promover bens de cidadania, como educação, cultura, bem-estar, assistência social, saúde. Neste contexto, o gestor do município deve reconhecer a multisetorialidade e transversalidade das mais variadas políticas públicas, buscando pontos de contato e colaboração com outras áreas, promovendo ações de prevenção primária, secundária e até terciária à violência. A Prefeitura deve fomentar pesquisas na área da segurança pública, posto que não há política de segurança sem conhecimento, além de promover um espaço de diálogo com a sociedade civil e com as demais instituições que atuam neste campo.”

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Para Letícia, portanto, o principal desafio é estrutural e se relaciona com o reconhecimento do papel do Município, a partir de uma política na área. “É necessário que se compartilhe a ideia de que a segurança pública é um bem coletivo que deve ser construído com a participação de todos os entes federados, em conjunto com a sociedade.” Além de romper com a visão tradicional centrada nas instituições policiais, segundo ela, é necessário que a Administração não se limite à Guarda Municipal, “embora seja indispensável um olhar especial para essa instituição que, caso tenha seu potencial plenamente desenvolvido, pode trazer impactos positivos na redução dos índices de criminalidade.” De forma prática, é necessário ainda, um orçamento capaz de financiar as políticas públicas. “Pessoas qualificadas à frente da pasta da segurança podem auxiliar o (a) prefeito (a) a buscar recursos alocados nos orçamentos estadual e federal.”

Expansão dos projetos Fica Vivo e Olho Vivo

Entre as 27 metas que compõem o Plano Municipal Diretor Participativo de Segurança Pública e Cidadania estão a expansão do videomonitoramento Olho Vivo e a instalação de uma unidade dos programas Fica Vivo! e Mediação de Conflitos na Zona Norte de Juiz de Fora. As duas iniciativas são vistas como marcos no combate à violência na cidade.

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O Olho Vivo é um programa do Governo estadual, executado pela Polícia Militar em parceira com a Administração municipal. São 54 câmeras monitoradas 24 horas, que começaram a ser instaladas em meados de 2014 em diversos pontos da cidade. Atualmente, estão estrategicamente espalhadas pela região central; e pelos bairros São Mateus, Alto dos Passos e Santa Luzia, na Zona Sul; Manoel Honório, região Leste; Santa Cruz e Benfica, na Zona Norte. “É uma experiência bem sucedida, com decréscimo da ordem de 35% dos crimes contra o patrimônio. E há reinvindicações de outros bairros e locais ainda não contemplados”, aponta o ex-secretário de Segurança Urbana e Cidadania, José Sóter Figueirôa. O prazo para expansão, a partir da aprovação do Plano Diretor Participativo, é de três anos. Segundo Figueirôa, uma sugestão é tentar parceria público-privada. “Há câmeras, por exemplo, em shoppings, com focos nas ruas, que poderiam ser interligadas ao programa.”

Já o Fica Vivo!, plataforma do Estado de prevenção a homicídios voltada para jovens em situação de vulnerabilidade na faixa etária de 12 a 24 anos, funciona desde abril de 2018 na Unidade de Prevenção à Criminalidade (UPC) da Vila Olavo Costa, Zona Sudeste. A proposta é criar outra célula na região Norte, junto com o Mediação de Conflitos, em até dois anos. “O Município pode entrar com o espaço, mobiliário e recursos humanos”, avalia Figueirôa.

Integração

Outra questão contemplada no Plano Diretor Participativo, mas com prazo mais amplo, de até cinco anos, é a instalação de um Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). A unidade iria centralizar e otimizar os atendimentos de ocorrências emergenciais, unindo meios informativos, materiais e humanos. “O Ciosp fará uso de tecnologia de ponta, dentre elas, sistemas para transmissão de voz e dados, localização automática de veículos, vigilância eletrônica e geoprocessamento com o uso de mapa, prevendo ainda o estabelecimento de parcerias público-privadas a fim de possibilitar o acesso às imagens das câmeras comerciais e residenciais já instaladas nos corredores urbanos de maior circulação de pessoas, bem como oportunizar o financiamento da instalação de novos dispositivos tecnológicos, de maneira a facilitar o monitoramento das vias de entrada e saída do município, ruas, pontos turísticos, praças, parques, museus, prédios públicos e principais corredores comerciais da cidade a fim de inibir a ocorrência de atividades criminosas nestes locais de maneira inteligente, otimizando os recursos humanos e logísticos das forças de segurança pública”, detalha o projeto. “Seria um Olho Vivo tecnologicamente ampliado, com gestão de várias forças de segurança, Settra, Samu e Bombeiros. A unificação das salas de controle não precisa ser física, pode ser remota”, explica Figueirôa. “É preciso investir em tecnologia e inovação, esse é um caminho sem volta”, comenta, sobre outra proposição do plano.

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Ainda na linha de agregar forças, estão as instalações do Gabinete de Gestão Integrada Municipal – instituído pela Lei municipal 13.367/2016 e regulamentado pelo Decreto 12.837/2016 – e da Unidade Integrada de Inteligência. O primeiro teria como objetivo discutir, deliberar e executar políticas na área para prevenir e diminuir a criminalidade. Já o último núcleo faria análise de dados e de informações provenientes das instituições públicas. Ambos deveriam ser executados em até dois anos. “A integração dos órgãos de segurança é um enorme desafio na gestão pública”, aponta o secretário.

Uma das metas do Plano Diretor é a ampliação do Olho Vivo, programa do Governo estadual que conta com 54 câmeras monitoradas 24 horas por dia em JF (Foto: Fernando Priamo)

Recuperação e regionalização

No mesmo prazo, deverá ser criada uma Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), para recuperação e reintegração social, a fim de evitar a reincidência no crime. Outra meta para o mesmo período de dois anos é efetivar projetos de reinserção social para mulheres egressas do sistema prisional. Já na vertente de combate à violência doméstica, a ideia é instituir a Casa da Mulher como uma política de Estado, por meio de lei, e criar uma versão itinerante do atendimento, além de realizar ações educativas, projetos de qualificação profissional e de emprego para aquelas em situação de vulnerabilidade.

Para tentar abarcar os problemas relacionados à segurança em cada região da cidade, incluindo a Zona Rural, estão previstos nove Conselhos Regionais de Segurança Pública (Cresps), com inauguração de um a cada semestre. Também há proposta de reativação do programa JF + Vida, voltado para prevenção e tratamento do consumo de crack, álcool e outras drogas. “Quase 90% dos homicídios e crimes violentos que ocorrem com nossos jovens são vinculados à questão das drogas, seja pela dependência ou ligação com grupos e gangues”, contextualiza Figueirôa, sobre a importância do projeto.

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O ex-secretário finaliza a explanação sobre as principais metas do Plano Diretor Participativo com um tema aparentemente simples, mas de grande valia para não dar chance ao crime: implementar ações de zeladoria pública. “É a velha teoria das janelas quebradas. Ambientes sem iluminação e sujos estimulam a violência. O poder público vai ter que investir em infraestrutura e manutenção de praças, quadras poliesportivas, limpeza, capina.”

Criminalidade violenta preocupa

A criminalidade violenta, em especial os homicídios, é a modalidade que mais preocupa os pesquisadores do Núcleo de Estudos de Violência e Direitos Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (Nevidh-UFJF). “Juiz de Fora vem acumulando, desde 2012, altas taxas de homicídio, próximas à nacional. Apesar da redução em 2018, não temos elementos para afirmar, ainda, que a cidade apresenta uma tendência de queda. Mas o fato é que as mortes acompanham o perfil nacional: alta letalidade de jovens do sexo masculino, entre 15 e 29 anos. Esses, que representam em média mais de 50% do total de óbitos, são indivíduos com plena capacidade produtiva, em período de formação educacional, na perspectiva de iniciar uma trajetória profissional e de construir uma rede familiar própria. Em sua maioria, as vítimas são negras e de bairros com baixa infraestrutura, demonstrando que, muitas vezes, a carência de políticas sociais adequadas pode estar relacionada ao índice de homicídios”, analisa a pesquisadora do Nevidh, Letícia Delgado.

Ela ressalta que as mortes violentas têm estreita relação com o tráfico de drogas, sendo necessárias também ações capazes de impactar esta realidade. Outra violência que merece atenção do Executivo é aquela contra a mulher, que exige medidas adequadas para facilitar o acesso das vítimas à rede de proteção, como a implementação da Casa da Mulher itinerante.

Letícia considera que a 1ª Conferência de Segurança Urbana e Cidadania de Juiz de Fora, que resultou nas 27 propostas coletivas do Plano Municipal, foi um avanço para a democratização da construção das políticas públicas de segurança. “A qualidade das ações aprovadas evidencia que a cidade já debate segurança pública com um grau de maturidade e independência.” No entanto, ela pondera, o desafio maior está por vir, com a efetivação das ações aprovadas. “Seria um grande retrocesso se o novo prefeito (a) obstaculizasse o avanço das pautas da conferência.” Para ela, o assunto deve ser consolidado como política de Estado e, além da aprovação do Plano Diretor Participativo, deve-se fortalecer o recém-criado Conselho Municipal de Segurança Urbana e Cidadania (Comsuc), que já nasce com o desafio de se estruturar em meio à troca de chefes do Executivo e manter sua independência.

“A criação de um conselho de direitos na área não é somente um marco para viabilizar a participação da sociedade na construção destas políticas, como também uma demanda da Lei federal 13675/2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). A premissa da participação da sociedade civil na construção das políticas é, justamente, a ideia de que a segurança pública é um direito que deve ser assegurado a todos e, portanto, sua distribuição não pode ocorrer de modo desigual e seletivo. A participação da sociedade civil, ao lado dos atores institucionais, é indispensável como mecanismo de dar voz às comunidades, aos bairros, aos diversos setores da sociedade, em busca da melhoria das políticas públicas, com ênfase na prevenção social à violência”, conclui a especialista.

Furtos e roubos

Em relação aos crimes perpetrados em Juiz de Fora e que preocupam atualmente, a Polícia Civil ainda cita aqueles contra o patrimônio, como furtos e roubos, além da violência doméstica e dos assassinatos. O chefe do 4º Departamento, Gustavo Adélio Lara Ferreira, reforça que grande parte dos homicídios estão interligados ao tráfico. “Estes ilícitos são cirurgicamente tratados pela Polícia Civil, com alto índice de apuração”, afirma.

Ele lembra que, com a criação do Comsuc, “todos os vetores da força de segurança pública atuam com a finalidade de integração, para que haja troca de informações, de dados e de experiências, com o escopo de colaborar com as ações e investigações em curso, trabalhando também no sentido da prevenção”. O chefe da Polícia Civil finaliza dizendo que o próximo eleito (a) terá vários desafios na área de segurança, incluindo questões ligadas ao meio ambiente, à proteção do patrimônio público municipal e a políticas de trânsito. “Uma gama de fatores e situações que terá que enfrentar com profissionalismo e em parceria com os órgãos de segurança, para dar tranquilidade e paz social aos cidadãos de Juiz de Fora.”

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